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Reflexos Potenciais do Ajuste Fiscal sobre o Agronegócio
O agravamento da crise fiscal no Brasil, decorrente
de seguidos anos de expansionismo nos gastos públicos, obrigou as autoridades
monetárias do país a promover ajustamento cíclico da economia, visando possível
retomada do crescimento. Todavia, a recente deterioração do contexto
macroeconômico agravou-se com o recrudescimento da escalada inflacionária
(fortemente pautada pelos preços administrados) e reiterada diminuição no saldo
da balança comercial, acompanhada de consecutivas elevações na taxa de juros básicas
que atingiu os atuais 14,25% a.a. (esta última com repercussão direta na
elevação da participação da dívida interna enquanto proporção do Produto
Interno Bruto - PIB). A combinação desses fatores tem promovido crescente
ambiente de desconfiança do setor produtivo na capacidade de coordenação do
governo central, induzindo redução progressiva da atividade econômica,
aceleração da perda de postos de trabalho e a disparada da cotação do dólar
(fenômeno que propicia tenacidade para a queda da inflação). Estima-se
que, em 2015, o PIB exiba declínio entre -2,5% e -3,0% (enquanto a média
mundial estimada pelo FMI será de 3,3%), acompanhado pelo fechamento de
aproximadamente 1 milhão de postos formais de trabalho (30 mil deles no setor
agropecuário). Provavelmente, nem a partir do segundo semestre de 2016 o
almejado crescimento ocorra indicando que o ajuste fiscal terá que ser ainda
mais profundo e duradouro com redução drástica dos investimentos públicos (de
até R$58 bilhões), encolhimento dos benefícios concedidos (redução de R$18
bilhões) e racionalização da estrutura de governo (extinção e fusão de
ministérios e secretarias especiais associadas a cortes em cargos
comissionados). Indicador
relevante para se antecipar cenários prospectivos para a economia consiste em
acompanhar o movimento de veículos pesados nas estradas pedagiadas. Em 2013,
trafegaram pelas estradas brasileiras 430,43 mil caminhões, quantidade que
declinou para 416,90 mil em 2014, ou seja, 3,14% de redução no movimento
acumulado, indicando refreamento na
dinâmica dos negócios do país. Em São Paulo, o mesmo indicador somou
-3,27% de contração no movimento de veículos pesados. Em 2015, registrou-se
queda ainda mais expressiva no fluxo de caminhões pelos pedágios,
contabilizando -4,9% no acumulado dos oito primeiros meses do ano. A
demanda por embalagens constitui-se em outro indicador relevante na formulação
do cenário econômico prospectivo. Analisando-se as vendas de papelão ondulado,
nos primeiros oito meses de 2015, constata-se que houve queda de 3,02% na
demanda pelo produto frente à igual período do ano anterior, indicando sinais
de deterioração da economia. O
encolhimento da renda das famílias repercute em seus hábitos de consumo.
Recente balanço de empresa de consultoria de varejo apontou que os consumidores
substituíram marcas de produtos (alimentos, bebidas, higiene e limpeza) por
outras de menores preços ao longo do primeiro semestre de 2015, Assim,
comparativamente a 2014, o varejo enfrenta queda de 1,4% de sua receita bruta. Dentre
os segmentos que compõem a matriz econômica brasileira, o agronegócio tem se
constituído no mais dinâmico e competitivo, exibindo crescentes níveis de
qualidade e de agregação de valor aos produtos. O segmento tem sido responsável
pela geração de saldos positivos na balança comercial. Nos primeiros oito meses
de 2015, segundo análise do Instituto de Economia Agrícola, da Agência Paulista
de Tecnologia dos Agronegócios (IEA/APTA), as exportações dos diferentes ramos
que constituem o agronegócio brasileiro somaram US$59,71 bilhões, frente a
importações de apenas US$9,18 bilhões, repercutindo em saldo acumulado de
US$50,53 bilhões. Embora transpareça excelente resultado, frente à igual
período de 2014, representa queda de 10,34% no montante acumulado. Entre janeiro
e agosto de 2015, o agronegócio paulista contribuiu com US$7,05 bilhões para a
balança comercial, por meio de US$10,60 bilhões em exportações e US$3,55
bilhões em importações, representando, frente aos oito primeiros meses de 2014,
queda de 12,20%. Os
resultados preliminares da balança comercial do agronegócio demonstram a
substancial desaceleração do setor. Possivelmente, a recente variação cambial
venha a contribuir na aceleração dos embarques e incremento no ritmo de geração
de saldo comercial. Entretanto, dificilmente se conseguirá recuperar as perdas
já registradas, pois grande parte das colheitas já se encerrou com a
transferência dos estoques para o exterior bem adiantada ou concluída. Sem ter
se aproveitado plenamente da desvalorização cambial, o produtor inicia a
próxima temporada com menos real em caixa, o que pode vir a comprometer as expectativas de plantio. O
efeito da desaceleração do ritmo de negócios das cadeias agropecuárias exibe
impactos na geração de novos postos de trabalho. Dados consolidados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
do Ministério do Trabalho e Emprego (CAGED) indicam que,
no primeiro semestre de 2014, o saldo entre contrações e demissões atingiu
102.282 trabalhadores com carteira assinada, enquanto, no mesmo período de
2015, esse resultado foi de 74.909 postos, ou seja, declínio da demanda por
trabalhadores de 26,76%. Algumas das medidas anunciadas,
visando o ajustamento fiscal, devem repercutir negativamente sobre o
agronegócio. O corte orçamentário de R$500 milhões, efetuado na Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), e o de formação de estoques reguladores (operado por meio
dos leilões de aquisições federais), geram problemas para os
agricultores na comercialização de arroz, feijão, mandioca e milho, produtos
amparados pela política. A restrição de verbas implicará ausência de travas
para a formação dos preços, concedendo poder aos operadores do mercado para
pressionar para baixo as cotações e, consequentemente, a remuneração e renda
dos agricultores que se somará à pressão dos custos representada pela majoração
do dólar (especialmente fertilizantes). Ademais,
a temporada de milho safrinha foi de safra recorde em 2015, havendo a
possibilidade de excesso de oferta e pressão negativa sobre as cotações. Enfim,
sob estresse de renda, dificilmente ocorrerá aumento da intenção de plantio
dessas culturas, acarretando provável escassez e repiques inflacionários já em
2016. A
majoração das alíquotas de PIS/Cofins incidentes sobre os combustíveis,
ocorrida em fevereiro, representa acréscimo médio de R$0,15/l sobre o diesel,
um insumo fundamental na operação das máquinas empregadas na condução das
lavouras (plantio, tratos culturais e colheita), trará incremento nos custos
unitários de produção. Os gestores do ajuste fiscal especulam corrigir a
Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (CIDE), caso o pacote seja
mutilado pelos debates no Congresso Nacional. Atualmente, a taxa incidente
sobre a gasolina é de R$0,10/l e de 0,05/l de diesel, podendo ser majorada por
decreto para até R$0,62/l. Esse patamar é reivindicado pelos representantes do
segmento sucroenergético para viabilizar, economicamente, a reativação das
dezenas de usinas e destilarias paralisadas por deficits insustentáveis. Entretanto, os gestores da política
monetária têm como teto do reajuste o patamar de 0,47/l, pois acima disso os
impactos sobre a inflação seriam indesejáveis. A
redução de alíquota do Reintegra (programa de devolução de crédito tributário),
de 3% para apenas 1%, diminui a rentabilidade do comércio exportador. Por se
tratar de segmento que fixa sua margem no processo de intermediação, a redução
do benefício concedido obrigará o segmento a estrategicamente reduzir os preços
dos produtos que constituem seus suprimentos. Espera-se pressão negativa na
estrutura de formação dos preços dos produtos destinados à exportação,
fragilizando ainda mais o produtor rural, normalmente, o elo com menos poder de
barganha das cadeias produtivas. A
tentativa de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
(CPMF) terá impacto relevante no agronegócio. Em geral, as cadeias produtivas
dos produtos agropecuários são extensas, envolvendo dezenas de transações
financeiras/comerciais (desde a aquisição de sementes até a gôndola do
supermercado ou a plataforma do porto de embarque). O acúmulo de reiteradas
cobranças do tributo pode representar desestímulo à produção, especialmente,
diante da remuneração oferecida pelos fundos de investimento que trabalham com
taxas entre 85% e 95% da SELIC. Reflexo
decorrente do déficit fiscal consiste
no atraso do reembolso do ICMS nas transações internacionais amparadas pela Lei
Kandir1. Entre os exportadores de café comenta-se que desde maio de
2014, o Governo Federal não tem mais restituído a desoneração concedida aos
entes federados, podendo conduzir a uma ruptura desse acordo que tanto
colaborou no incremento das exportações brasileiras. Mesmo
que as medidas do ajuste resultem em quebra da trajetória inflacionária e
solvência do Tesouro Federal, favorecendo a retomada do crescimento, na
avaliação dos autores deste artigo, as propostas de ajuste fiscal encaminhadas
pelo poder executivo terão impactos negativos sobre os agronegócios. Sob efeito
dessas medidas, haverá redução de seu dinamismo no curto e médio prazos,
arrefecendo sua capacidade em suportar os revezes econômicos que o contexto tem
infringido à sociedade brasileira. ___________________________________________________ 1Em setembro de 2015, o Congresso Nacional autorizou proposta do
governo federal de repassar aos estados R$1,250 bilhão em compensações de ICMS.
Todavia, esse crédito ainda não foi repassado aos Estados sem previsão de
quando poderá acontecer.
Data de Publicação: 22/10/2015
Autor(es):
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Carlos Eduardo Fredo (cfredo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor