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O Circuito Subalterno da Economia na Alta Soracabana
1 - INTRODUÇÃO A agropecuária se
configurou historicamente como setor predominante na economia da Alta
Sorocabana. O município de Rancharia, desde o início de sua ocupação, sendo a
municipalidade com maior extensão territorial da região, destacou-se entre
aquelas com maior vigor nas atividades ligadas à produção de matérias-primas
agrícolas. Exercendo ocupações dominantes na formação do espaço geográfico
regional, algodão, pecuária bovina de corte e cana-de-açúcar constituíram-se
como partes de circuitos espaciais de produção mundializados, ou seja, segundo
interesses de demandas do capitalismo globalizado. Nesse processo, no final do
século XX, as reivindicações de reforma agrária apresentaram uma reorientação
no debate sobre a função social da terra. Isso resultou na criação de
assentamentos rurais em diferentes pontos do território paulista e nacional nas
últimas décadas. Neste ínterim, Rancharia recebeu as instalações que formaram
as comunidades São Pedro e Nova Conquista.
Na
compreensão desta realidade, objetiva-se com este trabalho apresentar algumas
implicações das mudanças na composição agropecuária ocupante das terras na municipalidade
de Rancharia ocorridas neste início do século XXI. Para realização deste estudo,
utilizou-se o Banco de Dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da
Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, para se
adquirir as informações estatísticas sobre as mudanças de ocupação do solo.
Para conhecimento das modificações na estrutura fundiária do município de
Rancharia, foram pesquisados os resultados dos Levantamentos Censitários das
Unidades de Produção Agropecuária do Estado de São Paulo (LUPA), publicados em
parceria entre a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) da
Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e o IEA. No
caso das estatísticas dos assentamentos rurais pesquisados, foram utilizadas
referências da Fundação Instituto de Terras do Estado de São
Paulo (ITESP). Da
variação identificada nestes dados, passou-se para a busca das primeiras
informações qualitativas da compreensão do processo de modificações
socioespaciais verificado na área em estudo: entrevistas focalizadas por pautas
com agentes de desenvolvimento local permitiram a aquisição dos resultados aqui
resumidos. 2 - A AGROPECUÁRIA E O CIRCUITO SUBALTERNO DA ECONOMIA
EM RANCHARIA”.
No final do século XX, a economia
do oeste paulista apresenta baixa diversidade em sua produção agropecuária. A
grande propriedade ocupada por vastas pastagens predomina na paisagem rural. As
áreas urbanas da região, dependentes primordialmente dos negócios vigente no
campo (como característica de todo o Brasil agrícola), pouco se desenvolveram,
reflexo da alta concentração de renda e baixa empregabilidade do setor
pecuário. Consequência desta realidade descrita, avolumam-se os movimentos de
reivindicação pela reforma agrária no território nacional. Na Alta Sorocabana,
com destaque para Teodoro Sampaio e Mirante do Paranapanema, concentrou-se a
maior fatia destas mobilizações no Estado de São Paulo. De um lado, Presidente
Epitácio e Presidente Bernardes, e de outro, Martinópolis e Rancharia completam
os nucleamentos das mobilizações regionais. Fruto disto, adentrando os anos
2000, após muitos debates e conflitos, chega-se a acordos que possibilitaram a
instalação de milhares de famílias em assentamentos de reforma agrária pelo país.
Em terras paulistas, até o início do segundo decênio do século XXI,
totalizando-se os empreendimentos gerenciados tanto pelo ITESP quanto pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), concretizou-se a
implementação de 168 projetos, com 10.100 famílias, em 220.508,24 hectares. Na
Alta Sorocabana, presencia-se mais da metade destes projetos de reforma agrária
(102 assentamentos, 5.474 famílias e 132.365,99 hectares). No município de
Rancharia, implantaram-se dois destes assentamentos (Tabela 1). Construídos por lotes de 10 a 20 hectares produto do
desmembramento de áreas entre 500 a 1.000 hectares e de 2.000 a 5.000 hectares,
estes projetos mudaram conjunturalmente (de maneira pontual) a estrutura fundiária
no município (Tabela 2). Fazendo uso desta estrutura fundiária
concentrada, a cana-de-açúcar foi a cultura agropecuária que mais ocupou as
terras do município de Rancharia durante a primeira década dos anos 2000. De
uma área de 6.500 hectares em 2000, que representava em torno de 17% da área
plantada, passa-se em 2011 para uma ocupação em torno de 34.000 hectares, algo
como 48% da área plantada neste ano1. Em contraposição, a cultura
que mais perdeu área para cana-de-açúcar neste período foi a pastagem.
Desestimulados pelo ciclo de baixa dos preços da arroba da carne bovina na primeira
metade da década, os proprietários de terras do município de Rancharia, ao se
desfazerem de um alto percentual de seus rebanhos, liberaram áreas
principalmente para a atividade que mais rentabilidade proporcionava no
momento: a cana-de-açúcar. De uma área de quase 16.000 hectares em 2000, que
representava 41,6% do espaço agropecuário local, a pastagem chega em 2011 com
uma área ocupada de um pouco mais que 10.000 hectares (14,5% da área total)2.
No que se refere aos espaços direcionados à reforma agrária, visualizou-se no
intervalo da última década o direcionamento ao mercado local de uma diversidade
maior de mercadorias (com destaque para as frutas) produzidas em propriedades
gerenciadas pela agricultura familiar. Caqui, goiaba vermelha para mesa, manga,
melancia, pêssego para mesa e uva para mesa são exemplos de culturas que não
eram produzidas em 2000 (ano em que os assentamentos ainda estavam se
estruturando) e são encontradas em 20113, tanto nos lotes familiares
(com maior predominância no assentamento Nova Conquista) quanto nas tendas da
feira livre realizada aos domingos pelos assentados na área central urbana de
Rancharia. 3
- O ASSENTAMENTO NOVA CONQUISTA Resultado do deslocamento de famílias acampadas na
região de Bauru, o assentamento Nova Conquista nasceu em 1998 sob a organização
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Formado predominantemente por
trabalhadores rurais boias-frias e colonos, em pouco mais de uma década de
funcionamento, encontram-se experiências positivas do processo de
reestruturação fundiária: com uma produção diversificada de alimentos, das
terras de seus lotes se retiram o básico das rendas das famílias assentadas e
parte do cardápio das municipalidades de sua hinterlândia, consolidando-se na
região circuitos espaciais de produção de curtos deslocamentos entre a produção
e o consumidor final. Assim, no município de Rancharia, mesmo com a
predominância da ocupação cana-boi, culturas inexistentes antes do surgimento
dos assentamentos passam a estar presentes na economia agrícola local,
consolidando um circuito espacial de produção gerador de segurança alimentar
regional. 4
- O ASSENTAMENTO SÃO PEDRO No caso do assentamento São Pedro, sua organização é
fruto de acampamento iniciado em 1996 tanto por integrantes do MST quanto por
um grupo de trabalhadores independentes. João Carvoeiro e o Seu Jesus
(moradores do município de Rancharia) e o militante João Batista (que, ligado
ao MST, deslocou-se de Getulina para apresentar o movimento ao grupo
independente que se formava) foram as pessoas que incentivaram a formação do
acampamento. Com a oficialização do assentamento pelo INCRA em 2001, a maioria
dos trabalhadores assentados em 2003, que eram moradores de Rancharia, resistiu
aos ditames impostos pelo MST e construiu um projeto alternativo ao
agrupamento. Para possibilitar a execução de financiamentos nos órgãos
governamentais, os assentados, já no primeiro ano de funcionamento da
comunidade (2003-2004), criaram a Associação dos Agricultores Familiares do
Assentamento São Pedro e Região para viabilizar a venda dos produtos a um preço
mais competitivo e também para comprar todo o tipo de insumo (por exemplo,
adubo, vermífugo e sal) e ferramentas necessárias à produção agropecuária a um
preço mais acessível aos produtores. Nos primeiros anos de implementação deste projeto de
reforma agrária várias famílias tentaram seguir caminhos isolados e a falta de
experiência e de auxílio técnico permanente as direcionaram para a
inadimplência. Aproximadamente 20 famílias desistiram de seus lotes antes mesmo
do biênio inicial, o que abriu espaço para a entrada de novos assentados.
Atualmente, quase a totalidade dos lotes está endividada no sistema financeiro
e não possui acesso às linhas do crédito oficial, devido às tentativas
desastrosas de cultivos mal planejados4. O primeiro produto vendido via
associação e aquele que ainda gera a renda básica das famílias assentadas é o
leite5. Atualmente, dos 74 lotes, em torno de 50 têm na pecuária leiteira
a atividade econômica principal. Fazendo uso de
pastagens de baixa qualidade herdadas do momento anterior à formação do
assentamento, com a posse de vacas de baixa produtividade, sem acesso às
principais tecnologias de ordenha e em terrenos que não seguem na totalidade às
exigências fitossanitárias impostas, a pecuária leiteira na comunidade São
Pedro se conforma enquanto uma espacialidade pouco moderna, integrante de um
circuito subalterno da economia regional. No que se refere ao escoamento desta
produção, que é feito em tambores sem refrigeração, o laticínio Ipanema,
localizado no mesmo município de Rancharia, tem sido o principal recolhedor do
leite retirado pela comunidade São Pedro durante essa primeira década de
existência do assentamento. Ao longo dos anos, têm recebido a concorrência de
outros laticínios que oferecendo preços às vezes mais atrativos, processam
parte da matéria-prima para beneficiamento e agregação de valor. São eles: o
laticínio Campezina (de Penápolis, a aproximadamente 150 km) e a unidade de
Presidente Prudente do Grupo Líder (distante 60 km do assentamento). Alternativa para obtenção de uma maior rentabilidade
e garantia de compra de suas produções, o Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foram introduzidos em
2010 com a adesão de 70% dos assentados, tendo o leite como principal produto
comercializado. O assentamento também produz mandioca, enviado em
estado bruto para beneficiamento à Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)
sediada em Teodoro Sampaio. Galinha caipira, carne suína e mel são algumas das
outras poucas atividades realizadas e comercializadas informalmente no circuito
subalterno da economia do município de Rancharia. 5
- CONSIDERAÇÕES FINAIS Enquanto prospecção de demanda e de oportunidades de
melhoria na rentabilidade do assentamento São Pedro, foi ressaltado pelos
agentes de desenvolvimento local entrevistados a importância da renegociação
das dívidas das famílias no sistema financeiro e a aquisição de matrizes
leiteiras de maior produtividade, num processo de capacitação do manejo e
gestão das propriedades. Visualizou-se no PAA e PNAE um divisor de águas nos
caminhos que possibilitarão ultrapassar a etapa de resistência à fase de
produção e geração de riqueza, qualidade de vida para os assentados e
integração da comunidade nas esferas econômica, social, política e cultural. _____________________________________________________ 1INSTITUTO DE
ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados.
São Paulo: IEA. Disponível em: <http:// 2Op. cit. nota 1. 3Op. cit. nota 1. 4A produção feita
sem conhecimentos em escrituração de valores e no funcionamento dos canais de
comercialização foi um grande empecilho para o êxito destes projetos. 5O primeiro
fomento via PRONAF, além do custeio da habitação, do alimento, de uma carroça e
de um animal de tração direcionou-se para a compra de uma vaca leiteira. Palavras-chave:
reforma agrária, circuitos agropecuários, Alta
Sorocabana.
www.iea.sp.gov.br/out/bancodedados.html>. Acesso em: set. 2015.
Data de Publicação: 14/09/2015
Autor(es):
Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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