Ciclo Pecuário I Abate de Fêmeas no Rebanho Bovino do Estado de São Paulo

A bovinocultura de corte, conforme divulgado recentemente na imprensa1, atravessa um período de recuperação de suas margens sobre os custos de produção no mercado interno, em termos de preços da arroba do boi gordo. Com a cotação média da arroba bovina no mês de setembro de 2014 de R$129,16 e de R$130,00/@ no início do mês de outubro, segundo o boletim diário de preços do Instituto de Economia Agrícola (IEA)2, os pecuaristas no Estado de São Paulo vivem um bom momento, com a recuperação no valor da arroba acima da inflação. Este valor sinaliza que o estado está no ponto ascendente da curva de preços da arroba do boi gordo, fato que merece uma reflexão.

No grande caldeirão da cadeia de bovinos de corte, conforme o tempero utilizado, tem-se como resultado final um valor pago pela arroba bovina. Pode-se entender como tempero as diversas variáveis que incrementam ou recrudescem a atividade: preços de insumos; tributos nos diversos elos da cadeia; valor dos animais de reposição; preço da arroba; exportações; poder de compra dos consumidores; sazonalidade; localização na curva do ciclo da pecuária e abate de fêmeas; ou seja, todos os itens que irão influenciar a demanda e a oferta de animais para o abate. Ao longo do tempo, as cotações da arroba bovina descrevem uma trajetória que reflete a influência de todas as variáveis mencionadas isoladas ou combinadas. Três dessas variáveis - o mercado de ani­mais de reposição, disponibilidade de animais para o abate e o número de fêmeas abatidas - serão alvo da reflexão deste trabalho.

A trajetória dos preços do boi gordo determina o “ciclo da pecuária”, explicado pela evolução do preço da arroba do boi gordo ao longo do tempo, onde períodos de preços altos estão ligados à pequena disponibilidade de animais para o abate e vice-
-versa. Uma das justificativas da falta de animais para o abate é explicada, por sua vez, pelo número de vacas que foram abatidas no período de tempo defasado de 3 a 4 anos e que determinaram a reduzida oferta de animais de reposição para a engorda. A trajetória do abate de fêmeas se comportou sob a forma de curva ascendente e descendente ao longo de aproximadamente 8 anos (Figura 1). O comportamento dos preços da arroba do boi gordo mantém relação com o comportamento dos pecuaristas em reter ou descartar fêmeas de seu rebanho. A decisão de manter fêmeas no rebanho significa oferta de animais para a engorda e que há intenção de que as bezerras atinjam a maturidade, tenham a primeira cria e seu produto chegue à idade de abate. Este movimento, conforme a cotação da arroba do boi gordo, que, por sua vez, está ligada ao balanço da oferta e da demanda por carne bovina, também vai estimular ou desestimular a retenção de fêmeas para a produção de bezerros.

 

 

 

Nessa equação, deve-se ter em conta que aspectos relacionados à tecnologia de criação são de fundamental importância. O tempo necessário para que uma bezerra cresça, tenha sua primeira cria e seu produto também cresça e seja encaminhado ao abate compõe um indicador do quão tecnologicamente efi­ciente é o sistema de criação, ou seja, a idade em que a fêmea tem sua primeira cria e a idade em que seu produto pode ser abatido, isto é, em quanto tempo o rebanho se recompõe, são indicadores de eficiência.

Índices zootécnicos próximos aos de países que empregam alta tecnologia na produção permitem maior rendimento em carne em menor área e no menor tempo. Esta base, rendimento-área-tempo, permite que países desenvolvidos obtenham mais carne sobre um número menor de animais num período inferior de tempo. A discrepância nas relações de produção do Brasil constitui-se num dos fatores que ajudam a explicar o longo ciclo da pe­cuária praticada no país e no Estado de São Paulo. Dada a falta de uniformidade nos aspectos técnicos, os indicadores de rendimento do rebanho nacional são baixos, por exemplo, a idade média de abate dos animais é entre 3 e 4 anos e o índice médio de lotação de pastagens é de 0,81 unidade animal por hectare3. Em resumo, o baixo desempenho, resultado da grande diversidade tecnológica entre os criadores, explica o fato de que o rebanho nacional parece crescer apenas numericamente.

Essa lógica de comportamento leva a certas armadilhas que, frequentemente, se impõem nos momentos em que a demanda cai, seja por resultado da redução do poder aquisitivo da população, seja por qualquer outro fator. Uma dessas armadilhas é a ruptura da relação entre a retenção de fêmeas para a produção de bezerros e, consequentemente, para a produção de carne. Nesses momentos, a soma de ações individuais voltadas a evitar perdas resulta na decisão de enviar as matrizes e as filhas para o abate, piorando mais ainda o quadro crítico. As expectativas individuais somadas resultam na queda ou na alta do valor da arroba do boi gordo, na queda ou na alta do valor dos animais de reposição e na maior ou menor participação de fêmeas no total de abate. A decisão do pecuarista sobre o valor pretendido da arroba do boi gordo é o resultado do balanço das diversas fontes de informações disponíveis. Conforme a decisão do mercado sobre o valor da arroba, ou seja, se for aceito o valor pretendido, ocorre a inserção deste na curva do ciclo pecuário, conforme o movimento ascendente ou descendente dos preços. O movimento do ciclo de preços do boi gordo é influenciado pelo ciclo de retenção ou de descarte de vacas em período precedente do ciclo pecuário.

O abate de fêmeas, que sem dúvida nenhuma é de suma importância na oferta de carne, serve como indicador antecipado dos períodos de falta ou de excesso de animais para o abate (Figura 2) e, por consequência, influencia no preço da arroba bovina. Na figura 2, os dados do Estado de São Paulo e do Brasil estão na mesma base (1997=100) para que sejam comparáveis no tempo. Observa-se que até 2004 as séries evoluíram de maneira semelhante e que a partir de 2005 houve um descolamento delas, entretanto, a tendência de queda ocorreu nas duas, com recuperação nos últimos anos do período. Uma das possíveis causas dessa mudança de amplitude entre a curva de abate de fêmeas no Brasil e em São Paulo seria a intensificação da aptidão do Estado de São Paulo em recria e o fato de que os animais utilizados para o confinamento no estado são em sua maioria machos.

A produção de bovinos no Estado de São Paulo é tradicional e está vinculada ao fato de que este é um dos maiores centros consumidores do país e tem um dos maiores parques abatedouros, além de ter o porto nacional com o maior volume em exportação de carne bovina brasileira para o mundo. A dinâmica de produção do Estado de São Paulo é a mesma de outros estados, porém, os fatores considerados em qualquer sistema produtivo do país pesam mais sobre seus produtores. O valor da terra é maior que em outros estados, os baixos índices de rendimento do rebanho e o valor pago pelos animais de reposição somam-se e resultam no comprometimento do rendimento por hectare.


 

 

 Em matéria do jornal O Estado de S. Paulo4, foi estimada em 60% a proporção de pecuaristas nacionais de pequeno porte, em geral, são produtores com base tecnológica baixa. Essa proporção é considerável e pode explicar, em parte, os baixos índices de produtividade no rebanho nacional5.

Apesar dos indicadores de produtividade desfavoráveis, em 2013 o Brasil comer­cializou US$6,6 bilhões em carne bovina para o exterior, conforme dados da ABIEC6, fato que dá a indicação de que o país é bem competitivo no mercado externo em nível de indústria processadora, apesar de seu baixo rendimento na base de produção. A partir dessas colocações, conclui-se que esta atividade é importante para o país, porém, os diferentes índices de produtividade que os animais destinados ao abate apresentam interferem no equilíbrio do setor. Lembrando-se que eles expressam as bases tecnológicas empregadas na produção e que elas são múltiplas, variando no grau de sofisticação de cada produtor. Contabilizados todos os fatores, vê-se nas estatísticas de abate da produção nacional e de São Paulo, apresentadas nas figuras 1 e 4, o resultado final que é destinado ao consumo interno e às exportações. É claro que não se pode esquecer das leis de mercado, das condições macro e microeconômicas que são extremamente importantes para a definição e orientação do setor.

A soma de bois, vacas e novilhas (Figura 3) é o número total de bovinos enviados para o abate pelo Estado de São Paulo em 2013, que foi de aproximadamente 3,5 milhões de cabeças, 10,3% do total nacional, de 34,4 milhões de cabeças aproximadamente, conforme o Levantamento Trimestral da Produção Pecuária7.

 

A participação do Estado de São Paulo na produção nacional vem decrescendo gradativamente e em 2013 situava-se na terceira posição em número de cabeças abatidas. Os principais Estados produtores são: Mato Grosso, com 5,8 milhões de cabeças; Mato Grosso do Sul, com 4,1 milhões de cabeças, São Paulo, com 3,4 milhões de cabeças; e, na quarta posição, Goiás8.

A produção brasileira está inserida em uma grande cadeia de produção mundial e dentro deste mercado global, segundo dados de previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)9, destaca-se como o maior exportador de carne bovina do mundo, com o volume exportado em 2013 previsto em 1.821,6 milhões de toneladas em equivalente carcaça.

Toda a conquista do mercado externo e o crescimento da produção nacional a fim de atender a demanda do mercado interno e externo por carne bovina parte de uma base instável, ou seja, ao primeiro sinal de mudança das condições de mercado, as matrizes (Figura 4) e, posteriormente, o mercado de animais de reposição serão os primeiros a manifestar com o descarte ou a retenção de matrizes e, em seguida, com a queda ou o aumento nos preços dos animais de reposição, bezerro, garrote e boi magro, que no fim de tudo determinaram a escassez de animais para o abate.

   A expansão ou a retração do rebanho estão relacionadas ao grau de demanda por carne que a população requisita e ao grau tecnológico que os criadores aplicam em seus rebanhos, portanto, a rapidez com que o setor reage aos estímulos positivos ou negativos está na dependência do cuidado com que sua produção é conduzida.

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1BARROS, B. Rondônia já tem o boi mais disputado do país. Valor Econômico, São Paulo, 20-22 set. 2014.

2INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados. São Paulo: IEA. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em: out. 2014.

3Op. cit. nota 1.

4PETRILLO, D. Pecuária ainda tem potencial de crescimento: Brasil precisa abrir mercado e investir em tecnologia e qualidade do produto. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 22 set. 2014. Caderno X10, especial.

5Op. cit. nota 4.

6ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS EXPORTADORAS DE CARNES - ABIEC. Produção mundial de carne bovina. São Paulo: ABIEC. Disponível em: <http://www.abiec.org.br/pt/estatisticas/mundial/producao-2.html>. Acesso em: 16 abr. 2014.

7INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Estatística da produção pecuária. Rio de janeiro: IBGE, mar. 2014.

8Op. cit. nota 7.

9COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB. Perspectivas para a agropecuária. Brasília: CONAB, 2013. v. 1. Disponível em: <http://www.conab.gov.br>. Acesso em: out. 2014.

Palavras-chave: abate de fêmeas, ciclo pecuário, produção agropecuária.

Data de Publicação: 14/11/2014

Autor(es): Carlos Roberto Ferreira Bueno Consulte outros textos deste autor
Vagner Azarias Martins (vagnermartins@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor