Artigos
Fronteira Agrícola: a soja na Amazônia Legal
O crescimento da agricultura brasileira é vinculado
à ocupação de novas áreas, por meio da transferência da maior parte do plantio
de grãos para a região setentrional do país, em um processo que se convencionou
denominar avanço da fronteira agrícola. Em termos regionais, o Censo
Agropecuário 20062 mostra que a área de lavouras temporárias e permanentes
cresceu 276% na região Norte entre 1995 e 2006. Em seguida vem o Nordeste com
115%, enquanto no Centro-Oeste o crescimento foi de 96%, no Sudeste de 50% e no
Sul de 49% no período. A considerar a definição de fronteira agrícola de
Mueller3 como espaço potencial que proporciona condições para a
expansão da agropecuária com disponibilidade de terras e aptidão para o
funcionamento de mercados, é possível justificar a dinâmica da expansão da
agropecuária. Dentro do espaço da fronteira ocorrem as frentes de atividades
impulsionadas por mercados dinâmicos, políticas de incentivos e pela
infraestrutura local. Assim foi com a expansão agrícola nos Cerrados, que teve
como principal frente comercial a cultura da soja. Durante os anos que se seguiram a consolidação da
sojicultura se processava a ocupação agroindustrial da então chamada fronteira
agrícola, que representou a segunda fase de aumento da produção agropecuária.
Sob estratégia tecnológica por parte do Estado que permitiu a introdução da
agricultura nas áreas de Cerrados se deu a transferência da maior parte da
produção assim como das indústrias processadoras. A sojicultura se destaca nessa dinâmica
expansionista da agropecuária brasileira, a ponto de representar 60% da área
plantada das principais culturas (arroz, cana-de--açúcar, feijão das águas e
milho primeira safra) na temporada 2013/144.
Aumentos na produção de soja entre 1995 e 2010 tiveram a região Norte como
principal localização5 e, mais recentemente, de 2009 a 2014, a área cresceu
121% na região Norte e 66% no Nordeste, enquanto no Centro-Oeste o aumento foi
de 41% e no Sul de 28%6. As condições favoráveis dos
mercados do grão e derivados em virtude da conversão de proteína vegetal
em animal (produção de carnes) e a demanda crescente por óleo para alimentação
e produção de biodiesel são fatores que impulsionam a expansão da área com a
oleaginosa. No território compreendido pela Amazônia Legal a
área de soja alcançou 8,16 milhões de hectares em 2012, o que representou
aumento de 159% em comparação a de 2000. As áreas destinadas à produção de
grãos são localizadas principalmente no bioma Cerrado, no qual o clima seco e a
topografia plana permitem a mecanização e a resposta adequada às técnicas de
produção7. O paper aborda a expansão agrícola na Amazônia Legal utilizando-se
como proxy a sojicultura. Os dados
utilizados se referem à área antropizada pela agricultura e pecuária na
Amazônia Legal relativos ao IBGE8 e a área colhida de soja nos
principais municípios na Amazônia Legal nos anos de 2000 e 20129. Os
biomas onde se localizam os municípios são definidos por IBGE10. A Amazônia Legal abrange os Estados do Acre, Amapá,
Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, parte do Tocantins (98%), do
Maranhão (79%) e apenas 0,8% de Goiás. Aproximadamente 20% da Amazônia Legal se
constitui de bioma Cerrado11, que se estende de Roraima ao Paraná,
com concentração na Região Centro-Oeste e em parte de Minas Gerais12. A exploração madeireira seguida pela expansão da fronteira
agropecuária constituem as mudanças mais significativas na cobertura vegetal da
Amazônia Legal. Nas áreas já desmatadas predominam a pecuária extensiva, a
vegetação secundária e a agricultura de monocultivo13. Na comparação entre a pecuária e a agricultura nas
áreas antropizadas é possível verificar o predomínio das pastagens, com 51,7%,
enquanto a agricultura ocupa 15,2% do total. A pecuária apresenta maior
participação em todos os tipos de vegetação, em especial na savana com 16,6% e
na floresta ombrófila densa com 14,2%. As contribuições mais significativas da
agricultura para a antropização ocorrem também na savana com 4,5%, assim como
na floresta ombrófila densa com 4,3% (Tabela 1). O
desmatamento ocorre em fases e a degradação da área é um processo que leva
anos. Essa é uma constatação importante para o esclarecimento acerca de sua
dinâmica, como mostra a pesquisa de Valeriano et al.14. Numa primeira etapa, que por si só pode
levar alguns anos, são feitas as retiradas das madeiras mais nobres seguidas
pelo corte das árvores de menor porte; depois da destruição da vegetação
rasteira o capim é introduzido, o que possibilita a pecuária em área em que a
floresta ainda não desapareceu por completo; para uma segunda limpeza, o capim e o restante da cobertura florestal são queimados; o capim
brota novamente em função de sua capacidade biológica, quando então o gado é
trazido mais uma vez para a pastagem na área degradada. Tabela
1 - Áreas dos Tipos de Antropismo na Amazônia Legal, Agricultura e Pecuária,
2002 Tipos de vegetação primária1 Agricultura (%) Pecuária (%) Floresta ombrófila densa 32.413 4,3 106.969 14,2 Floresta ombrófila aberta 19.986 2,7 70.892 9,4 Floresta estaciona semidecidual 5.826 0,8 29.028 3,9 Floresta estacional decidual - - 1.011 0,1 Campinarana 351 0,0 18 0,0 Savana 33.869 4,5 124.536 16,6 Savana estépica - - 112 0,0 Formação pioneira 188 0,0 1.088 0,1 Ecótono 29 0,0 883 0,1 Indiferenciada 21.552 2,9 54.327 7,2 Subtotal 114.214 15,2 388.864 51,7 Área total antropizada 752.202 100,0 752.202 100,0 1Os
tipos de vegetação são definidos em IBGE (2011). Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados do INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Geoestatísticas
de recursos naturais da Amazônia Legal. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Rivero et al.15 analisam as principais
causas diretas do desmatamento na Amazônia Legal, no período de Com relação ao cultivo da soja, o território da
Amazônia Legal abriga aproximadamente um terço de toda a área da oleaginosa, a
qual se concentra no Estado de Mato Grosso, seguido pelo Tocantins, Maranhão,
Pará e Rondônia. Em termos de evolução, entretanto, observa-se que é nos
estados da região Norte onde o avanço da oleaginosa é ainda mais acentuado. A sojicultura apresentou o maior avanço no Pará, de
9.832% entre 2000 e 2012 onde os municípios principais produtores (Paragominas,
Dom Eliseu e Santarém) se localizam no bioma Amazônia. Em Rondônia a expansão foi de 1.138%, com os
municípios de Vilhena nos biomas Cerrado e Amazônia, Corumbiara e Cerejeiras,
ambos no bioma Amazônia. O cultivo da soja cresceu 641,3% no Tocantins onde
Campos Lindos, Mateiros e Dianópolis, todos no bioma Cerrado são os principais
produtores. No Maranhão a área de soja no perímetro da Amazônia
Legal cresceu 178,3%, tendo como principais municípios os de Balsas, Tasso
Fragoso e Sambaíba, todos no bioma Cerrado. Em Mato Grosso foi observada a menor variação, de
140,2% em área cultivada no período 2000-2012. Os municípios maiores produtores
são Sorriso, que se localiza nos biomas Cerrado e Amazônia, e Nova Mutum e
Sapezal no bioma Cerrado. O avanço da sojicultura sobre o bioma Amazônia
representa preocupação do setor agroindustrial da soja, que se concretizou com
a implementação da Moratória da Soja. A iniciativa da Associação Brasileira da Indústria
de Óleos Vegetais (ABIOVE) e da
Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC) teve início em 2006 com o compromisso de não comercializar o grão proveniente de
áreas desflorestadas localizadas no bioma Amazônia. A renovação é anual
e a partir de 2014 as entidades participantes se comprometem a não
comercializarem soja produzida em área desflorestada a partir de julho de 200817. Mesmo com padrão tecnológico avançado, é
principalmente em área que a produção de soja cresce no Brasil. Nesse sentido
buscou-se contribuir para os argumentos que cercam a expansão agrícola, tendo
como representante a sojicultura na Amazônia Legal sob a premissa de que o
fortalecimento da liquidez do grão e de seus derivados nos mercados doméstico e
internacional tendem a reforçar sua expansão. A expectativa é a de que este
artigo contribua para a melhoria do conhecimento sobre o trajeto da sojicultora no Brasil, de forma a
subsidiar estudos que avaliem os impactos ambientais do avanço
agropecuário sobre o bioma Amazônia e a intensificação desse processo sobre o
bioma Cerrado, assim como tomadas de iniciativas para sua mitigação. 1Pesquisa
cadastrada no SIGA NRP-4493. 2INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo agropecuário 2006. Rio de Janeiro: IBGE, mar. 2009 3MUELLER, C. C.
Dinâmica, condicionantes e impactos socioambientais da evolução da fronteira
agrícola no Brasil. Revista
Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n.3, p. 64-87, jul./set.
1992. 4INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Levantamento sistemático da produção agrícola, setembro 2014. Rio
de Janeiro: IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 10
nov. 2014. 5BARBOSA, M. Z.;
DIAS, D. R. Biodiesel de soja: expansão agrícola para o novo mercado. Informações
Econômicas, São Paulo, v. 41, n. 6, p. 70-83, jun. 2011. 6______.; MARTINS,
V. A . Mais soja no Matopiba. Análises e
Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 9, n. 8, ago. 2014. 7INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Mapa da amazônia legal - fronteira agrícola. Rio de Janeiro: IBGE.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/mapas_ 8______. Geoestatísticas de recursos naturais da
Amazônia Legal. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. 9______. Produção agrícola municipal 2012:
culturas temporárias e permanentes. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. v. 39. 10______. Banco de dados. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 nov. 2014. 11Op. cit. nota 8. 12GUIA RURAL ABRIL.
O
cerrado: o grande estoque de esperanças. São Paulo: Abril, 1986. p.
94-109. 13Op. cit. nota 8. 14VALERIANO, D. M.
et al. Monitoramento da cobertura florestal da Amazônia por satélites: sistemas PRODES, DETER, DEGRAD e queimadas,
2007-2008. São José dos Campos: INPE, 2008. Disponível em:
<http://www.inpe.gov.br>. Acesso em: abr. 2009. 15RIVERO, S. et al.
Pecuária e desmatamento: uma análise das principais causas diretas do
desmatamento na Amazônia. Nova Economia, Belo Horizonte, v.
19, n. 1, p. 41-66, jan./abr. 2009. 16O arroz é
comumente cultivado após o desmatamento em virtude de sua tolerância a solos
ácidos. 17ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE ÓLEOS VEGETAIS - ABIOVE. ABIOVE, ANEC, MMA e sociedade civil assinam termo de compromisso para a
transição da moratória da soja. São Paulo: ABIOVE. Disponível em: <http://www.abiove.org.br/site/_FILES/Portugues/25112014-193256-25_11_2014_release_transicao_da_moratoria_da_soja.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2014. Palavras-chave: Amazônia Legal,
agropecuária, soja.
_____________________________________________________________
doc3.shtm>. Acesso em: 24 ago. 2012.
Data de Publicação: 14/01/2015
Autor(es): Marisa Zeferino (marisa.zeferino@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor