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Apanhados pela Secular Tendência
Prover alimentos em
quantidade e qualidade adequadas para a humanidade consiste em desafio do
porvir que se apresenta a civilização. Significa não apenas debelar o flagelo
da fome mas, sobretudo, pacificar as nações e os povos que sob a escassez de
haveres trilham o desastroso caminho da mútua conflagração. Nesse contexto, emerge o Brasil como o mais privilegiado dos
países capazes em atender positivamente ao chamamento mundial por mais e
melhores alimentos. Conhecido o cenário 2020 desenhado pela FAO/ONU que reserva
para a agricultura brasileira incremento de 40% da produção de grãos, fibras,
bebidas e energia1, sem dúvida trata-se de oportunidade ímpar que a
história nos concede. Ademais, tal exigência não arrefece nas décadas
vindouras, mas, ao contrário, o ritmo de aumento da produção precisará se
intensificar, pois a demografia, notadamente pelo crescimento da asiática e da
africana, aponta para uma população mundial de 9,5 bilhões em 2050! Amparado por tecnologias desenvolvidas e adaptadas para o
cultivo nos trópicos, o Brasil eleva, por consecutivas safras, a produtividade
física de suas lavouras e criações, suplantando riscos intrínsecos a particular
natureza da atividade. O êxito dessa performance
concretizou-se sem que se ampliassem, relativamente, emissões de gases efeito
estufa e desmatamentos, alçando patamares superiores à sustentabilidade de suas
explorações agropecuárias, ou seja, uma produção que supera o passado de
queimadas e que, atualmente, pouco contribui para a já irreversível mudança
climática. O desafio de produzir mais agroalimentos contrasta com o
anêmico estágio do desenvolvimento econômico global em que o investimento mal
empata com a depreciação. O momento estacionário da economia resulta, em parte,
do declínio do comércio internacional que não vem resistindo à imposição de
crescentes barreiras protecionistas e incentivos de conteúdo local aos intercâmbios
de mercadorias e serviços entre as nações. Exemplificando, no primeiro
trimestre de 2016, constatou-se contração de 1,1% no comércio internacional2.
Sob cheque encontra-se a globalização. Tratativas entre blocos econômicos
(MERCOSUL x UE), acordos bilaterais e constituição de espaços privilegiados de
comércio (TTP, TTIP) foram, aparentemente, relegados ou apresentam profundas
fissuras3. O multilateralismo definha, flertando o mundo com o
isolacionismo4. A hipótese de que o ambiente de negócios de commodities agrícolas será muito menos
afetado pelo ciclo econômico atual do que as metálicas, mostra-se aparentemente
verdadeira. A frenética evolução da infraestrutura chinesa, atingindo sua quase
completude, fez declinar a demanda por minérios e, consequentemente, suas
cotações internacionais que, em um primeiro momento, pelo fenômeno da
relatividade entre os preços, fez-se acompanhar das softs. Entretanto, já há indícios que as agrícolas poderão ter
incrementos de cotações, ainda que em níveis inferiores aos experimentados no
começo da atual década. Dos anos 1990 para cá, a dinâmica econômica passou a pender
para o eixo asiático. O êxito do desenvolvimento japonês e, posteriormente,
coreano, fez-se acompanhar na atualidade pelo chinês, indiano e indonésio.
Pautando-se pelo modelo de forte investimento educacional, atração para seu
território de empresas transnacionais com implantação de parques montadores de
seus produtos e drive exportador,
esses países conseguiram saltos monumentais em termos de crescimento econômico.
Todavia, as atuais restrições ao comércio (protecionismo) têm obrigado essas
nações a redirecionar a estratégia de desenvolvimento. Fortalecer o mercado
interno tornou-se o discurso majoritário da guinada no modelo de desenvolvimento. Voltar-se para dentro no esforço de desenvolver o consumo
daqueles itens que estavam, até então, destinados às exportações e,
consequentemente, ao mercado de massas, exige pré-requisitos. No caso
brasileiro, em que o modelo autárquico que privilegiava o mercado interno
funcionou bastante bem entre 1930 e 1980, houve enorme dependência da oferta de
alimentos baratos, desonerando os assalariados e a classe média de pesados
custos com a manutenção de sua subsistência (alimentação e vestimenta),
liberando capacidade de compra para bens da indústria nascente5.
Similarmente, deverá ser também esse o caminho a ser trilhado pelos asiáticos,
ou seja, fortalecimento de mercado interno alicerçado em alimentos baratos. Devido aos expressivos ganhos de produtividade na
agropecuária, reflexo do avanço da tecnologia agronômica aplicada nos cultivos
e criações, desde o início do século passado, persiste tendência de queda
secular dos preços médios reais das commodities
agrícolas. Na atualidade, a expansão pela demanda por proteínas animais
arrefeceu essa tendência, haja vista a trajetória dos preços da carne de frango
nos últimos 50 anos, particularmente, no Brasil (Figura 1). A produção agropecuária brasileira deverá trilhar caminho de
expansão dos índices de produtividade na pecuária bovina assim como ocorreu nos
grãos e fibras (favorecidos pela tecnologia de plantio direto). Atualmente, o
sistema de manejo denominado integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é
especialmente talhado para promover esse salto, não apenas na produção de carne
e leite, mas em grãos e fibras (como dizem os agricultores: fazer três safras
numa só!). Por essa perspectiva, aparentemente, o Brasil poderá responder
positivamente ao apelo internacional por mais alimentos. Entretanto, por ironia da história, justamente quando estão
preparadas todas as condições para o Brasil assumir seu protagonismo em
alimentos para o mundo, sem alternativas entre as nações que possa
substituí-lo, os países do eixo asiático modificam seu modelo de
desenvolvimento orientando-se para o mercado interno com pressuposto
inescapável de alimento barato. Mais alimentos terão que ser necessariamente produzidos. O
pêndulo move-se no sentido preponderante das proteínas animais que pressionam
as áreas de lavoura que são os suprimentos fundamentais das rações6.
O dilema consiste então entre o promissor cenário para as quantidades, porém
não para preços. Essa divergência exigirá dos agentes econômicos e das
políticas públicas competências tecno-produtivas e comerciais ainda por
descobrir. Tecnologia, empreendedorismo, rastreabilidade, sustentabilidade e
confiabilidade das empresas exportadoras em escoar internacionalmente os
excedentes produzidos são capacidades já internalizadas. Após todo esse esforço,
contabilizar vantagem financeira não se assegura quer pelos riscos e incertezas
intrínsecos a qualquer tipo de negócio, quer pelo que poderão efetivamente
pagar os ávidos clientes do Brasil. Haverá preço suficiente para prover esse
empenho produtivo de viabilidade econômica às explorações e à cadeia de
negócios que em torno da produção se articula? Realizar o monumental esforço em prover alimentos baratos
para sua população foi mérito dos agricultores e pecuaristas brasileiros nos
últimos 40 anos, apoiados que foram pelas instituições públicas de pesquisa e
extensão rural. Essa empreita produziu seus ônus como endividamentos crônicos e
necessidade de resgates periódicos (anistias e securitizações). A missão que o
mundo delega ao Brasil e a seus produtores rurais e empresários agroindustriais
pode repetir esse ciclo. É disso que se precisa? É isso que se quer? Nem síndrome de vira-latas, tampouco ufanismo desbragado.
Cautela é a palavra-chave. Antever esse
cenário torna-se crucial, pois caso ele se confirme e as perdas econômicas
sejam de vulto, mais uma vez a sociedade será chamada para socializar os prejuízos
dos agentes que ao chamamento da FAO embarcaram sem o devido cálculo
econômico que se chama lucratividade. _____________________________________ 1A projeção foi
elaborada em 2012. Mais recentemente, efetuou-se revisão na estimativa inicial. 2MOREIRA, A.
Brasil é o país com maior aumento das exportações no ano. Valor Econômico, São Paulo, 28 set. 2016. 3Figuram o Brexit
e a atual campanha eleitoral presidencial estadunidense, como balizadores na
construção dessa narrativa. 4TROYJO, M. O
redesenho do mundo. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 31 jul. 2016. Caderno Ilustríssima, p. 4-5. 5Em meados dos
anos 1970, as famílias de média/baixa renda dispendiam aproximadamente 50% de
seu orçamento com aquisição de alimentos, 30% dos quais provinham do exterior.
Atualmente, para essa mesma faixa de rendimento, o dispêndio situa-se abaixo
dos 20% do orçamento mensal, apresentando o país, em contrapartida, saldo
comercial anual do agronegócio acima dos US$100bilhões. 6O mundo produz
cerca de 2 bilhões de toneladas de grãos ao ano, quantidade suficiente para
alimentar 10 bilhões de humanos caso fossem todos vegetarianos. Todavia, como a
dieta de maior parte da população é onívora, a totalidade da produção é
insuficiente para atender à demanda. GLEISER, M. Cuide bem de casa. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 out.
2016. Caderno Ilustríssima, p. 6. Palavras-chave: mercado de commodities agrícolas, exportações
agrícolas brasileiras, tendência de preços.
Data de Publicação: 29/11/2016
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor