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Quantificar Convicções Passadas
O impasse envolvendo a importação de café por parte
do Brasil se arrasta há mais de uma década. Até mesmo as operações de drawback não puderam ser implementadas
devido a intransigência de “lideranças” da produção. Ao princípio de 2015, uma
operação, envolvendo arábica originado no Peru, quase conseguiu quebrar esse
entrave, mas devido ao esfacelamento do governo anterior, não houve como
continuar com essa importação (lobbies
da cafeicultura barraram o assunto). Os opositores das importações argumentam que há
suficiente disponibilidade do produto, mesmo considerando a espantosa quebra de
safra de conilon do norte do Espírito Santo. Dizem-no com razão, pois em anos
de safra considerada “normal”, o fluxo de café para mercado interno
(torrefadoras e solubilizadoras) e externo (exportação e solubilizadoras)
demanda o esvaziamento mensal de 20 a 22 armazéns de 200 mil sacas! Realmente
precisa haver café, e muito café, para garantir tão portentoso fluxo. Aqueles
que apregoam a existência de estoques deveriam parar com achismos e se dar
conta de que, mesmo tendo estoques o fluxo de produto, é de tal magnitude que
mesmo uma pequena restrição afeta o suprimento, ainda que apenas no curto
prazo. Alguns cafeicultores se queixam da falta de
planejamento do segmento, o que provoca o aparecimento de crises, numa hora
beneficiando os industriais e exportadores, e em outras (mais raramente) os
produtores. Em safras passadas, o governo federal lançou mão dos contratos de
opções públicas para aquisição de café. A política foi bem-sucedida por ter
entesourado a fazenda pública e fornecido lotes atuais para a realização de
leilões, arrefecendo, minimamente, a escassez de oferta. Não internalizar definitivamente essa ferramenta no
escopo da política cafeeira consiste em miopia dos gestores, pois, uma vez
implantada, permitiria a superação da política de preços mínimos para o produto
tão demandada pelo segmento, e daria cores de política de mercado para o
planejamento. Outro erro comum dos que lutam contra as importações
consiste na crença de que, uma vez liberadas, concederiam vantagens
competitivas para a grande indústria de capital internacional frente às
pequenas e médias nacionais e familiares. O processo de consolidação do
segmento sempre existiu e ganhou maior impulso a partir da corrente década e
deverá continuar com ou sem importações liberadas. Tal fenômeno pertence à
dinâmica do capital aplicado em qualquer segmento em que, por meio dos ganhos
de escala, potencializa suas margens2. Ademais, no maior país
produtor e exportador e segundo maior consumidor, carece-se de empresas
verdadeiramente grandes capazes de participar do cenário internacional,
barganhando com os grandes conglomerados do varejo. A consolidação do segmento, tampouco, poderia
inverter a trajetória da qualidade que se imprime ao mercado desde meados dos
anos 1990. No expressivo contexto dos espressos, das cápsulas e dos cafés
certificados, tal retorno é algo muito improvável, mesmo porque nos chamados
cafés de combate inexiste praticamente margem para o fornecedor, enquanto nos
produtos considerados especiais e gourmet,
a margem ronda os dois dígitos. Ninguém dá tiro no pé! A impossibilidade de constituir blends com produto importado é reconhecido componente que impediu o
Brasil de se credenciar como plataforma global para negócios em café. Inúmeras
plantas fundadas em países concorrentes trocaram o Brasil por outros
territórios (México, Vietnã, Indonésia, Índia e China), onde existem regras
para as importações. O mais angustiante, como bem lembrou recentemente outro
analista desse mercado3, se no país não se põe em prática o drawback, em outro que o adota será
feito o produto e essa substituição do Brasil conduz ao naufrágio qualquer
esforço doméstico de avanço na cadeia de valor com geração de renda e empregos,
algo sempre destacado/invejado nas comparações entre Pindorama e Alemanha,
sendo que o primeiro inclusive entrega parcelas crescentes de seu mercado para
produto processado com origem na União Europeia4. No panorama da cafeicultura mundial, o Brasil
desponta enquanto líder inconteste. Marcos regulatórios de diversas naturezas,
que parametrizam a cafeicultura no país, encontram-se à frente inclusive de
países de maior grau de desenvolvimento, como por exemplo, o nosso Código
Florestal. A reinvindicação de compliance
(seguimento a regras de conformidade similares às nacionais) para impedir a
entrada de novas pragas e doenças inexistentes no país, e evitar que prática de
dumping no mercado interno decorrente
da adoção de modalidades de trabalho sub-humanas, são enfaticamente aventadas.
Assim, os cafés certificados por empresas de reconhecimento internacional (UTZ,
Rain Forest, 4C) teriam mais facilidade em acessar ao mercado brasileiro,
trazendo consigo preços mais elevados decorrentes da acreditação concedida
pelos respectivos selos. Alternativamente, caso não seja possível emitir compliance no país de origem do produto,
poder-se-ia insti-tuir tarifa adicional, visando equalizar o nacional ao preço
do produto devido às exigências legais aqui vigentes. Os cafeicultores brasileiros, aparentemente,
desconhecem a informação de que o país é fornecedor de produto para nossos
concorrentes no mercado internacional. Em 2015, por exemplo, México, Indonésia,
Índia, Vietnã e Colômbia importaram 844 mil sacas de café brasileiro5,
representando 51% do total dos embarques para países produtores.
Paradoxalmente, as “lideranças” não enxergam problemas em comercializar com
concorrentes; porém, importar deles consiste em algo impensável. O propalado conceito de agronegócio talvez (ou
certamente?) não possa ser efetivamente aplicado à cadeia produtiva do café. A
ausência quase que completa da celebração de contratos em âmbito das transações
é um dos fatores que colocam o segmento à mercê de políticas pusilânimes. A
agroindústria de T&M e de solubilização precisam constituir melhor
governança e coordenação nessa cadeia, abandonando a organização do suprimento
pautada pelo mercado spot de preços
diários, para outro em que produtores e industriais assumam compromissos de
longo prazo com delineamento contratual dos direitos e deveres das partes
envolvidas em termos de preços, quantidades e qualidade da bebida. Não se pode eximir de culpabilidade pelo imbróglio
das importações os próprios cafeicultores e seus líderes, pois, ao aferrarem-se
em posicionamentos claramente especulativos, ou seja, promover retenção do
produto sob cenário de escassez, contribuem para esgarçamento dos elos que
constituem a cadeia e, com isso, o sistema como um todo se fragiliza,
arruinando a credibilidade entre as partes. O paralelo com a lavoura de cacau pode ser valioso.
O Brasil importa amêndoas de países africanos e asiáticos desde que as lavouras
do sul da Bahia foram dizimadas pela vassoura de bruxa, sem que compliances fossem exigidas para
ingresso do produto no país. Atualmente, tendo sido encontrada genética e forma
de manejo capazes de convívio com a doença, o Brasil vem reconquistando posição
de destaque na produção cacaueira e em breve pode até retornar como exportador
dessa commodity, consolidando o Pará como
território líder na produção (ressurgimento da lavoura em patamares superiores
de tecnologia e produtividade). Portanto, importações podem ser benéficas para
o segmento considerando prazos mais elásticos. Debatedores prós e contras, confinados ao campo da
retórica, tendem a permanecer no impasse. Governo pusilânime assiste ao
esgrimir de argumentos sem se pronunciar ou, quando o faz, de forma pouco
assertiva (análises estão sendo feitas, etc.). Para desembaraçar o novelo,
requer-se quantificação econômica da empreitada, coisa para a qual apenas os
especialistas em comércio exterior estão efetivamente gabaritados6.
Verdadeira sopa de siglas se perfila quando se trata de conduzir uma
importação: Terminal Handling Charge (THA); Bill of Landing (BL - taxa de
conhecimento do embarque); International Ship and Port Facility Security (ISPS);
Drop Off Fee (taxa de devolução por contêiner); Inicial Licence Fee (ILF – taxa
de registro por contêiner); e Damage Protection Plan. Ademais, a esse coletivo
de emolumentos se somam os conhecidíssimos PIS, COFINS, IPI, ICMS, Adicio- Valendo-se dos parâmetros observados em 22/02/2017,
uma saca de café robusta embarcado FOB em Ho Chi Minh/Vietnã custaria, depois
de computados todos os custos de aquisição, logística e desembaraço da
mercadoria, entre R$645,12/sc. para mercado interno e R$473,65/sc. em operação
de drawback com quarentena.
Importante ressaltar que o custo FOB porto Ho Chi Minh alcançaria R$403,00/sc.
(R$128.960,00/320 sc.), ou seja, acréscimo de R$70,65/sc. de custos da operação7
(Tabela 1). Comparativamente aos preços atualmente praticados no
mercado físico para o produto capixaba, em 22/02/2017, o conilon tipo 8 na
praça de Vitória, Estado do Espírito Santo, foi cotado a R$411,00/sc. (até 13%
de unidade para processamento industrial)8, sendo, portanto,
expressiva a diferença frente ao custo do produto importado em operação drawback com quarentena (de R$56,40/sc.). O critério adotado para a autorização das
importações (antes de sua suspensão) previa quantidade de 250 mil sacas por
quatro meses, totalizando 1 milhão de sacas. Aplicar-se-ia imposto de importação
de 2% e sobre qualquer volume excedente em 35%. Como se pode constatar, a
autoridade comercial foi bastante cautelosa na concessão da medida, pois
perante uma safra de 50 milhões de sacas, o produto importado representaria
apenas 2% da quantidade colhida, sem hipótese, portanto, de causar qualquer
tipo de prejuízo aos cafeicultores e trabalhadores dessa cadeia produtiva. Como mencionado, o debate em torno da importação de
café pelo Brasil manteve- -se no campo da retórica (inclusive por este analista
que o artigo assina). A quantificação da operação como a esboçada no texto parametriza
economicamente o assunto, permitindo aos agentes econômicos formularem a
estratégia mais adequada para suas necessidades. Outras origens e tipo
(arábica) demandam idêntica simulação; tal desdobramento, porém, fica a cargo
daqueles que ainda se interessam pela pauta. ____________________________________________________________________________________ 1O autor agradece o trabalho de sistematização
do banco de dados econômicos conduzido pelo Agente de Apoio à Pesquisa
Científica e Tecnológica do IEA, o analista de sistemas Paulo Sérgio Caldeira
Franco. 2Em 2000, o Brasil
possuía oito plantas de solubilização. Até recentemente, havia apenas cinco,
sendo que uma delas foi reativada pelo espírito arrojado de um cafeicultor,
contemplando agora seis unidades. Como se pode observar, o fechamento/retomada
de plantas ocorre independente da entrada ou não de café do exterior. 3VARELLA, B. M.
Importar ou não importar? eis a polêmica. Cafépoint.
Disponível em: <http://www.cafepoint. 4VEGRO, C. L. R.
Importações de café verde: a mais determinante das políticas para o café. Peabrius. Disponível em:
<http://www.redepeabirus.com.br/redes/form/post?topico_id=65064>. Acesso em: fev. 2017. 5Informações
estatísticas fornecidas pelo responsável pela TI do CECAFE, Eduardo Heron dos
Santos. 6Os dados foram
gentilmente compilados por Nelson Pereira de Souza Junior, economista e
analista de comércio exterior da Café Três Marias (e-mail: nelson@cafetresmarias.com.br). 7Em 15/12/2016, o
preço recebido pelo cafeicultor vietnamita foi de R$585,80/sc. GIÁ cà phê n?i d?a nhích cao d?n, g?n ch?m 43.500 d?ng/kg. Giacaphe, Vietnã, dez. 2016. Disponível
em: <http://giacaphe. 8CENTRO
DO COMÉRCIO DE CAFÉ DE VITÓRIA - CCCV. Banco
de dados.
Vitória: CCCV. Disponível em: <http://www.cccv.org.br/>. Acesso em: fev. 2017.
Segundo testemunho de importante liderança capixaba, os estoques de conilon
encontram-se no mesmo patamar dos de arábica, ou seja, não há risco de
desabastecimento. O mercado vai se aproveitar dessa informação para deprimir
preços. Curioso que os defensores das importações atuam no sentido contrário
(importações sinalizam colapso de oferta e alavancagem nas cotações). Caso
houvesse apenas um mínimo de razoabilidade na declaração da liderança, haveria nos
embarques volumes significativos de produto exportado, o que absolutamente não
é o caso. Não há teoria econômica capaz de explicar esse desacordo. Palavras-chave: mercado café,
custo de importação, abertura comercial.
nal ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMN), Adicional de
Indenização do Trabalhador Portuário Avulso (AITP) e quarentenário.
com.br/blogs/conjuntura-de-mercado/importar-ou-nao-importar-eis-a-polemica-103151n.aspx>.
Acesso em: fev. 2017.
com/50864/15-12-2016-gia-ca-phe-noi-dia-nhich-cao-dan-gan-cham-43500-dong-kg/>.
Acesso em: fev. 2017.
Data de Publicação: 24/02/2017
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor