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COP 21: um ensaio sobre a cegueira?
O homem chega e já desfaz a natureza Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar (...). E passo a passo vai-se cumprindo a profecia
do beato que dizia que o sertão ia alagar O sertão vai virar mar... Dá no coração O medo que algum dia o mar também vire sertão1 Em novembro de 2015, a seca que atingiu a região Nordeste castigou a usina de Sobradinho, cujo
volume de armazenamento de água chegou a 2,8%. A situação também é crítica nos
demais reservatórios da região, cujo nível de água nas hidrelétricas totalizou
6,6%. No dia 12 de novembro, o Ministério da Integração Nacional decretou condição de emergência em 15 municípios cortados pelo rio São Francisco (CELESTINO,
2015)2. E passo a passo vai-se cumprindo a profecia de
pesquisadores que diziam que o clima ia mudar... O lago vai virar sertão? Dá no coração! Centenas de agricultores sem poder
ganhar o pão! Vai virar sertão? Haja poluição! Aumento de termoelétricas movidas a
fóssil. Vai virar sertão? Qual a
solução? A comunidade científica
ainda não tem todas as respostas sobre os rumos da nova configuração geográfica
e econômica que se formará em cada região ou país caso a temperatura média do
planeta Terra ultrapasse 2oC até o final desse século. Esse é um dos
temas que foram tratados na 21a Convenção das Partes sobre Mudanças
Climáticas (COP 21). A grande novidade é que, em decorrência do acordo firmado em
Durban, na COP 17 (2011), pela primeira vez todos os países (desenvolvidos e
não desenvolvidos) deveriam ter entregado um documento - Pretensões de
Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDC) à Convenção Quadro das Nações
Unidas Sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) - antes da 21a Convenção,
explicitando o quanto pretendiam se comprometer a contribuir para a redução de
gases de efeito estufa (GEE). Assim, com as INDCs de todos os países em mãos, ter-se-ia a
base para planejar um novo acordo climático internacional para substituir o
frustrado Protocolo de Kyoto, no qual as metas obrigatórias de mitigação
restringiam-se aos países desenvolvidos. Nesse sentido, cabe notar que a
entrega obrigatória de INDCs por parte de todos os países membros da Convenção
deixa implícito um tratamento não diferenciado entre as partes (desenvolvidos e
não desenvolvidos) e explicita a necessidade de mais força e união no combate
às mudanças climáticas. Diferentemente de outros países não desenvolvidos, desde
2009 o Brasil instituiu a Política Nacional sobre a Mudança do Clima (Lei n.
12.187/2009), que define o compromisso nacional voluntário de adotar ações de mitigação de suas emissões de gases
de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% em relação às emissões projetadas até
2020. Segundo o Decreto n. 7.390/2010, que regulamenta a Política Nacional
sobre Mudança do Clima (PNMC), a projeção de emissões de gases de efeito estufa
para 2020 foi estimada em 3,236 Gt CO2eq. Dessa forma, a redução
correspondente aos percentuais estabelecidos encontra-se entre 1,168 Gt CO2eq
e 1,259 Gt CO2eq, respectivamente, limitando as emissões em até
2.068 milhões de toneladas CO2eq para o ano 2020 (MCTI, 2014)3. Mesmo assim,
embora o Brasil tenha apresentado sua INDC no dia 17 de setembro de 2015, na COP
21, em Paris, defendeu o princípio da responsabilidade comum, porém,
diferenciada entre os países. Quanto às metas de mitigação dos gases de efeito estufa,
apresentadas na INDC4, o
Brasil pretende comprometer-se a
reduzir até 2025, de maneira absoluta, 37,0% do nível das emissões computadas
em 2005 e, como contribuição indicativa subsequente, ou melhor, até 2030, a
pretensão é de que o volume liberado de GEE pela economia brasileira seja 43,0%
menor que o do ano base (2005). De acordo com o documento, estes
percentuais são consistentes com os níveis de emissão de 1,3 GtCO2e
em 2025, e 1,2 GtCO2e em 2030, com base no nível de 2005 (2,1 GtCO2e). Essa
INDC brasileira proposta com base na redução absoluta de emissões em relação a
2005, e no potencial de aquecimento global - 100 anos (GWP-100) -, não parece
tão ambiciosa. Em primeiro lugar, o percentual de redução previsto para 2025
(37%) inclui-se na margem do compromisso nacional voluntário
(entre 36,1% e 38,9%), indicando que o governo está seguro e confiante com as
ações e implementações tecnológicas previstas no Decreto n. 7.390/2010 em prol
de uma economia de baixo carbono. Em segundo lugar, porque um estudo
desenvolvido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (2014)
identificara que emissões brasileiras de 2012 já estavam 44,0% menores do que
volume projetado para 20205
(Figura 1). Segundo
o Sistema de Estimativas de Emissões de
Gases de Efeito Estufa (SEEG), em 2014,
a liberação de gases de efeito estufa por parte dos setores econômicos
brasileiros foi de 1,58 Gt CO2e, registrando um declínio 32,8% em
relação aos níveis de 2005 (Tabela 1). Em 2014, as emissões brasileiras de
gases de efeito estufa também foram aquém do limite de emissão estipulado pelo
compromisso voluntário, mas pouco superiores aos percentuais esperados de
redução para 2020 (entre 36,1 e 38,9%, com relação a 2005). O setor de energia, que em 2005 ocupava
o terceiro lugar no ranking dos
principais emissores, em 2014 emitiu 479,1 milhões de toneladas de CO2e,
e hoje está lado a lado com as emissões contabilizadas para o setor de mudança
de uso da terra (486,1 mt CO2e), principal fonte de gases-estufa da
economia brasileira (Tabela 1). O crescimento do setor de energia deriva dos
segmentos de transporte e de geração de eletricidade. Segundo o Observatório do
Clima, entre 2013 e 2014, as emissões de GEE do subsetor de transportes
aumentaram 3,0% e o de geração de eletricidade, 23,0%, devido principalmente ao
acionamento de usinas termelétricas fósseis para fazer frente à seca que
esgotou os reservatórios das hidrelétricas no Nordeste e no
Centro-Oeste/Sudeste do país; e de produção de combustíveis, que teve aumento
de 6,8% nas suas emissões em razão da produção e do refino de óleo e gás - que
inclui a exploração do pré-sal6. O setor
agropecuário, em 2014, emitiu 423,2 milhões de toneladas de CO2e. O
crescimento de 7,9% no período 2005-2014 (Tabela 1) ocorreu porque o SEEG
identificou a necessidade de acrescentar ao cálculo uma estimativa do carbono
emitido ou sequestrado pelos solos, principalmente nas pastagens. Esse dado não
consta dos inventários oficiais de emissões do Brasil, publicados
periodicamente pelo governo federal. Os técnicos do SEEG estimaram que o
carbono liberado pelos 60 milhões de hectares de pastagens degradadas no Brasil
aumentaria em cerca de 25,0% as emissões do setor agropecuário em 2014 em
relação aos cálculos atuais6. O ranking dos
principais emissores de gases de efeito estufa é importante para priorizar a
formulação de políticas públicas e a alocação de investimentos em pesquisa e
tecnologias que diminuam a emissão de gases de efeito estufa. No entanto, ele
pode oscilar em função das especificidades das cadeias produtivas que compõem
cada setor econômico ou em função da metodologia utilizada na mensuração dos
gases de efeito estufa. Assim, embora os Planos Setoriais de Mitigação às Mudanças
Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono adotados pelo Brasil pareçam estar no rumo
certo, frente a necessidade de frear o aumento da
temperatura do planeta até 2oC no fim do século, a COP 21 deveria
rever a possibilidade de alterar a métrica utilizada pelos países na elaboração
de seus inventários, o que pode trazer algumas alterações nos rankings emissores de cada país. O Potencial de
Aquecimento Global (GWP) é um índice que permite comparar o forçamento
radiativo de uma unidade de emissão de diferentes gases de efeito estufa em um
determinado período de tempo, permitindo uma análise comparativa do potencial
de mudança do clima associado a esses gases7.
Já o Potencial de Temperatura Global (GTP) é um índice que permite comparar as
emissões de gases de efeito estufa por meio de suas contribuições para a
mudança na temperatura média na superfície terrestre em um dado horizonte de
tempo futuro, e reflete melhor a real contribuição dos diferentes gases de
efeito estufa para a mudança do clima (MCT, 2010)7. O Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) afirma que a métrica do GTP é
a mais consistente com uma contribuição para conter o aumento da temperatura
média global abaixo de 2oC em relação aos níveis pré-industriais,
pois o GWP não está diretamente relacionado a um limite de temperatura. Segundo Teixeira (2015)8, o contraste entre as
estimativas em GTP e GWP enfatizam a importância de reconhecer o papel
predominante das emissões de gases de efeito estufa no aumento de temperatura
para a análise e formulação de políticas públicas, com vistas a evitar
sobrestimar os efeitos de gases de efeito estufa que não o CO2, com
menor tempo de permanência na atmosfera, em particular metano8, gás
predominante na agropecuária. Sob a métrica
do GTP, a INDC brasileira apresenta-se de forma bastante ousada, sendo
consistente com níveis de emissão de 1,0 GtCO2e em 2025 e 0,8 GtCO2e em 2030. Isso representa, respectivamente,
reduções de 43,0% e 52,0% em relação a níveis de emissão de 2005 (1,7 GtCO2e)4. No caso do Brasil, a métrica do GTP reduz a importância
relativa das emissões dos setores econômicos de agropecuária e de resíduos, mas
aumenta nos setores de energia, processos industriais e mudança do uso do solo (Figura
2). Talvez pela indefinição da métrica que regerá o novo acordo
climático, as INDCs explicitem mais apenas o “o que” fazer do que o “como” fazer as emissões retroagirem. Algumas colocações talvez contribuam para acelerar a
mitigação brasileira de gases de efeito estufa, em GTP. No setor agropecuário,
pesquisas demonstram que somente a implantação do sistema integração lavoura-pecuária-floresta
(ILPF) reduzem as emissões do setor em 50,0% (GWP), Mas, considerando-se que
essas alterações no uso do solo devam ter um envolvimento e o consentimento do
proprietário da terra (aspecto primordial, também para se mitigar as áreas degradadas),
faltam estudos que identifiquem como conciliar categorias produtivas tão
diferentes (agricultor, pecuarista e silvicultor), bem como estratégias que
fomentem divulgação e a importância da técnica aos produtores. São prementes os
estudos que visem, mesmo que regionalmente, mensurar o quanto de ILPF já foi
efetivamente implantado. O
Brasil avançou muito, tanto na mitigação quanto no monitoramento dos
desmatamentos, sobretudo, na Floresta Amazônica. Já o monitoramento da
degradação de áreas, que requer um acompanhamento constante para que suas
causas sejam identificadas e distinguidas entre naturais ou antrópicas,
encontra-se ainda bastante polarizado. Quando se totalizar a implementação do
Cadastro Ambiental Rural (CAR), o mesmo pode funcionar como uma linha de base para comprovar a redução das
interferências antrópicas sobre as funções da floresta (sequestro de carbono e
o equilíbrio hídrico). Esse instrumento é fundamental para a mitigação dos
gases de efeito estufa, não só por inferir as estratégias de aumento de
cobertura vegetal, como também por permitir o uso de mecanismos de
financiamento previstos na Convenção do Clima. Nesse sentido, a urgência da
totalização do CAR justificaria a utilização de instrumentos coercitivos da
política ambiental. Quanto ao setor de energia, cabe ressaltar que a biomassa é
a única fonte de energia capaz de prover esse insumo tanto na forma líquida
(biocombustíveis) como elétrica. No entanto, embora a matriz elétrica
brasileira tenha recentemente diversificado as fontes de biomassa que a compõem,
é lamentável que, em um período de queda dos níveis dos reservatórios, o consolidado
setor sucroenergético brasileiro só disponibilize no Sistema Interligado
Nacional cerca de 20,0% do seu potencial de geração de bioeletricidade! A
matriz energética brasileira passa, num primeiro momento, pela plena
necessidade de priorizar a geração distribuída, a partir daí, por pesquisas e
recomendações de instrumentos de políticas públicas que subsidiem os custos de
conexão à rede, principalmente para as usinas/geradores mais distantes do
centro de carga. Esses aspectos são a base de uma matriz elétrica limpa e menos
dependente da fonte hídrica. Matriz elétrica essa que, com a implantação da
regionalização dos leilões de energia e um menor diferencial de preço entre as
fontes renováveis (hídrica, eólica, fotovoltaica e biomassa), ampliará a participação
do setor sucroenergético. ________________________________________________________ 1Sá, Rodrix e Guarabira (1978). Sobradinho. Gravadora
Sony. 1978. 2CELESTINO, Samuel. Bahia Noticias. Hidrelétrica de Sobradinho atinge o menor nível da
história. Disponível em: <http://www.bahianoticias.com.br/noticia/181528-hidreletrica-de-sobradinho-atinge-o-menor-nivel-da-historia.html>. 3Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Estimativas Anuais de Gases de Efeito Estufa no Brasil, 2ª Edição. Brasilia,
2014, 162p Disponível em: < http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/347281.html>. 4REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL. Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada para
consecução do objetivo da convenção-quadro das nações unidas sobre mudança do
clima. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/BRASIL-iNDC-ortugues.pdf>. Acesso em: 3/11/2015. 5Segundo
o MCTI (2014), em virtude da ausência de valores no Decreto n. 7.390/2010 que
indicassem a trajetória de emissões, como um todo, de 2005 até o ano de 2020,
foi considerada uma extrapolação do dado de 2005 do II Inventário para o limite
de emissões esperado em 2020, por meio do cálculo de uma trajetória
exponencial. 6SEEG. Queda no Desmatamento não derruba gases de
efeito estufa no Brasil. Disponivel em: <http://seeg.eco.br/queda-no-desmatamento-nao-derruba-emissoes-de-gases-estufa-do-brasil/>. Acesso em: 29/11/2015. 7Ministério
de Meio Ambiente (MMA). Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/219/_arquivos/ 8TEIXEIRA,
I. Mudança do Clima não é só uma questão ambiental. Disponível em: <http://projetocolabora.com.br/author/izabella-teixeira>.
Acesso em: 3/11/2015.
tabelas_clima_emissoes_219.pdf>. Acesso em: 01/12/2015.
Data de Publicação: 09/12/2015
Autor(es): Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor