Sobre a Nova Instrução Normativa n. 7 para a Qualidade do Leite

 

 

Em 1 de julho de 2016, deveriam entrar em vigor os novos limites para Contagem de Células Somáticas (CCS) e Contagem Bacteriana Total (CBT) do leite, segundo a Instrução Normativa (IN) n. 62, de 2011, do Ministério de Agricultura e Abastecimento (MAPA). No entanto, em 3 de maio de 2016, o MAPA publicou nova IN, a número 7, que altera a IN n. 62/2011, estendendo os prazos estipulados por mais dois anos. Com isso, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste deverão se adequar às normas até 2018, e as regiões Norte e Nordeste em 2019.

A nova IN modificou os limites básicos da CCS e da CBT, que caíram para 100 mil cls/ml e 400 mil UFC/ml, respectivamente (Tabela 1). As metas previstas pela IN n. 51, de 2002, e depois pela IN n. 62, de 2011, não foram alcançadas.

 

 

A CCS alta é indicativa de processos infecciosos na glândula mamária (mastite) e está relacionada a uma questão sanitária. Segundo Fonseca e Veiga (2000), a CCS de animais sadios normalmente é inferior a 300 mil cel/ml. Acima disso, indica condição anormal do úbere1.

A CBT é relacionada às questões de higiene na ordenha, na conservação e no transporte do leite.

A avaliação do leite pela CCS e CBT objetiva impedir que chegue ao consumidor um alimento contaminado e impróprio para o consumo. A primeira é uma questão sanitária e a segunda uma questão de higiene, mas ambas estão relacionadas e interferem na qualidade do leite.

Conforme observado por Pithan-Silva, em 2011, a ideia da implementação da IN n. 51/2002, tinha como principal objetivo a melhoria da qualidade do produto no Brasil2. No entanto, a normativa foi publicada sem considerar a condição do produtor e a opinião de todos os interessados.

O objetivo era que a IN n. 51 tivesse força de lei. Havia a expectativa de melhorar a qualidade da produção brasileira, de atingir um padrão de qualidade internacional, de que fosse implantado um pagamento diferenciado por esse predicativo e de que a composição do leite fosse mais valorizada, com mudanças no tipo de negociação entre produtor e indústria3. Passados os primeiros nove anos da IN n. 51, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que eram as primeiras do cronograma, não haviam alcançado as metas, e estimava-se que 70% dos produtores de leite do país estavam em desacordo com as regras4.

A Clínica do Leite, da Escola Superior de Agronomia Luiz Antônio de Queiroz (ESALQ/USP), faz parte da Rede Brasileira de Qualidade do Leite (RBQL), como um dos laboratórios credenciados pelo MAPA, para elaborar análises da qualidade do leite. Atende, em 2016, 446 indústrias dos Estados de Minas Gerais (46%), São Paulo (42%), Paraná (3%), Goiânia (2%) e outros (7%)5

Segundo seus dados, as análises feitas evoluíram, de 2005 a 2015, de 17.275 para 44.703 produtores com maior concentração de produtores com produção entre 50 a 200 litros por dia (59%).

Ainda segundo informações da Clínica, em 2015, suas análises mostravam que 49% dos produtores atendiam ao limite da CCS de 400 mil cel/ml, previsto na IN n. 62, enquanto 51% estavam acima desse limite. Já para a CBT, o atendimento ao limite de 100 mil UFC/ml era de 43% para o produto em conformidade e 57% para o não conforme6.

Pela média geométrica feita pela Clínica para avaliar a distribuição da CCS de 11 mil produtores, em 2011, 45% dos produtores estavam com CCS de acima de 400 mil cel/ml. No ano de 2015, esse percentual passou para 51%, ou seja, a situação não melhorou. O maior aumento foi nos produtores com CCS acima de 600 mil cel/ml, o que mostra que em cinco anos houve uma piora de 6% na qualidade do leite e que há um número significativo de produtores vendendo um leite fora da norma7.

Na faixa entre 200 a 400 mil cel/ml, também se observou alteração. Em 2011, 40% dos produtores conseguiam um leite dentro dessa faixa, mas em 2015, esse número caiu para 35%, depois de até ter alcançado 43% em 2012. Em 2016, nos três primeiros meses do ano, a média geométrica da CCS foi de 540 mil cel/ml, observando-se queda de janeiro a março8. Apenas uma faixa de 14% tem leite com média geométrica de 200 cel/ml9.

Confirmando essa situação de piora, outra informação pertinente da Clínica do Leite mostrou que houve forte tendência de aumento da CCS nos últimos três anos (2013 a 2015), havendo um aumento de 50 mil cel/ml nesse período10.

Ainda segundo dados da Clínica do Leite, nos últimos dez anos, no geral, a situação em relação à CCS e à CBT não melhorou e, especificamente nos últimos dois anos, piorou provavelmente por causa das condições adversas do clima nas principais regiões produtoras11.

Tudo isso mostra que, em 14 anos, a situação da qualidade do leite relacionada à CCS não tem avançado como esperada e o MAPA continua a reeditar INs.

Então coloca-se a questão: será que o caminho para conseguir a melhora da qualidade do leite é apenas insistir em republicar a norma, dar maiores prazos e esperar que todos se enquadrem?

Alguns fatores podem auxiliar na compreensão do porquê a situação não se resolve. Ou seja, por que as INs não vêm sendo obedecidas.

O primeiro é a falta de pagamento pela qualidade do leite por boa parte dos laticínios. Segundo as informações da Clínica do Leite, do total de indústrias analisadas, 86% não tem Programa de Valorização da Qualidade (PVQ) do leite e 73% dos produtores não o adotam12.

Normalmente, conforme informações de alguns segmentos, são os grandes laticínios que pagam pela qualidade e isso, com certeza, diminui o interesse dos produtores que entregam leite para empresas que não têm programa de qualidade, que não veem vantagens em investir, pois estes não têm informações que lhe apontem que apenas alguns investimentos lhes dariam condições de ter maior produtividade e, por conseguinte, maior lucratividade.

Outro fator é a falta de sanções para quem não tem seu leite de acordo com os limites da norma. A princípio, a ideia era divulgar a IN n. 51 e então, a partir de 2006, passar a punir. Isso não ocorreu e a perspectiva de que em dois anos a situação mude totalmente é pouco provável, principalmente porque continuam não sendo previstas sanções.

A eletrificação rural é outro fator limitante ao resfriamento do leite na propriedade, exigência das INs.

Esses pontos levam à questão: por que continuar republicando instruções normativas que não são cumpridas por grande parte dos produtores, nem nas regiões de maior produção do país (Sudeste, Sul e Centro-Oeste)?

Por que insistir em reduzir ainda mais os limites da CCS e da CBT, se nem os padrões anteriores foram alcançados e a qualidade do leite está piorando, conforme levantamento da Clínica do Leite?

Países como Estados Unidos, Alemanha, Canadá Inglaterra, Itália e Nova Zelândia têm média de CCS que variam de 187 a 295 cel/ml. O Brasil tem média de 593 cel/ml e quer chegar a 100 cel/ml. Cabe à toda cadeia produtiva estabelecer os pontos cruciais para a formulação de políticas públicas eficazes que efetivamente melhorem a qualidade do leite brasileiro.

Apesar da nova IN prever a criação de um Comissão Técnica Consultiva para o Monitoramento da Qualidade do Leite, a fim de elaborar proposta para institucionalizar um Plano Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite, da qual deverão integrar representantes da cadeia produtiva, governo e academia, vale lembrar que a IN n. 62 também havia criado essa comissão e isso não conseguiu levar a resolução dos problemas para adesão de todos os produtores à norma.

Um dos pontos necessários para sua implantação pode ser a cobrança, pela cadeia de produção, de uma estrutura de assistência técnica e extensão rural, ou seja, de uma política efetiva que repasse informações ao produtor de técnicas, muitas vezes bem simples, que poderão melhorar a qualidade do leite produzido.

Assim como a campanha contra a febre aftosa conseguiu sucesso com a união de esforços, a cadeia produtiva do leite necessita de um comprometimento real que coloque o interesse de todo setor do mesmo lado, para que juntos consigam a melhoria da qualidade do leite no país.

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1FONSECA, L. F. L.; SANTOS, M. V. Qualidade do leite e controle de mastite. São Paulo: Lemos Editorial, 2000. 175 p.

 

2PITHAN-SILVA, R. de O. Instrução normativa 51: breve reflexão sobre as consequências da implantação de uma boa ideia para o setor lácteo. Análises e Indicadores do Agronegócio, São paulo, v. 6, n. 6, jun. 2011. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-25-2011b.pdf>. Acesso em: 24 jum. 2016.

 

3SANTOS, M. Expectativa favorável não encobre desafios. Revista Balde Branco, São Paulo, ano 40, n. 489, p. 10-11, ago. 2005. Edição especial.

 

4Op. cit. nota 2.

 

5Apresentação feita na reunião da Câmara Setorial que teve como tema “Situação atual do leite”, realizada no dia 31 de maio de 2016. Reunião interna.

6Op. cit. nota 3.

 

7Op. cit. nota 5.

 

8Op. cit. nota 2.

 

9Op. cit. nota 5.

 

10 CASSOLI, L. D. Situação atual da mastite: estamos no controle? Milkpoint, São Paulo, 11 abr. 2016. Disponível em:<http://www.milkpoint.com.br/mypoint/clinicadoleite/p_situacao_atual_da_mastite_estamos_no_controle_ mastite_ccs_qualidade_leite_clincia_do_leite_wokshop_de_mastite_mda_sistema_mda_agenda_5967.

aspx>. Acesso em: 2 jun. 2016.

 

11Exposição do professor Paulo Fernando Machado, coordenador da Clínica do Leite, ESALQ/USP, sobre a prorrogação da IN n. 62 (Instrução Normativa n. 7/2016). Reunião interna da Câmara Setorial de Leite realizada no dia 31 maio 2016.

 

12Op. cit. nota 5.

 

Palavras-chave: leite, Instrução Normativa, CCS, CBT.


 

Data de Publicação: 14/07/2016

Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor