Indicação Geográfica no Brasil: um breve panorama da legislação e registro

Em abril de 1987, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, denominada de Comissão Brundtland, como ficou conhecida por ser presidida pela médica, mestre em saúde pública e ex-Primeira Ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, publicou um relatório inovador, que elabora o conceito de desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades. Um mundo onde a pobreza e a desigualdade são endêmicas estará sempre propenso a crises ecológicas, entre outras... O desenvolvimento sustentável requer que as sociedades atendam às necessidades humanas tanto pelo aumento do potencial produtivo como pela garantia de oportunidades iguais para todos. Muitos de nós vivemos além dos recursos ecológicos, por exemplo, em nossos padrões de consumo de energia... No mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos. Na sua essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas¹.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) apresenta para o país diretrizes para uma política de desenvolvimento sustentável com os seguintes programas: Plano ABC de Mitigação, Agroenergia, Produção Integrada da Cadeia Agrícola e Pecuária, Orgânicos, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, Conservação do Solo e Água, Plantio Direto, Recuperação de Áreas Degradadas, Florestas Plantadas, Tecnologia Agropecuária e as Indicações Geográficas (IGs)2.

O Brasil é um país com um grande número de produtos agropecuários com qualidade diferenciada, que podem ter identidade vinculada a sua origem geográfica, cultural, biológica, climática e étnica.

A IG, assim como as marcas, e os nomes comerciais são sinais distintivos que possuem um objetivo comum: diferenciar os produtos e indicar a sua origem comercial ou geográfica. A IG, por agregar valor ao produto, pode propiciar o desenvolvimento local gerando renda adicional ao produtor rural. O MAPA identifica a IG como importante ferramenta de desenvolvimento do setor agropecuário, visto que ela resgata valores como: conhecimento tradicional, segurança alimentar, fixação do homem no campo, agregação de valor e valorização do meio rural. Porém, essa visão da IG como ferramenta do desenvolvimento sustentável ainda é pouco explorada.

Diante disso, a divulgação da IG é importante para contribuir para o desenvolvimento sustentável e o conhecimento dos procedimentos de registro é de utilidade para técnicos que atuam na extensão rural e produtores rurais. Assim, para estimular a expansão das bases que fundamentam o desenvolvimento rural sustentável, apresenta-se o panorama atual dos registros de IG, bem como a legislação que os sustenta.

O MAPA é uma das instâncias de fomento das atividades e ações para IG de produtos agropecuários. O suporte técnico aos processos de obtenção de registro de IG cabe à Coordenação de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários (CIG), do Departamento de Propriedade Intelectual e Tecnologia da Agropecuária (DEPTA), da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC)3.

Existem duas espécies ou modalidades de IG: Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO). A definição sobre estas modalidades, assim como outras informações básicas, estão na Lei n. 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial - LPI)4; a legislação brasileira que reconhece e regulamenta a IG encontra-se em seus artigos 176 a 182, e está harmonizada com o Acordo Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS) de 1995, sobre propriedade intelectual, e que é obrigatória para todos os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A definição de IG é apresentada no artigo 176 da Lei n. 9.279/1996. A IP indica o nome geográfico que tenha se tornado conhecido pela produção ou fabricação de determinado produto, ou prestação de determinado serviço. A DO indica o nome geográfico do local que designa produto, ou serviço, cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos os fatores naturais e humanos.

Além de regular a proteção das marcas, o TRIPS regula também, especificamente, as IGs em seus artigos 22 a 24. Por este acordo, as IGs são aquelas que identificam um produto como originário do território de um Estado-membro, região ou localidade naquele território, onde uma determinada qualidade, reputação ou outra característica deste produto é essencialmente atribuída a sua origem geográfica5.

O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é a autarquia competente, conforme o Artigo 182, parágrafo único, da Lei n. 9.279/1996, para estabelecer os requisitos para o registro de uma IG (IP ou DO) no Brasil.

Os requisitos para registro foram estabelecidos pelo Ato Normativo n. 134/1997 do INPI, que identifica os formulários para apresentação de requerimento de registro de IGs, e pela Resolução n. 75/2000 do INPI, que apresenta as condições para o registro das IGs e atualizadas pela Instrução Normativa n. 25/2013, conforme segue abaixo6:

a) parte requerente: o INPI exige que os produtores ou prestadores de serviço estabelecidos na região demarcada e habilitados ao uso da indicação estejam representados por associações, institutos ou pessoas jurídicas que possam, na qualidade de substitutos processuais, requerer o respectivo registro.

A única exceção, neste caso, refere-se à possibilidade de existir um único produtor ou prestador de serviço legitimado a utilizar o nome geográfico. Neste caso ele poderá solicitar o registro individualmente.

Em se tratando de uma pessoa jurídica que represente a coletividade, quando existir mais de um produtor, é necessário apresentar os documentos que comprovem a legitimidade da parte requerente.

Destaca-se, por fim, que em se tratando de IG estrangeira já reconhecida em outro país, a legitimidade para solicitar o registro é do titular desta indicação neste outro país. E, neste caso, a existência de um representante legal desta no Brasil torna-se obrigatória;

b) o pedido de registro deve ser referente a um único nome geográfico;

c) o produto ou serviço objeto da IG deverá ser minuciosamente descrito e caracterizado;

d) regulamento de uso do nome geográfico protegido, instrumento na qual constem as regras que nortearão as formas de produção dos produtos, as quais devem ser seguidas pelos produtores habilitados;

e) delimitação da área geográfica, devidamente documentada;

f) pagamento da quantia exigida para o registro, devidamente comprovado no ato do registro;

g) a existência, devidamente comprovada e documentada, de uma estrutura de controle da IG. Esta estrutura deverá controlar/fiscalizar tanto os produtores ou prestadores de serviços, como os próprios produtos ou serviços. Tal controle garante a legitimidade na utilização do nome geográfico, bem como a segurança e veracidade das informações destinadas ao consumidor;

h) a comprovação de que os produtores ou prestadores de serviço estão efetivamente estabelecidos na área demarcada para a IG, bem como que estão exercendo atividades de produção ou prestação de serviço relativas à indicação.

Tal requisito visa evitar que produtores ou prestadores estabelecidos em outras áreas sejam legitimados a utilizar a indicação em seus produtos, contrariando a legislação nacional;

i) etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da IG ou representação geográfica de país, cidade, região ou localidade do território7.

Até 30 de setembro de 2014, foram registrados, no INPI, 5 DOs e 20 IPs de produtos oriundos do setor agrícola brasileiro (Quadro 1).

Adicionalmente, foram registradas IGs para:

1) Renda (IP - Cariri Paraibano);

2) Biscoitos (IP - São Tiago, Minas Gerais);

3) Renda de agulha lace (IP - Divina Pastora, Sergipe);

4) Serviços de tecnologia de informação (IP - Portal Digital, Pernambuco);

5) Pedras (IP - Região Pedra Cinza, Rio de Janeiro);

6) Pedras (IP - Região Pedra Madeira, Rio de Janeiro);

7) Pedras (IP - Região Pedra Carijó, Rio de Janeiro);

8) Opalas (IP - Pedro II, Piauí);

9) Calçados (IP – Franca, São Paulo);

10) Peças artesanais de estanho (IP - São João del Rei, Minas Gerais);

11) Panelas (IP – Goiabeiras, Espírito Santo); e

12) Doces (IP – Pelotas, Rio Grande do Sul).

 

No total, são 37 IGs no Brasil. No entanto, ainda há muito trabalho a ser realizado nesta área, pois países europeus, como a França, possuem mais de 500 selos distintivos de qualidade8.

 

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1ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. A ONU e o meio ambiente. Brasília: ONU. Disponível em: <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-meio-ambiente/>. Acesso em: jul. 2014.

 

2MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO - MAPA. Indicação geográfica - IG. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/desenvolvimento-sustentavel/indicacao-geografica>. Acesso em: jul. 2014.

3Op. cit. nota 2.

 

4BRASIL. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, 15 maio 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l9279.htm>.
Acesso em: jul. 2014.

 

5WORLD TRADE ORGANIZATION - WTO. Agreement on trade-related aspects of intellectual property rights. Geneva: WTO. Disponível em: <http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/27-trips.pdf>. Acesso em: jul. 2014.

 

6BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Instrução normativa n. 25/2013. Estabelece as condições para o registro das indicações geográficas. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/images/docs/instrucao_normativa_25_indicacoes_geograficas%5B2%5D.
pdf>. Acesso em: set. 2014. 

 

7CERDAN, C. M. et al. (Orgs). Curso de propriedade intelectual e inovação no agronegócio. Brasília: MAPA, 2010. cap. 6, p. 193-194. (Indicação Geográfica Módulo II).

 

8INSTITUT NATIONAL DE L’ORIGINE ET DE LA QUALITÉ - INAO. Base de données. France: INAO. Disponível em: <http://www.inao.gouv.fr/repository/editeur/pdf/stat_agro/Plaquette_Chiffres-Cles.pdf>. Acesso em: set. 2014.

 

Palavras-chave: indicação geográfica, legislação, registro, Brasil.


Data de Publicação: 21/10/2014

Autor(es): Geni Satiko Sato (sato@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor