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Santo Obama do Café¹
Em 25/02/2016, a autoridade alfandegária do governo
dos Estados Unidos obteve do Presidente Barack Hussein Obama II a sanção da lei,
a vigorar a partir de 10/03/2016, que estabelece regras bastante restritas para
a importação de bens cujo processo produtivo contemple denúncias de trabalho
escravo/forçado e/ou infantil (TFEI); eles poderão ser apreendidos e
confiscados pela alfândega (na verdade, o departamento norte-americano que
inclui também a fiscalização de fronteiras). Particularmente, os produtos
alimentares serão aqueles que maiores atenções receberão por parte da
autoridade comercial2. Desde 1930, existia lei (307) que coibia as
importações de bens obtidos por meio de TFEI. Havia, porém, uma cláusula que
permitia tais aquisições, desde que fossem complementares à produção
estadunidense. Por sua vez, o Departamento Americano do Trabalho publicou, em
2005, listagem contendo 122 produtos3 de 58 países suspeitos de
incluírem comumente algum tipo de TFEI. Havendo denúncia de que o produto foi obtido por
meio de trabalho forçado, escravo ou infantil, a alfândega pode imediatamente confiscar
o produto suspeito. Pretende- -se com esse aperto na legislação quebrar a
cadeia de interesses por trás do TFEI, delegando aos importadores o
desenvolvimento de sistemas de fiscalização e controle que iniba o TFEI. A lista de produtos sob suspeição, emitida pela
autoridade alfandegária, restringe por exemplo 22 produtos provenientes da
Índia, 16 do Brasil, 15 de Bangladesh e 12 da China. Para o caso do café, o
produto originário do México, Uganda, Colômbia, Tanzânia, Quênia, Nicarágua,
Guatemala, República Dominicana, Guiné e Serra Leoa é passível de apreensão por
parte da alfândega. Curiosamente, o café brasileiro não foi rotulado como
proveniente de explorações que ensejam TFEI. Essa deliberação administrativa, em certo sentido,
harmoniza-se com a noção de que os mercados devem se amparar em preceitos
éticos, tendência essa crescentemente adotada pelas firmas em resposta à
pressão reivindicatória de grupos de consumidores organizados. Segundo dados da OIC, a maior demanda para café em
âmbito mundial situa-se em território estadunidense. Estimativas da organização
apontam para consumo da ordem de 23,5 milhões de sacas ao ano no país4.
Levantamento feito a partir do banco de dados
estatísticos publicados pelo Foreign Agricultural Service do United States
Departament Agriculture (FAS-USDA) indica
que, nos últimos cinco anos (2011 a 2015), a importação média dos Estados
Unidos de café arábica (in natura não
descafeinado)5 das origens listadas totalizou US$1,75 bilhão,
representando quantidade de 388,49 milhões de toneladas, o que equivale à 6,47
milhões de sacas (Tabela 1). Em 2015, a quantidade embarcada proveniente dos
países relacionados atingiu 7,08 milhões de sacas, indicando que houve demanda
crescente por parte do mercado estadunidense. Apesar desse maior volume
transacionado, o declínio das cotações diminuiu o resultado cambial desse
negócio, totalizando US$1,68 bilhão. Embora as restrições sejam atribuídas ao conjunto
dos nove países relacionados, apenas quatro deles (Colômbia, Guatemala,
Nicarágua e México) responderam por 95% do valor e das quantidades das
importações estadunidenses em 2015. Mas, de fato, o país que mais sofrerá
restrições será a Colômbia, pois cerca de 2/3 do total das compras provém desse
país. Ainda assim, a Tanzânia, relativamente, poderá ser a maior perdedora, já
que ela exibiu salto monumental em suas vendas para os estadunidenses. Dado que o Brasil é o maior fornecedor mundial de
arábica (in natura não descafeinado),
respondendo por market share de,
aproximadamente, 41% desse tipo de café transacionado pelos países importadores6,
não se escorrega ao exagero ao esperar que essa mesma proporção seja capturada
pelo país quando começa a vigorar as restrições aos cafés obtidos por TFEI.
Tomando-se por base o fechamento das compras estadunidenses dos países sob
restrições em 2015 (Tabela 1), a demanda por café arábica brasileiro no curto
prazo por parte dos EUA poderia se elevar em até 2,83 milhões de sacas. Pelas
cotações atuais, essa demanda adicional acrescentaria à balança comercial do país
cerca de US$600 milhões. Em cenário de médio a longo prazo, os cafés
produzidos na lista daqueles que praticam TFEI em suas explorações
agropecuárias obteriam, paulatinamente, certificações públicas e privadas com
acreditação internacional, garantindo a ausência dessa prática comercialmente
condenada. Portanto, o Brasil possui curta janela para, após capturar os novos
clientes, desenvolver estratégias de fidelização desses compradores. Dentre as possíveis estratégias a serem
implementadas pelo agronegócio café brasileiro, visando à fidelização dos novos
compradores estadunidenses, poderia contemplar- -se acordo entre os
exportadores do segmento para somente embarcar produto certificado/verificado
com acreditação internacional de ausência de TFEI. Evidentemente, o custo de
certificação recai sobre os cafeicultores, lembrando que grande parte dos
produtores de arábica já foi contemplado ao menos com o Código Comum da
Comunidade Cafeeira (4C’s). Nenhum novo comprador de café brasileiro se
encantará com o produto caso ele não exiba excelente qualidade. Na lista dos
países bloqueados para fornecimento ao mercado estadunidense, a oferta é
constituída exclusivamente por cafés lavados. Isso representa um desafio ainda
maior, pois, embora exista oferta de cereja descascada no país, produto à
altura para substituir os lavados, esse tipo de produto é relativamente
desconhecido pelos compradores. Assim, abre-se uma oportunidade significativa
para consolidar esse padrão de produto na constituição dos blends desses novos compradores. Segundo o CECAFE7, entre janeiro e
dezembro de 2015, os embarques de café arábica diferenciado totalizaram 8,75
milhões de sacas (31,7% do valor total exportado), representando receita
cambial de US$1,94 bilhão ao preço médio de US$222,19/sc. Essa categoria de
produto vem exibindo avanço na participação relativa das exportações de café e,
com a nova medida do governo do Presidente Barack Obama, poderão ser
substancialmente incrementadas em benefício de nossa cafeicultura (monetário e
na reputação do produto brasileiro). _________________________________________ 1O autor agradece
o trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido pelo Agente
de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do IEA, o analista de sistemas
Paulo Sérgio Caldeira Franco. 2PEABIRUS. Banco de dados. São Paulo: Peabirus.
Disponível em: <http://www.redepeabirus.com.br/redes/ 3Tais como cana-de-açúcar,
cacau, café, arroz, coco, feijões, frutas vermelhas, castanhas, olerícolas e
gado bovino. 4INTERNATIONAL
COFFEE ORGANIZATION - ICO. Banco de
dados. London: ICO. Disponível em:
<http:// 5Optou-se por
levantar os dados do produto in natura uma
vez que não se conseguiu localizar o Ato 307 para confirmar se os produtos
processados, também, sofreriam com as mesmas restrições. 6A porcentagem
pode estar subestimada, pois o café solúvel produzido no país demanda 10% de
arábica. Para chegar a esse percentual utilizaram-se dados publicados pelo ICO
INTERNATIONAL COFFEE ORGANIZATION - ICO. Banco
de dados. London: ICO. Disponível
em: <http://www.ico.org>. Acesso em: mar. 2016; CONSELHO DOS EXPORTADORES
DE CAFÉ DO BRASIL - CACAFÉ. Banco de
dados. São Paulo: Cecafé. Disponível em: <http://www.cecafe.com.br>. Acesso em:
mar. 2016. 7Op. cit. nota 4. Palavras-chave: mercado de café,
exportações de café, trabalho escravo.
form/post?topico_id=60455>. Acesso em: 4 mar. 2016.
www.ico.org/historical/1990%20onwards/PDF/4b-disappearance.pdf>. Acesso em:
4 mar. 2016.
Data de Publicação: 09/03/2016
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor