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Agricultura Urbana e o Novo Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: promoção à sustentabilidade ambiental e à saúde nas metrópoles
Desde
meados da segunda metade do século XX até os dias atuais, a aceleração da vida
cotidiana tem se manifestado, entre outros aspectos, por sucessivas inovações
tecnológicas de base científica, o aumento de transações comerciais entre os
países e a intensificação dos diversos fluxos materiais e imateriais por todo o
Planeta. No interior dos países, essa realidade é acompanhada, também, pela
expansão do processo de urbanização e adensamento populacional em grandes
cidades, sobretudo, nas metrópoles dos países emergentes. No
relatório World Urbanization Prospects1, a ONU aponta que 54% da
população vive em áreas urbanas, estando entre as maiores megalópoles: Tóquio,
Nova Delhi, Xangai, São Paulo e Cidade do México. As projeções indicam que nos
próximos 30 anos serão 6 bilhões de pessoas em áreas urbanas. Surge daí
indagações acerca das atuais e futuras condições de sustentabilidade ambiental e de saúde de populações residentes em
grandes aglomerações como são as regiões metropolitanas. Apesar
dos avanços tecnológicos, especialmente no que se refere à informação e ao acesso
aos equipamentos e serviços de saúde e higiene, estão,
também, os agravos à saúde da população. Cita-se o aumento das doenças crônicas
como diabetes, hipertensão, depressão, entre outras, e que estão em grande
parte associadas à má alimentação e ao modo de vida urbano. Este artigo parte
da ideia de que as práticas de agricultura
urbana e periurbana (AUP) sejam um fenômeno que tem ganhado força e
subsidiado positivamente as discussões quando da elaboração de políticas
públicas visando à melhoria na saúde e qualidade da vida metropolitana em
diversas cidades do mundo, como é o caso do Brasil. No
Estado de São Paulo, a realização da agricultura urbana e periurbana ocorrem
por todo território estadual, incluindo os municípios densamente urbanizados,
como a capital paulista, e aqueles integrantes da Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP). A seguir, se discorrerá sobre as distinções e os novos
instrumentos legais que estimulam tais práticas no município de São Paulo, e os
potenciais benefícios da agricultura urbana e periurbana de base agroecológica
à saúde ambiental e das populações. O município
de São Paulo possui, em
2014, uma população de 11.446.275 habitantes em área de 1.521,10 km22. Corresponde, simultaneamente, à sede da Região Metropolitana (RMSP) e à
capital do Estado de São Paulo. Como centro do poder econômico e político, sua importância é notória em
distintas áreas, acolhendo pessoas de diversas partes do país e do mundo,
mantendo uma enorme variedade de atividades econômicas, culturais e de
serviços. O uso do território configura-se
por uma dinâmica socioespacial bastante complexa com inúmeros conflitos,
competições e disputas; ao mesmo tempo em que se manifestam redes de cooperação
e solidariedade. No
território de São Paulo, constroem-se materialidades e ações antagônicas. A
enorme geração de riqueza se dá concomitante à exclusão social; o adensamento
caótico da mancha urbana ocorre apesar de preocupações ambientais e de
preservação de áreas de mananciais; as pressões à expansão da malha urbana em
direção às áreas periféricas se dão em paralelo ao crescimento dos movimentos
de ocupação de imóveis e terrenos ociosos nas áreas centrais; a grande
concentração do poder político e econômico, ao lado de maior democratização e
participação da sociedade em instâncias decisórias. Dentre
esses múltiplos e contrastantes interesses pelos usos do território de São
Paulo torna-se central trazer ao debate o
potencial das práticas agroecológicas urbanas e periurbanas enquanto
alternativa à melhoria da saúde da população e sustentabilidade ambiental.
Recentemente, com a revisão da política de ordenamento territorial do município
foi reconhecida a importância das práticas de agricultura urbana no interior da
cidade e da existência de áreas rurais nos extremos, de modo a conter o
processo de crescimento horizontal da aglomeração urbana e de garantir o uso
social, sustentável e de preservação de ecossistemas naturais. Em
julho de 2014, a Prefeitura da capital aprovou o projeto de Lei n° 688/20133 que dispõe sobre a Política de Desenvolvimento Urbano, o
Sistema de Planejamento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do município.
Após uma série de consultas à população e audiências públicas, foi aprovado o
novo Plano Diretor enquanto instrumento básico da Política de Desenvolvimento
Urbano que assevera em seu Art. 1º, §
1º a respeito da Política de Desenvolvimento Urbano e ordenamento
territorial o pleno desenvolvimento das funções
sociais da Cidade e o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e
diversificado de seu território, de forma a assegurar o bem-estar e a qualidade
de vida de seus habitantes.
O Plano
municipal prevê a sua articulação ao planejamento metropolitano e aos demais
Planos Diretores dos municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Em
Da
Ordenação
Territorial, no Capítulo I – Da Estruturação e ordenação territorial,
do novo Plano Diretor Estratégico do município (PDE), delimitou-se uma Macroárea de Controle e Qualificação Urbana
Ambiental que prevê entre seus objetivos “o apoio e incentivo à agricultura
urbana e periurbana”. Já na Macroárea de
Conservação Urbana e Uso Sustentável está integrada a zona rural do município, e tem por objetivos: a proteção
da paisagem rural considerando seu valor ambiental, histórico e cultural; a
promoção do desenvolvimento da zona rural com sustentabilidade ambiental,
econômica e social, e estímulo à agricultura orgânica. Nas áreas
rurais está, inclusive, “vedado o parcelamento do solo para fins urbanos”. Da Macroárea de Preservação dos Ecossistemas Naturais agrega, também,
a zona rural. O
Capítulo II, do PDE, versa sobre a Regulação do Parcelamento, Uso e
Ocupação do Solo e da Paisagem Urbana e estão as diretrizes que visam criar
nas áreas rurais, um padrão de uso e ocupação compatível com as diretrizes do
desenvolvimento econômico sustentável previstas, em especial as relacionadas às
cadeias produtivas da agricultura e do turismo sustentáveis. No
Capítulo III - Dos Instrumentos de Política Urbana e Gestão Ambiental, na Subseção VII – Do Pagamento por Serviços
Ambientais, está prevista a conversão da agricultura familiar convencional
para a agricultura orgânica. A
promoção à atividade agrícola aparece, também, no novo plano na parte referente
Da
Política e dos Sistemas Urbanos e Ambientais em seu Capítulo I – Da
Política de Desenvolvimento Econômico Sustentável destacando entre seus
objetivos: promover o desenvolvimento sustentável da zona rural com o apoio à
agricultura familiar, em especial orgânica, ao turismo sustentável, em especial
de base comunitária, com a inclusão da estratégia de criação de Polos de
Desenvolvimento Rural Sustentável, especificando as condições necessárias à sua
efetivação no art. 190 e 191 da Seção V. No Capítulo II – Da Política
Ambiental, igualmente, aparece em suas diretrizes “estimular a agricultura
familiar urbana e periurbana, incentivando a agricultura orgânica e a
diminuição do uso de agrotóxicos”. E,
finalmente, no Capítulo IV – Dos Sistemas de Áreas Protegidas, Áreas Verdes
e Espaços Livres, em seu art. 268, está contemplado o apoio e incentivos à
agricultura urbana nos espaços livres. Assim, a antiga dicotomia “campo-cidade” como
explicação para a diferenciação e localização das atividades econômicas não é
suficiente para analisar de modo abrangente o município de São Paulo no
presente período histórico. Os novos olhares sobre a metrópole paulista revela
a existência de uma configuração espacial que inclui, também, os “espaços
agrícolas” no interior desta área altamente urbanizada. Há
a afirmação e/ou a criação de áreas à produção agrícola, tanto na região
central, como nos quatro cantos do município. As práticas agrícolas são mais
expressivas nas porções sul e norte, caracterizadas por um perfil de
agricultura familiar periurbana com chácaras e sítios. Mas, há o uso agrícola
familiar do território na zona leste, sobretudo, em áreas debaixo das linhas de
transmissão de energia elétrica. Na zona oeste e central, são inúmeras
experiências de hortas urbanas em unidades de saúde, escolas, em espaços
públicos como praças, terrenos particulares, e até em terraços de Shopping Centers. Vislumbra-se,
ainda, a coexistência de sistemas
técnicos agrícolas de diferentes períodos históricos. Contudo, a atual
prevalência dos sistemas de produção agrícola convencional, que utiliza
fertilizantes químicos e agrotóxicos, começa a dar espaço para as práticas de
agricultura orgânica e agroecológica. Em
relação à saúde do ambiente, a agricultura urbana de base agroecológica
colabora para a diminuição na produção de lixo urbano com a reciclagem,
produção de insumos e uso de composteiras domésticas; ajuda a preservar
nascentes, ampliar áreas verdes, e abre espaços para a reprodução da fauna, além
de permitir uma flora mais diversificada. Isso resulta na melhoria da qualidade
do solo, da água, do ar, justamente em áreas de alta concentração de
pavimentações e construções como são as metrópoles. Do
ponto de vista social, inúmeros estudos e experiências têm apontado que a
agricultura urbana colabora para a promoção da saúde coletiva da população das
metrópoles, sobretudo, às populações socialmente vulneráveis em três aspectos:
para geração de renda; para garantir a segurança alimentar e nutricional das
famílias; e por representar formas alternativas de tratamento terapêutico, como
parte das chamadas práticas integrativas, onde está inserido o cultivo de
plantas medicinais. No
campo da saúde da população, a agricultura urbana apresenta como benefícios
garantir a segurança alimentar e nutricional de toda a população, em especial às
famílias vulneráveis, ao favorecer uma dieta alimentar mais rica e
diversificada e, também, em gerar renda e aumentar o poder aquisitivo das
famílias. As experiências de agricultura
urbana assinalam que tais práticas atuam diretamente na promoção da saúde das
pessoas. Idosos, doentes, desempregados, dependentes químicos são parcelas da
população beneficiada com a agricultura urbana. Os resultados mostram a
melhoria da saúde com a elevação da autoestima e inserção na sociedade de forma
mais autônoma e participativa. Nesta
contemporaneidade se considera o maior poder de organização e mobilização
social. Os agentes do poder público dialogam ao planejar usos mais democráticos
dos espaços públicos, com os incentivos para agricultura urbana. A FAO4
aponta a mesma tendência em voga na América Latina com a difusão de
experiências e práticas destinadas à produção de alimentos em áreas urbanas.
Tal fato sinaliza o potencial da agricultura urbana em promover um novo
conteúdo nas relações sociais que se estabelecem nas grandes cidades, ao trazer
mais harmonia no interior das coletividades, bem como favorecer um uso do
território com menores índices de poluição e de menores impactos ambientais,
econômicos e sociais negativos. Em
São Paulo, a organização social dos
agricultores tem sido fundamental por meio da ação da Associação dos
Agricultores Orgânicos (AAO), Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais
de Água Limpa (COOPERAPAS), Associação de Pequenos Agricultores Familiares do
Jardim Damasceno (APAFA), Associação de São Mateus e o Assentamento Irmã
Alberta do Movimento dos Sem Terra (MST). Observa-se,
ainda, a irradiação de experiências agroecológicas urbanas envolvendo a
juventude e parte das classes médias conscientes. As práticas de agricultura
urbana significam uma forma de ativismo político para a construção de um
planeta mais saudável às futuras gerações. Entre os movimentos sociais que
promovem a horticultura urbana estão os coletivos Hortão Casa Verde na zona norte, Hortelões Urbanos, em diversos espaços públicos da capital, como a
Horta das Corujas em praça da zona oeste e a Horta do Ciclista na Avenida
Paulista; e o Movimento Urbano de
Agroecologia de São Paulo (MUDA) presente em toda a cidade com oficinas,
cursos, e ajudando a engajar os consumidores em prol de práticas agrícolas
sustentáveis. Este
artigo teve por objetivo trazer à reflexão o valor que as práticas de
agricultura urbana desempenham em contribuir com a elaboração de propostas de
políticas públicas visando à melhoria da saúde ambiental e das populações
metropolitanas. A aprovação do novo Plano
Diretor Estratégico (PDE) do município de São Paulo abre novas perspectivas
a um ordenamento territorial que une as práticas de agricultura urbana com as
questões social, econômica e ambiental. O novo PDE apoia-se na defesa da função social da cidade e um uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado de
seu território. Confia-se que em sua execução haja maior conscientização
política dos cidadãos urbanos em relação a estimular e apoiar o trabalho do
agricultor familiar urbano (geração de renda e segurança alimentar e nutricional)
e, ao mesmo tempo, apreender o valor da agroecologia para aumentar as áreas
verdes, preservar nascentes e melhorar a qualidade de vida urbana a toda
população. _________________________________________ 1WORLD
URBANIZATION PROSPECTS. Economic e
social affairs. New York: ONU, 2014. 28 p. Disponível em:
<http://esa.un.org/unpd/wup/Highlights/WUP2014-Highlights.pdf>.
Acesso em: nov. 2014. 2FUNDAÇÃO
SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS - SEADE. Banco de dados. São Paulo: SEADE, 2014. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/>.
Acesso em: nov. 2014. 3PREFEITURA DE SÃO PAULO. Plano diretor estratégico do Município de
São Paulo. São Paulo: Prefeitura de São Paulo, 2014. Disponível em:
<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_ urbano/legislacao/plano_diretor/index.php>.
Acesso em: nov. 2014. 4FOOD AND AGRICULTURE
ORGANIZATION - FAO. Agricultura urbana. Rome: FAO. Disponível em:
<http://
www.fao.org/urban-agriculture/es/>. Acesso em: nov. 2014. Palavras-chave: agricultura
urbana e periurbana, Plano Diretor Estratégico, município de São Paulo.
Data de Publicação: 19/11/2014
Autor(es): Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor