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Risco e Incerteza na Cafeicultura
A anomalia climática1, que incidiu
sobre os principais cinturões cafeeiros ao longo do primeiro trimestre de 2014,
constituiu-se em fenômeno sem precedente na história da cafeicultura
brasileira, trazendo prejuízos ao seu potencial produtivo. A magnitude de tal
singularidade foi capaz de modificar a estrutura de formação de preços dessa commodity. A volatilidade das cotações
na Bolsa de Nova York saltou de patamares ao redor de 20% a 25% para percentual
acima de 45% (Figura 1), indicando que os operadores desse mercado, pautados
pelos fluxos de oferta, demanda, formação de estoques e consumo (fundamentos)2,
perderam referências objetivas quanto ao valor “justo” a ser oferecido pelo
produto. A volatilidade média das cotações entre julho e
agosto de 2014 também se manteve acima dos 45%, indicando que os agentes de
mercado (investidores/especuladores) ainda não foram capazes de interpretar,
com objetividade, as repercussões da quebra de safra brasileira. Altistas e
baixistas se revezam na formulação de argumentos convincentes que, por efeito
manada, conduzem a amplificação da volatilidade. Os riscos e as incertezas possuem sua taxonomia3,
ainda que ambos trafeguem pelo espaço das expectativas (ou de sua frustração).
Os riscos estão mais associados às possibilidades de cálculo estatístico
considerando séries temporais (por exemplo, cotações, oferta, estoques, etc.),
enquanto na incerteza não existem parâmetros mensuráveis. No risco, existe
algum conhecimento pregresso, enquanto na incerteza nada se sabe. Conhecimento
incompleto é manancial para erros de julgamento. Disso resulta o ofício
cotidiano dos economistas na tentativa de trazer, para o campo dos riscos, a incerteza
que o futuro intrinsecamente carrega. Em suma, o curso dos eventos é afetado tanto pelo
risco quanto pela incerteza, sendo que neste último não há hipótese para o
cálculo racional. A falibilidade e a contingência determinam o futuro, por isso
é totalmente incerto. Os pioneiros da ocupação dos cerrados, por exemplo,
arriscaram na incerteza, na medida em que não havia história pregressa da
cafeicultura comercial naquela zona agroecológica. O salto no patamar da volatilidade é sintomático
de fenômeno que pautará crescentemente a formação dos preços da commodity, que é o aumento substancial
dos riscos e incertezas envolvidos nesse negócio4. Na atual
conjuntura, a anomalia tem determinado a flutuação das cotações, mas a partir
da normalização do clima nos cinturões produtivos brasileiros, o negócio não se
afastará dos limites da incerteza; pelo contrário, com ela terá que conviver
ainda mais. A cafeicultura brasileira marcha inexoravelmente
rumo à profissionalização. Regiões como a dos Cerrados (mineiro e baiano) e a
Alta Mogiana atestam a excelência (em produtividade e qualidade) que nos mercados
granjeiam essas origens. Essa especialização produtiva robustece a competitividade
sistêmica do segmento. Entretanto, carreia consigo imenso incremento do estoque
de capital alocado na atividade (muito mais máquinas, equipamentos – irrigação
- e infraestruturas) capaz de suportar o ritmo impresso pela tecnologia adotada
na base física (lavoura/terra). Esse aumento do estoque de capital empregado no
sistema produtivo torna as explorações mais atreladas aos humores do mercado
financeiro, justamente o segmento econômico que maiores e mais amplos riscos
oferece5. A macroeconomia global (excesso de liquidez,
patamar das taxas de juros básicas, paridades cambiais, políticas soberanas de
expansão ou retração fiscal) cria contextos que promovem amplas flutuações
sobre o potencial de valorização do capital (sua razão de ser). Crise, como a
de 2008, promoveu dilapidação do estoque de capital que procura se reinventar
na ânsia por buscar novos espaços de valorização. Paradoxalmente, a queima de
capital é custosa, exigindo longo tempo para recuperação. Na trajetória de euforia financeira, os agentes
econômicos exibem tremenda preferência pela mercadoria que é imediatamente
substituída, quando ocorre o colapso, a opção pelo dinheiro. A economia
contemporânea se caracteriza pelo encurtamento desses ciclos, instabilizando os
mercados e suas bases produtivas. A procura por resultados no curto prazo
(atualmente curtíssimo prazo no ambiente dos algoritmos) incrementa excessos do
sistema, negligenciando riscos calculados e promovendo clima para instauração
da incerteza nos negócios6, consequentemente, para a cafeicultura
que se alicerça em capital. O futuro para a cafeicultura acena com mais
incerteza. Nesse contexto de instabilidades a adoção de estratégias com medidas
preventivas são crucialmente importantes. Por exemplo, deve-se adquirir uma
colhedora ou contratar esse serviço? Comprar terra para iniciar uma lavoura ou
arrendá-la? Posicionar o negócio em contratos de longo prazo ou se
autofinanciar por meio do reinvestimento de excedentes? Enfim, expor-se aos
humores da economia internacional, incrementando o estoque de capital, exige extrema
cautela. Conter-se,
quando os outros enlouquecem, é o último poder da razão. (Renato Janine Ribeiro – filósofo) 1Entende-se por
anomalia o conjunto de fenômenos climáticos: estiagem; temperaturas médias (dia
e noite) elevadas; e alta incidência de radiação solar (seguidos dias sem
nuvens). 2É controversa a
crença na capacidade dos fundos e grandes operadores de influenciar positiva ou
negativamente a formação dos preços, distanciando-se dos fundamentos que o
produto contempla. Talvez exista uma maior intensidade nas flutuações que,
porém, estão primeiramente correlacionadas com os fundamentos. Para detalhes,
ver SERIGATI, F.; POSSAMAI, R. Formação dos preços agrícolas: fundamentos ou
atividade especulativa? Agroanalysis,
São Paulo, p. 13-15, ago. 2014; ANDRADE, R. A construção do conceito de incerteza:
uma comparação das contribuições de Knight, Keynes, Shackle e Davidson. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 21,
n. 2. maio/ago. 2011. 3Riscos podem
ser de: produção, mercado, contratuais, jurídicos, institucionais,
tecnológicos, de liquidez. A natureza da incerteza (ausência de conhecimento) a
torna exclusiva de si própria. 4Vale aqui a
analogia: as atividades econômicas estão sujeitas ao risco; cafeicultura é
atividade econômica; cafeicultura possui riscos. 5A atividade
agrícola é intrinsecamente uma ilha rodeada por riscos. Entretanto, para
produção e preços há mecanismos protetores (seguro, hedge). Descartam-se os riscos: institucional (tabelamento de
preços); tecnológicos (introdução imediata das nanotecnologias, por exemplo); e
contratuais, pela baixa probabilidade de vir a ocorrer no horizonte do
provável. 6POLMAN, P.;
ROTHSCHILD, L. de. A
ameaça capitalista ao capitalismo. Jornal
Valor Econômico, São Paulo, 27
maio 2014. Palavras-chave: risco,
incerteza, café.
Data de Publicação: 09/10/2014
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor