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(Des)acordo de Paris: os velhos “novos rumos” das negociações do Clima?
Em dezembro de 2015, os países signatários da Convenção
sobre Mudanças Climáticas reuniram-se em Paris (COP 21) para elaborar um novo
tratado internacional, em
substituição ao Protocolo de Kyoto1, visando frear o
aquecimento global em até 1,5oC. O Acordo de Paris, como ficou conhecido o novo pacto
sobre o clima com fins de mitigar
as emissões de gases de efeito estufa (GEE), começará a vigorar em 2020 e conta com os esforços de
todos os signatários da
Convenção em prol dessa meta. Ou seja, diferentemente do Protocolo de Kyoto, cujo volume de mitigação
fora fixado por um percentual obrigatório e restrito aos países desenvolvidos,
o Acordo de Paris expande-se a todos, independentemente do estágio de
desenvolvimento socioeconômico em que se encontrem (desenvolvidos, em transição
ou subdesenvolvidos). Assim, através do Acordo de Paris, adiciona-se e
oficializa-se a contribuição dos principais países poluidores na luta para
frear o aquecimento do planeta, tais como os BRICS2, que não tinham
obrigatoriedade de reduzir os gases de efeito estufa, e os Estados Unidos, que
não eram signatários do Protocolo de Kyoto. Esse aspecto do Acordo de Paris é
importante pois traz à causa mais seriedade e comprometimento por parte desses
países cujas metas eram voluntárias, e principalmente porque Brasil, Rússia,
Índia, China (BRIC) e Estados Unidos, juntos, responderam por 49% das emissões
mundiais de gases de efeito estufa (Figura 1), em 2012, ano inicialmente
previsto para o término do Protocolo de Kyoto. Outra importância do Acordo de Paris é
que ele reconhece essas
variações e permite a cada signatário escolher a forma (como), o
volume (quanto) e o setor econômico que devem ser priorizados em seus programas
nacionais, visando contribuir para a frear ou reduzir o aquecimento global. Com exceção do
Brasil e da Indonésia, cujos desmatamentos respondem pela maior parcela de
emissão de GEE nessas nações, o setor energético é o principal fator do
aquecimento global na grande maioria dos países (Figura 2). No entanto, o
segundo posto no ranking de setores econômicos
que mais liberam GEE varia entre os signatários. Figura 1 - Principais Países Emissores
de Gases de Efeito Estufa, 2012. Apesar da
importância do Acordo de Paris, a questão que se coloca é: ele também tende à
frustração, tal qual seu predecessor? Às vésperas da Convenção
Quadro sobre Mudanças Climáticas (CQMC), diversos acontecimentos puseram em
cheque a credibilidade no pacto internacional. Uma das principais foi a
incerteza quanto à gestão de Donald Trump para lidar com as intenções de
contribuições assumidas pelos Estados Unidos. A omissão desse país repete a
atitude já tomada no Protocolo de Kyoto, e prejudica consideravelmente os
esforços mundiais na luta contra o aquecimento global, principalmente quando se
constata que as metas apresentadas em Paris estão defasadas. Segundo o Gap
Report, do Programa3 das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),
mesmo que todas as metas apresentadas pelos países, em Paris, sejam cumpridas,
o aquecimento neste século tende a alcançar entre 2,9oC e 3,4oC.
Também, o Observatório do Clima (2016)4 atenta que para limitar o aquecimento
global em até 1,5oC, única temperatura que possibilitaria a
preservação das pequenas nações insulares ameaçadas pelo aumento do nível do
mar, seria preciso aumentar o corte das emissões em mais 15 bilhões de
toneladas CO2eq, ou seja, volume equivalente à liberação de gases
por parte de uma China e dois “Brasis”. Matuesen (2016)5, observando o Relatório Anual de Economia de
Baixo Carbono da consultoria Pricewaterhouse Coopers, destacou que as emissões
mundiais por unidade do PIB caíram 2,8% entre 2015 e 2016. Contudo, mesmo com
esse percentual acima da queda ocorrida no período 2000-2014 (1,3%), ele está
bem inferior aos 6,5% exigidos para manter o aquecimento global abaixo de 2ºC. Também no Brasil, a queda no PIB não contribuiu para
reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Segundo o Sistema de Estimativa
de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG, 2016)6, apesar da
redução de 3,8% do PIB, as emissões elevaram 3,5% em 2015, quando comparadas
com 2014, devido, principalmente, à retomada dos desmatamentos na Amazônia, o
qual contribuiu para o aumento de 11,3% nas emissões provenientes do escopo
“Mudança de Uso do Solo”. Como se sabe, existe uma relação direta entre o consumo
de energia para prover as atividades econômicas e a liberação de gases de
efeito estufa. Mas a mitigação das emissões não depende exclusivamente de um
menor consumo de energia em si, mas sim da origem dessa energia para movimentar
a Economia. Ou seja, a redução desses poluentes globais implica em uma maior
utilização da bioenergia (energia renovável) em detrimento das fontes derivadas
do petróleo. Portanto, brecar a redução de gases de efeito estufa depende fundamentalmente de investimentos em
tecnologias e infraestruturas “verdes”, ou seja, poupadoras de energia de
origem fóssil. Nesse sentido,
outro aspecto que inibe o sucesso do Acordo de Paris foram os resultados das
negociações climáticas ocorridas em Marrakech, durante a 22a
Convenção do Clima (COP-22), no que concerne aos financiamentos para tais
investimentos. Enfatizou- -se a importância de se expandir o apoio dos países
desenvolvidos para os “em desenvolvimento” para lidar particularmente com
adaptação às mudanças climáticas, bem como que os países desenvolvidos deveriam
ampliar o montante de financiamento, que fora acordado em US$100 bilhões até
20207. Mas a regulamentação dos mecanismos de financiamentos, ou
seja, os meios de obtenção dos recursos e a forma de agilizar a transferência
dos mesmos para os países menos desenvolvidos, não foi ainda estabelecida. A
expectativa é de que as regras do Acordo de Paris sejam findadas até 2018. Mas,
enquanto os signatários do pós-Kyoto (ou Acordo de Paris) decidam postergar
procedimentos fundamentais para mitigar os gases de efeito estufa, membros dos
países aderentes ao Protocolo de Montreal8 reuniram-se em Kigali
(Ruanda) para elaborar uma emenda não atrelada à preservação da camada de
ozônio da atmosfera, foco desse acordo internacional, mas de grande impacto na
camada de gases de efeito estufa: a emenda de Kigali. A emenda de Kigali
tem como objetivo eliminar, de forma gradual, os hidrofluorcarbonetos (HFCs) que
foram desenvolvidos para substituir substâncias nocivas à camada de ozônio da
Terra: CFCs e HCFCs. Tais gases são utilizados nos setores de ar condicionado,
refrigeração e alguns produtos de aerossol. Embora o HFC não prejudique a
camada de ozônio, ele tem um poder de aquecimento muito alto e contribui para a
concentração dos gases de efeito estufa. Segundo o
Secretário-Geral da ONU9, a eliminação gradual mundial de HFCs
poderá evitar até 0,5ºC de aquecimento global até o final do século,
proporcionando um grande impulso aos esforços para manter o aumento da
temperatura global abaixo de 2ºC. Mais especificamente com
a suspensão do uso desses gases, estima-se que serão evitadas 70 bilhões de
toneladas de dióxido de carbono na atmosfera10. __________________________________________ 1Criado na Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas
realizada em Kyoto, Japão, em 1997. Começou a vigorar em 2005. 2A sigla incorpora cinco países (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul), considerados como mercado emergentes. Todos têm índices
de crescimento econômico similares além de ocuparem 25% da área terrestre do
planeta e abrigarem 40% da população mundial. 3CO2 ESTABILIZA,
mas conta do clima cresce. Observatório
do Clima, nov. 2016. Disponível em: <http://www.observatoriodoclima.eco.br/co2-estabiliza-mas-conta-do-clima-cresce/>.
Aceso em: nov. 2016. 7GERHOLDT, R. Statement: At COP22 in Marrakech, climate negotiators
agree to roadmap to 2018. Washington: WRI, 2016.
Disponível em: <http://www.wri.org/news/2016/11/statement-cop22-marrakech-climate-negotiators-agree-roadmap-2018>. Acesso em: 22 nov. 2016. 8O ozônio (O3) é
um dos gases que compõe a atmosfera e concentra-se entre 20 km e 35 km de
altitude, em uma região denominada camada
de ozônio, cuja função consiste na filtragem da radiação solar
ultravioleta do tipo B (UV-B), a qual é nociva aos seres vivos. MINISTÉRIO DO MEIO
AMBIENTE - MMA. Proteção da camada de
ozônio. Brasília: MMA. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/clima/protecao-da-camada-de-ozonio>. Acesso em:
nov. 2016. 9MENSAGEM do
Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, sobre a emenda ao Protocolo de Montreal
para combater o aquecimento do planeta. Brasília: Protocolo de Montreal.
Disponível em:
<http://www.protocolodemontreal.org.br/eficiente/sites/protocolodemontreal.org.br/pt-br/site.php?secao=noticias&pub=378>.
Acesso em: 1 nov. 2016. 10BRASIL terá até
2045 para cumprir com a meta de redução dos HFCs, de acordo com decisão das
Partes do Protocolo de Montreal em reunião em Ruanda. Brasília: Protocolo de
Montreal. Disponível em:
<http://www.protocolodemontreal.org.br/eficiente/sites/protocolodemontreal.org.br/pt-br/site.php?secao=noticias&pub=380>.
Acesso em: nov. 2016. Palavras-chave: mudanças
climáticas, aquecimento global, COP-22, Acordo de Paris.4Op. cit. nota 3.
5MATHIESEN, K. Intensidade de CO2 tem queda
recorde. Observatório do Clima, nov. 2016. Disponível em:
<http://www.observatoriodoclima.eco.br/intensidade-de-co2-tem-queda-recorde/>.
Acesso em: nov. 2016.
6SISTEMA DE ESTIMATIVA DE EMISSÕES DE GASES DE EFEITO
ESTUFA - SEEG. Banco de dados. Disponível em: <http://seeg.eco.br/>.
Acesso em: nov. 2016.
Data de Publicação: 06/01/2017
Autor(es):
Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Priscilla Rocha Silva Fagundes (prsfagundes@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Maximiliano Miura (maximiliano.miura@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor