Artigos
Imperativo Pacífico
É no imperativo que os representantes das nações
declaram seus mútuos intuitos de semear relações amistosas e de estabelecer
vínculos de prosperidade. Verbos como fortalecer, construir, reconhecer, apoiar,
facilitar, promover, contribuir, afirmar e expandir constituem a cartilha dos
protocolos firmados sempre com pompa e circunstância. Sob essa pauta que se
celebrou, em novembro de 2015, o Tratado de Associação do Pacífico (Trans-Pacific
Partnership - TTP)2 reuniu 12 países com grau extremo de
heterogeneidade. Há desde economias liberais como Estados Unidos e Austrália, um
misto de liberal com bem-estar, como Canadá, até o planejamento central do
Vietnã; países continentais, novamente Estados Unidos e Austrália, e ilhas como
Brunei Darussalam (enclave muçulmano na ilha de Bornéu), Cingapura, Nova
Zelândia e Japão. Países com população majoritariamente indígena e mestiça,
como Peru e México, enquanto outros com graus de homogeneidade acentuada, como
Japão, Cingapura, Malásia e Chile. Aspectos culturais e crenças prevalecentes reforçam
as disparidades desse conjunto de países, fazendo qualquer tentativa de
aproximação projeto desmesuradamente ambicioso. Sob essa perspectiva é que os
imperativos passam a demandar um rosário de filigranas para produzir o consenso
que se exige de um tratado, notadamente, os comerciais. Foi a partir da era moderna que os interesses
comerciais se constituíram em motivação para aproximação entre nações livres do
mando colonial. Grande parte da teoria econômica iniciou-se e mantém-se na
atualidade, vinculada aos estudos dessa temática. Em geral, a perspectiva
laudatória das análises amalgamou comércio e progresso de modo siamês,
incentivando o ímpeto pela celebração de acordos entre as nações. Todavia, o
êxito nem sempre acompanha tais esforços, pois, se assim fosse, os brasileiros
estariam atualmente sob a égide da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)
ou da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). É importante que se faça
alerta, pois muitas falsas expectativas surgem quando novos pactos são
firmados, tanto pelos agentes públicos quanto pelos privados. Esse ponto de
vista não desmerece o TTP, reconhecendo tacitamente, porém, que a dinâmica dos
negócios internacionais é presentemente pautada pelas trocas que ocorrem entre
países do Pacífico, suplantando a dominância atlântica de outrora. É sob esse prisma que se deve analisar o TTP. O
documento vertido para o espanhol pela Secretaria de Economia dos Estados
Unidos Mexicanos é composto por 30 capítulos distribuídos em 831 páginas. O
maior dos capítulos delineia as cláusulas das Regras de Origem, perfazendo 197
páginas (basicamente harmoniza a codificação numérica das famílias de
produtos), seguido pelo Tratado de Acesso a Bens e Mercado, com 101 páginas. O
capítulo que versa sobre Propriedade Intelectual esboça-se por outras 73
páginas. Esses três capítulos juntos perfazem 44,64% do documento. Valendo-se
do critério de importância do assunto pelo número de páginas que contempla,
esses capítulos formam o coração do tratado. Juntos, Cooperação,
Desenvolvimento e Políticas de Competitividade e Facilitação de Negócios somam
menos de 10 páginas. Facilmente se percebe que o caráter do documento é
favorável aos países centrais mais adiantados tecnologicamente, pela ênfase na
propriedade intelectual e os anêmicos capítulos que desenham os compromissos de
cooperação e desenvolvimento. O tema do Meio Ambiente, que envolve a
sustentabilidade exigência máxima da atual etapa de evolução do ambiente de
negócios, possui apenas 21 páginas, ou seja, é meramente um apêndice dentro do
tratado. Transferência de Tecnologia, elemento fundamental para homogeneização
entre as nações, nenhuma linha. Enfim, eles lá sabem o que fazem. No primeiro capítulo, o TTP estabelece que serão
mantidos todos os acordos já firmados pelos membros com terceiros extrabloco,
assim como os tratados vigentes sob égide da Organização Mundial do Comércio
(OMC) e celebrados sob o antigo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General
Agreement on Tariffs and Trade - GATT). Tomado esse aspecto em conta, os
estados membros do TTP outorgarão tratamento fiscal nacional para os bens
originados em nação pertencente ao acordo, ou seja, nem mais nem menos
favorável, comprometendo-se ainda a não incrementar tarifas vigentes. Tendo
esses pilares como referência, estabelecem que se dará andamento à progressiva
diminuição de tarifas, conjuntamente e/ou a partir do interesse explícitos das
partes envolvidas (dois ou mais membros). Nesse mesmo capítulo, foram inseridas
as listas de exceções de cada país cujos produtos/bens terão tratamento
diferenciado. Vietnã e Malásia estabeleceram as mais longas listas de exceções,
contemplando 50 das 101 páginas do capítulo, especificando cada tipo de produto
e sua regra particular. Comparativamente, os Estados Unidos acrescentaram
apenas dois parágrafos em sua lista, sendo apenas um sobre produto (troncos de
madeira), enquanto o outro ratifica decisões anteriores, ainda da época do
GATT, relativas à sua marinha mercante. Efetuada essa narrativa sobre o tratado, caberia
apreciar seu impacto sobre o agronegócio brasileiro, particularmente, no de Cafés
do Brasil, fulcro desta análise. Tal proposição decorre da preocupação gerada
pela participação do Vietnã, Peru e México, importantes países produtores de
café arábica, robusta e agroindustriais de café solúvel, ao lado de expressivos
países consumidores como Estados Unidos, Japão e Canadá. A estimativa de
consumo publicada pela Organização Internacional do Café (OIC) registrou, em
2014, importações de 27,6 milhões de sacas por parte dos EUA, 7,66 milhões de
sacas pelo Japão, 3,89 milhões de sacas pelo Canadá e 2,74 milhões de sacas
pelo conjunto de Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Chile, totalizando, entre
não produtores, demanda de 41,89 milhões de sacas. Na safra 2015/16, segundo a
mesma fonte, o Vietnã produziu 27,5 milhões de sacas, México 3,9 milhões de
sacas e Peru 3,2 milhões de sacas, totalizando esses três países 34,6 milhões
de sacas3. Portanto, o bloco de países participa com aproximadamente
28% e 23% do consumo e produção mundiais, respectivamente. Em 2015, o agronegócio Cafés do Brasil exportou para o bloco de
países composto por Estados Unidos, Japão, Canadá, México, Austrália e Chile4,
segundo dados estatísticos do Ministério de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), 10,33 milhões de sacas de café verde (arábica e conilon),
carreando mais de R$620,04 milhões para a balança comercial do país.
Constata-se a importância desse mercado cotejando-se a expansão das transações com
2014. Para as quantidades embarcadas, o avanço contabilizado entre os seis
países listados foi de 4,81%, enquanto o crescimento para o conjunto das
exportações de café verde foi de apenas 0,93%. A comparação de valores também é
favorável às exportações para os membros do TTP, pois a queda registrada no
saldo das transações foi de -2,33% frente ao mercado total, em que o declínio
atingiu -8,04%. O
declínio das cotações das commodities
não poupou os preços do café. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional
(FMI)5, entre janeiro e dezembro de 2015 a queda das cotações somou
-21,68% e -15,64% para arábica e robusta, respectivamente. Portanto, a piora do
resultado no valor capturado pelo Brasil com as vendas café e sucedâneos foi devido
a esse fenômeno mais geral do qual as cotações do petróleo foi a principal
vítima. Nas exportações de café
solúvel, em 2015, os mercados de Estados Unidos, Japão, Canadá, Malásia e Chile
absorveram aproximadamente 920 mil sacas em equivalente verde de produto
brasileiro (ou seja 26% do total exportado), ao valor de US$144,50 milhões. Comparando
a 2014, registrou-se queda de -8,15% em quantidade e de -14,22% em valor6.
O segmento de solúvel brasileiro crê que, com a acentuada desvalorização do
real frente ao dólar, essa tendência de perda de mercado possa ser revertida.
Indício favorável a essa hipótese foi a recente retomada de solubilizadora
desativada na cidade de Varginha, Estado de Minas Gerais. Os Estados Unidos7,
individualmente, maior mercado importador de café, transacionou com
os três maiores países membros produtores da rubiácea cerca de 4,47 milhões de sacas
de café verde em 20158. Comparativamente ao ano anterior,
registrou-se queda de 21%, ou seja, o maior importador de café em âmbito global
necessitou recorrer a fontes alternativas de suprimento, entre elas o Brasil. O
declínio mais acentuado nas compras ocorreu justamente no maior produtor do
bloco, o Vietnã, que contabilizou queda de 24%, em termos de quantidade,
comparativamente, ao registrado em 2014. A retenção do produto por parte da
autoridade vietnamita e a valorização pela qual passou o dólar (sendo o dong
moeda ancorada na cotação da estadunidense) esfriou a corrente de negócios
entre os dois países (Tabela 1). Tabela 1 – Importações Globais
de Cafés e Derivados (Consumo e Reexportação), Estados Unidos, 2014 e 2015 País Quantidade (t) Var. % Valor (US$1.000) Var. % 2014 2015 2014 2015 México 62.758,6 51.287,5 -18 252.992 200.363 -21 Peru 52.363,4 46.621,4 -11 209.250 177.110 -15 Vietnã 224.423,7 170.141,0 -24 493.744 356.968 -28 Total 339.545,7 268.049,9 -21 955.986 734.441 -22 Fonte:
Elaborada pelo autor a partir de dados básicos de UNITED STATES DEPARTMENT OF
AGRICULTURE - USDA. Banco de dados.
Washington: USAD. Disponível em:
<http://apps.fas.usda.gov/gats/default.aspx>. Acesso em: 19 abr. 2016. Quedas nas importações estadunidenses, porém de
menor magnitude, foram registradas também no Peru e México, países que não
tiveram qualquer problema no drive
exportador em razão de flutuações cambiais. Ambas as nações, após um vigoroso
aumento da produção nos anos 1990, vêm registrando seguidas quedas na
quantidade colhida, permitindo-se, inclusive, reconverter o México de país
produtor para importador de tão minguadas que têm sido suas safras de café. Aparentemente, o TTP não trará grandes impactos
sobre o agronegócio dos Cafés do Brasil, ao menos no curto e médio prazo. Tal
perspectiva não isenta os agentes públicos e privados em estabelecer diretrizes
que mantenham o vigor das exportações brasileiras para os mercados consumidores
reunidos pelo tratado. O desafio consiste, portanto, na formulação de agenda
estratégica para continuar firmemente instalado nesses mercados.
Tentativamente, pode-se elencar: a) aproximar
o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), por meio de seu membro associado, o Chile,
do bloco de países do TTP, assim como já está ocorrendo com a União Europeia, e
estabelecer tratativas para um acordo comercial interblocos; b) manter
esforço vigoroso na certificação/verificação dos processos produtivos, visando atender às exigências dos
clientes/consumidores desejosos de maior sustentabilidade de suas aquisições; c) aproveitar
o movimento de concentração do capital, observado a partir das aquisições
efetuadas por torrefadoras líderes, para alçá-las ao cenário internacional do
varejo global com produtos de maior valor agregado; d) buscar
patamares mais elevados para a qualidade da bebida, com destaque crescente para
os cafés descascados e o bourbon amarelo, duas maravilhas brasileiras no
cenário da cafeicultura mundial; e) difundir
a constatação de que o conilon é melhorador da bebida obtida pelo blend que compõe a industrialização do
solúvel mundo afora; f)
favorecer as exportações diretas das
cooperativas de cafeicultores, objetivando encurtar a cadeia de intermediação e
com isso agregar competitividade ao segmento; g) valorizar
a reputação do comércio exterior brasileiro de café em termos de eficiência,
confiabilidade, qualidade e sobretudo sustentabilidade econômica, na medida em
que a transmissão de preços da bolsa de Nova York aos cafeicultores supera os
90%; h) como
maior exportador mundial de café solúvel, o Brasil deve apoiar ações que visem
fortalecer as vendas para os membros da TTP, mantendo e/ou ampliando seu
posicionamento, levando em consideração que o número de plantas solubilizadoras
no mundo ainda não é suficiente para deslocar a liderança brasileira; i)
aprimorar a legislação de comércio
internacional com intuito de desburocratizar e reduzir o custo das operações de
exportação (via rápida); e j)
melhorar a eficiência portuária e
modernizar a legislação para a navegação de cabotagem.
O TTP poderá se tornar barreira ao comércio
exportador do agronegócio Café, caso os agentes públicos e privados não
harmonizem suas estratégias (dentre as listadas e outras que emergirem a partir
desse debate iniciado), visando mitigar eventuais impactos que o novo bloco
venha causar ao vibrante comércio exportador de Cafés do Brasil. 1CAFÉPOINT. Banco de dados. Piracicaba: CaféPoint.
Disponível em: <http://www.cafepoint.com.br>. Acesso em: abr. 2016. 2SECRETARÍA DE
ECONOMÍA - SE. Capitulado completo del Tratado de Asociación Transpacífico.
Colonia Florida: SE. Disponível em:
<http://www.gob.mx/cms/uploads/attachment/file/36483/Capitulado_completo_del_Tratado_de_Asociaci_n_Transpac_fico_en_espa_ol.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2016. 3INTERNATIONAL
COFFEE ORGANIZATION - ICO. Banco de dados. London: ICO. Disponível em:
<http://www.ico.org>. Acesso em: 18 abr. 2016. 4A publicação do
MAPA engloba os demais países membros do TTP na categoria “outros”, dificultando
a mensuração correta dos valores relativos ao comércio do agronegócio Cafés do
Brasil com os 12 países membros. De qualquer modo, a totalização na categoria “outros”
inicia-se com quantidades e valores abaixo das 150 mil sacas para café verde e
500 toneladas para café solúvel, ou seja, mercados bastante residuais dentro
dos cinco maiores importadores. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E
ABASTECIMENTO - MAPA. Banco de dados.
Brasília: MAPA. Disponível em:
<http://www.agricultura.gov.br/vegetal/estatisticas>. Acesso em: 18 abr. 2016. 6Nessa totalização,
foram excluídas as exportações de café torrado e moído, e extrato de café, que
juntos somariam algo como US$19 milhões e quantidade de 3 mil toneladas
destinados aos membros do tratado. 7Devido à cobrança
pelo acesso, dados sobre Japão e Canadá não puderam, lamentavelmente, ser
agregados a essa análise. 8UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE - USDA. Banco de dados. Washington: USAD. Disponível em:
<http://apps.fas.usda.gov/gats/default.aspx>. Acesso em: 19 abr. 2016. Palavras-chave: comércio internacional,
tratados de comércio, café, exportações.
5INTERNATIONAL
MONETARY FUND - IMF. IMF primary commodity prices. Washington: IMF. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/np/res/commod/index.aspx>. Acesso em: 18
abr. 2016.
Data de Publicação: 05/05/2016
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor