O Varejo de Alimentos no Brasil Agrícola: estudo de caso no oeste paulista em 2015

Os indicadores de cotações de preços no mercado varejista brasileiro agregam dados que consideram quase exclusivamente as principais capitais dos estados da federação1. No entendimento de que desde os anos 1990 o país vive um processo de involução metropolitana – quando o crescimento econômico do interior passa a ocorrer mais aceleradamente que as metrópoles2 -, estender esses levantamentos para os polos regionais do Brasil agrícola é uma tarefa fundamental para acompanhar as transformações advindas nesses fragmentos do território nacional altamente urbanizados.

A partir desse diagnóstico, na pretensão de se legitimar a expansão oficial desse serviço público no Estado de São Paulo, propõe-se a realização de um levantamento piloto das cotações de preços de cesta de gêneros alimentícios no mercado varejista na cidade de Araçatuba (polo regional do oeste paulista)3. Com coordenação e execução compartilhadas com a Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC Araçatuba), sua formulação pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) se justificou perante o interesse da sociedade em compreender de forma mais precisa o mercado regional agropecuário e suas implicações no custo de vida da população por meio do cálculo da inflação regional (índices de preços) dos alimentos no varejo. Ademais, esse experimento também surgiu como projeto piloto a fim de gerar conhecimentos e identificar problemas para servir de base a projeto a ser desenvolvido para o estado todo (principais cidades polo), buscando responder as demandas de preços regionais referências atualmente vigentes nos programas governamentais de compra de alimentos, como o Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social (PPAIS), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

         A fim de manifestar o valor médio de uma cesta de alimentos para a população de Araçatuba, seguindo a proposta encaminhada pelo IEA na reestruturação do sistema amostral de coleta de dados no mercado varejista de alimentos na cidade de São Paulo4, e no intuito de se estimar a variabilidade dos preços dos produtos levantados, foram delimitados pela pesquisa piloto com 20 estabelecimentos comerciais na área urbana de Araçatuba (entre setembro e dezembro de 2014) quais centros varejistas (dentre mercados, padarias, varejões e açougues) entrariam na amostra de captação dos preços de 103 produtos de origem animal e vegetal5.

Representativas da maioria dos fluxos de compra e venda para cada alimento processado, foram definidas no início do projeto de pesquisa (por meio de levantamento qualitativo com os administradores dos estabelecimentos comerciais) as especificações a serem coletadas para se alcançar seu preço médio (variedade, unidade e marca). Para o conhecimento preciso do universo amostral da área de estudo, consultas foram feitas na Associação Comercial e na prefeitura municipal de Araçatuba. Após quatro meses de levantamentos experimentais e da definição dos estabelecimentos integrantes da amostra, a partir de janeiro de 2015, com o auxílio teórico-metodológico de pesquisadores da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, e sob a orientação e supervisão de professor do Centro Paula Souza, discentes da FATEC de Araçatuba iniciaram semanalmente (entre terça-feira e sábado) a realização dos levantamentos dos preços dos alimentos (Figura 1). A fiscalização in loco da qualidade dos dados levantados ficou sob a responsabilidade de Pesquisador Científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) lotado na região de Araçatuba.

Para o primeiro semestre de 2015 (intervalo analisado neste artigo técnico), com a inexistência de um sistema informatizado de cálculo amplo de ponderação baseado no Índice de Laspeyres modificado que foi proposto pelo IEA, foram apresentadas as variações médias dos preços dos produtos individualmente e agrupados nos itens: 1) carnes; 2) frutas, legumes e verduras (FLV); e 3) produtos processados. A não adaptação dos alunos à coleta informatizada em programa provisório em Excel de digitação e fechamento de preços desenvolvido pelo IEA em agosto de 2015 postergou, para 2016, tanto a consolidação ponderada dos índices acumulados, quanto a formalização dos dados levantados enquanto informações oficiais do banco de dados estatísticos da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. A capacitação dos alunos, o cumprimento de um cronograma mais rígido e a presença mais efetiva de uma coordenação regional do projeto ampliada com a participação de outros professores se diagnosticaram como um encaminhamento positivo para sua consolidação metodológica.

A divulgação inicial pela FATEC dos dados experimentais do projeto Cotações de Preços de Alimentos no Mercado Varejista no Estado de São Paulo-Piloto no Município de Araçatuba aconteceu de forma amplificada por diferentes meios de informação e comunicação. Ao cobrir uma demanda até então não satisfeita pelo establishhment intelectual, político e econômico da região, a publicação dos preços dos alimentos divulgados no site da FATEC repercutiu dentre as principais chamadas do noticiário regional (Figura 2).

Em um processo inflacionário, a alimentação é o item que mais preocupa os formuladores de políticas públicas e governantes de um país. No dia-a-dia, perante as dificuldades que a crise impõe, pode-se reaver gastos com viagens de férias, compra de carro novo, dentre outros. Mas  quando se fala de comida, as necessidades fisiológicas colocam pessoas cotidianamente perante a obrigatoriedade de se alimentar. Em 2015, sob a interferência da intensificação da crise econômica vivida em nosso país, muitas famílias compartilharam a triste realidade de ver parte de seus integrantes serem dispensados de seus postos de trabalho, o que reduziu grandemente suas capacidades de manter o mesmo nível de consumo dos anos anteriores.

Segundo os estudos mais recentes realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)6, os alimentos compõem o grupo de produtos que mais forçou a elevação do índice de preços da economia nacional em 2015. Essa realidade também foi tornada pública regionalmente pelo estudo divulgado no site da FATEC Araçatuba. No acumulado do primeiro semestre de 2015, a cesta básica de alimentos ficou 7,18% mais cara no município de Araçatuba em valores ponderados. Separados em grupos de produtos, mesmo com o recuo apresentado entre maio e junho de -0,39% ocasionado pela maior oferta na safra

 

de meio de ano no Centro-Sul do país, FLV foi o grupo que mais mais pesou no aumento de preços dos alimentos para a população araçatubense nessa primeira metade do ano, com reajuste acumulado de 6,06% no semestre. Puxados por cebola (99,85%), limão (59,70%), batata doce (50,32%), alho (42,89%) e algumas frutas, como melancia (20,35%), mamão (16,94%) e abacaxi (12,66%), a manutenção da qualidade nutricional das refeições no cotidiano familiar se apresentou como um grande desafio da população brasileira (Figura 3).

 

Vangloriada pela alcunha histórica de “terra do boi gordo”, a pecuária também interferiu na economia regional por causa da alta no preço médio das carnes demonstrada na pesquisa FATEC/IEA. Contudo, abaixo da inflação acumulada pelo IPCA no nível nacional - que apontou variação positiva de 6,17% no primeiro semestre de 2015 -, entre janeiro e junho os valores dos cortes bovinos ficaram em média 1,49% mais caros. Paleta (23,35%), coxão mole (15,55%) e acém (13,07%) foram os cortes que mais subiram. Restou aos consumidores a opção de substituir a carne vermelha pela de frango, que ficou mais barata e recuou no mesmo intervalo (-1,25%).

Amenizada pelas reduções nos preços do arroz e do feijão (que ficaram menores na ordem de, respectivamente, 4,39% e 3,80% no primeiro semestre de 2015), a inflação dos alimentos atingiu de forma mais preocupante principalmente as famílias mais pobres de Araçatuba que ao visualizarem reajustes na ordem de 6,06% nos preços de FLV, viram limitadas suas condições de acesso a uma alimentação diversificada e saudável (Figura 4).    

 

 Como encaminhamento provisório de um processo em construção que buscará atingir os principais polos do Estado de São Paulo, pretendeu-se com esse projeto piloto em Araçatuba apresentar a importância de se oferecer à sociedade o comportamento dos preços dos produtos componentes da cesta básica por meio de divulgação sistemática de suas variações percentuais e dos índices de valores acumulados. É uma rotina que, ao se consolidar, possibilita ao mesmo tempo capacitar pesquisadores, professores e os alunos envolvidos, como ser indutora de tomadas de decisões governamentais em políticas públicas.

Dentre suas potencialidades, o projeto realizou a transmissão do conhecimento metodológico parcial adquirido em suas atividades científicas. O ponto culminante até então atingido se concretizou com a participação conjunta do IEA e a FATEC no 42º Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos (CERU) na Universidade de São Paulo (USP), em agosto de 2015. Na oportunidade, pôde-se socializar com a comunidade científica nossas iniciativas e nossos desafios (Figura 5). 

 Contudo, há que se considerar que, enquanto projeto experimental, muitos gargalos não foram superados para seu alicerçamento. Como exemplo, a ausência inicial de um padrão de planilhas rígidas codificadas dificultou a chegada a um  rápido consenso de qual modelo se utilizar quando da transição de estagiários entre o primeiro e o segundo semestre de 2015. Aprofundaram as dificuldades de continuação da parceria:

1)  o não levantamento do principal supermercado de Araçatuba no mês de agosto que compremeteu a série histórica;

2)  a não consistência de preços entre o apresentado e o levantado pela fiscalização executada em um alto percentual das conferências;

3)  a demora no retorno das planilhas (que no segundo semestre começaram a ser  repassadas em outubro, com três meses de atraso);

4)  a despadronização dos arquivos enviados ao IEA para o fechamento dos preços mensais;

5)  a ruptura no acesso direto dos pesquisadores do instituto aos alunos da FATEC para o controle da rotina semanal do levantamento a partir de julho (quando houve a substituição dos estagiários);

6)  e a mudança na amostra de produtos e estabelecimentos pelo coordenador de campo da FATEC sem o prévio consenso entre as instituições parceiras.

Para 2016, com a impossibilidade de rotação na coordenação regional do projeto pela FATEC que superasse as dificuldades que não permitiram a manutenção de um cronograma ágil de fechamento e divulgação das informações pesquisadas na segunda metade desse primeiro ano de projeto, o projeto-piloto se encaminhou a partir de janeiro para uma continuidade durante a qual a coordenação do levantamento de campo passou a ser executadas diretamente pelos Pesquisadores Científicos da APTA envolvidos desde o início do projeto, em um cronograma de levantamento quinzenal com as mesmas amostras de produtos e estabelecimentos indicada no teste estatístico de variabilidade realizado pelo IEA entre setembro e dezembro de 2014.    

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1Exemplificando com o levantamento realizado pelo Estado de São Paulo no IEA, consideram-se até os dias atuais os valores praticados em específico na capital paulista.

 2SANTOS, M. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. Hucitec. São Paulo, 1994.

3A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), reconhecendo a importância de se obter índices de preços ao consumidor para outras cidades além de São Paulo, implantou em 2004 em parceria com faculdades e prefeituras o Índice de Preços Regionais. As cidades que fazem parte dessa lista são: Campo Grande (MS), Ribeirão Preto (SP) e São José do Rio Preto (SP). Na delimitação paulista, destacam-se também os trabalhos realizados por universidades regionais como a UniToledo em Presidente Prudente e a Uniso em Sorocaba. 

 4MARTINS, V. A.; BUENO, C. R. F.; SACHS, R. C. C. Proposta de reestruturação do sistema amostral de coleta de dados no mercado varejista de alimentos na idade de São Paulo: uma aplicação de amostragem estratificada probabilística em dois estágios. Informações Econômicas, São Paulo, v. 39, n. 8, ago. 2009.

 5A lista desses produtos foi definida a partir da coleta atualizada realizada pelo IEA e a FIPE. Produtos regionais (como os cortes de carne bovina picanha e cupim) e aqueles altamente demandados nas chamadas públicas do PPAIS também foram incluídos nessa cesta.

 6INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Banco de dados. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: dez. 2015.

 

 Palavras-chave: varejo, alimentos, Brasil agrícola.

Data de Publicação: 17/03/2016

Autor(es): Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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