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Conilon: âncora reversa
Em março de 2016, indicadores relevantes da economia
brasileira sinalizam com acentuada deterioração do cenário macroeconômico.
Projeções rotineiramente sistematizadas pelos técnicos do Banco Central do
Brasil (BACEN) para inflação e desemprego atingiam 7,28% e 9,50%,
respectivamente. Por sua vez, a queda projetada para o PIB alcançou -3,73%, patamar
esse estimado após a retração de -3,80% registrada em 2015. A última vez na
história do país em que observou retração de dois anos consecutivos foi no pós-crise
de 1929, ainda assim com percentuais inferiores ao atualmente contabilizados.
Diante dessas contingências, parâmetros como taxa de juros e cotação do dólar
futuros assumem natureza sumamente volátil, exibindo abruptas variações em
função das expectativas mais ou menos favoráveis formadas pelos agentes
econômicos quanto ao futuro próximo do país. Imaginando-se um cenário de relativo consenso, esse
certamente contemplaria queda marginal na taxa de juros básica da economia
(entre 0,25% e 0,50%), associado a pequena valorização do real frente ao dólar,
considerando o bom ritmo com que o saldo da balança comercial tem ganhado
robustez. A inflação terá um recuo significativo, mas ainda fora do teto da
meta, algo como 6,80%, diante do avanço do desemprego, erosão da renda das
famílias (queda de 4,1% no consumo das famílias) e falência de estabelecimentos
varejistas (100 mil nos últimos 12 meses)2. O impasse político que
se instaurou na jovem democracia brasileira tem provocado paralisia dos
investimentos e iniciativas de empreendedores. Com isso, a já anêmica economia
brasileira tende a buscar lugar mais fundo no buraco em que foi colocada.
Entretanto, o Brasil, continente que é, possui ilhas de excelência que ainda
injetam otimismo para o futuro do país, sendo as mais destacadas delas o
dinamismo e resultados econômicos dos agronegócios. No caso da
cafeicultura, espera-se forte recuperação da safra que, segundo estimativa do
IBGE, pode superar as 50 milhões de sacas3, com avanço substancial
da colheita do tipo arábica frente às duas safras anteriores. Diante do
encolhimento dos estoques de passagem, a farta colheita que se anuncia poderá
mitigar alavancagem das cotações, ao menos nos curto e médio prazos. A média das cotações
semanais dos negócios realizados na Bolsa de Nova York mostrou mudança no
patamar dos preços. Enquanto na primeira semana do mês a cotação para entrega
em setembro de 2016 era de US$¢122,50/lbp,
na média da quarta semana essa cotação havia
saltado para US$¢136,38/lbp, ou seja, valorização do produto no período de 11,33% (Figura 1). Tal mudança de patamar
guarda relação estreita com o movimento de valorização do real ocorrido no mês,
que somou 10,77%4. Em 2015, o
consumo mundial de café, segundo a OIC, foi de 152,1 milhões de sacas, mantendo
taxa média de 2% a.a. para o crescimento do consumo. A mesma entidade informou
que a produção não exibiu grande variação nesse ano totalizando 143,4 milhões
de sacas5. Essa disparidade entre oferta e demanda pode ser
responsável pela alavancagem das cotações, registrada pelas medias semanais
contabilizadas. Em Franca, principal cinturão
cafeeiro paulista, o preço médio diário recebido pelos cafeicultores em março
de 2016 foi de R$494,63/sc. para o café beneficiado de bebida dura6.
Considerando a cotação média para a quarta semana do mês para entrega em
setembro de 2016, efetuadas as devidas conversões e descontados o diferencial e
o frete, a sinalização de preços para o mercado interno seria da ordem de
R$520,00/sc., oferecendo margem de pouco mais 5% em uma eventual operação de hedge contratada pelo cafeicultor. Na Bolsa de Londres, as cotações do robusta em março
de 2016 assumiram mesma tendência registrada para o arábica, ou seja, mudança
de patamar das médias semanais ao longo do mês (Figura 2), indicando pressão
altista para o produto. Brasil e Vietnã têm sido diferentemente afetados pela
conjuntura cambial, pois, enquanto o asiático possui moeda indexada ao dólar e
registrou significativa baixa nas cotações para o produto, gerando forte
desestímulo para com a lavoura, no sul-americano a política de câmbio variável
conferiu grande competitividade para seus cafeicultores, promovendo elevação
substancial das cotações e das quantidades exportadas7. O incremento das
cotações do robusta em Londres pode também refletir o cenário pouco promissor
para a lavoura no Brasil pós-El Niño. O principal cinturão produtivo do país (norte
capixaba) tem passado por forte estiagem que comprometeu inclusive o manejo da
irrigação dos talhões. Uma provável escassez do produto poderá ser percebida no
médio prazo, antecipando com isso o posicionamento dos agentes de mercado. A inversão na posição dos fundos e
grandes investidores em sua demanda por contratos de café arábica promoveu a
mencionada alavancagem nas médias das cotações semanais (Tabela 1). A partir da
terceira semana, os fundos que carregavam posição vendida tornaram-se
compradores, elevando a posição líquida comprada para mais de 19 mil
contratos. Dependendo do nível de escassez de conilon com o
qual o mercado interno deverá lidar, associado pelo interesse pelo produto por
parte dos solubilizadores internacionais8, pode-se formar uma
espécie de âncora reversa, ou seja, ao invés do esperado efeito do conilon
trazer para baixo as cotações do arábica, nesse momento, seu deficit de oferta poderá manter
pressionados os preços de arábicas, especialmente os mais baixos, concedendo
assim sustentação para a formação dos preços. ____________________________________________________ 1O autor agradece
o trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido pelo Agente
de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do IEA, o analista de sistemas
Paulo Sérgio Caldeira Franco. 2Dados compilados
durante palestra apresentada pelo consultor Ivan Wedekin, no Seminário Desafios
Globais para o Agronegócio Café, realizado pela Universidade do Café do Brasil
em parceria com a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 06/04/2016. 3INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Em março, IBGE prevê safra de grãos 0,2% maior que a de 2015. Rio
de Janeiro: IBGE. Disponível em:
<http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=3135> Acesso em: 7 abr. 2016. 4BANCO CENTRAL DO
BRASIL - BCB. Banco de dados.
Brasília: BCB. Disponível em: <http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp>. Acesso em: 7 abr. 2016. 5RATTON, C.
Consumo mundial de café foi de 152,1 milhões de sacas de 60kg em 2015, segundo
relatório da Organização Nacional do Café - OIC. Consórcio Pesquisa Café, Brasília, 11 mar. 2016. Disponível em:
<http://www.consorciopesquisacafe.com.br/index.php/imprensa/noticias/681-consumo-mundial-de-cafe-foi-de-1521-milhoes-de-sacas-de-60kg-em-2015-segundo-relatorio-da-organizacao-internacional-do-cafe-oic>.
Acesso em: 8 abr. 2016. 6INSTITUTO DE
ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados.
São Paulo: IEA. Disponível em: <http://ciagri.iea.sp.gov.br/precosdiarios/precosdiariosrecebidos.aspx>. Acesso em: 7 abr. 2016. 7BUREAU DE
INTELIGÊNCIA COMPETITIVA DO CAFÉ - INCAFEBR. Relatório internacional de tendências do café. Lavras: Incafebr,
mar. 2016. Disponível em:
<http://www.icafebr.com.br/publicacao2/Relatorio%20v5%20n2.pdf>. Acesso
em: 7 abr. 2016. 8Os embarques de
conilon no primeiro trimestre de 2016 devem registrar queda de 80% frente a
igual período de 2015. Palavras-chave: mercado futuro, Bolsa de
Valores, mercado de café.
Data de Publicação: 14/04/2016
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor