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Embargo Russo: é necessário cautela para o mercado de carnes e leite
A Rússia proibiu as importações, pelo período de
um ano, das carnes bovina, suína e de aves, pescado, leite, queijo, legumes e
frutos provenientes dos Estados Unidos e União Europeia, além da Austrália, Canadá e Noruega. Isso ocorreu após esses
países anunciarem sanções nas áreas
de finanças, tecnologia e defesa devido ao conflito político da Rússia com a
Ucrânia, por conta do apoio russo aos separatistas do leste ucraniano. Nos
últimos dias, a Rússia decidiu, ainda, permitir que os produtos lácteos sem lactose, concentrado de proteína
e outros produtos antes proibidos voltem a ser comprados pelo Brasil1. Informações
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)2 mostram
que esse fato foi antecedido de entendimentos anteriores com o chefe do Serviço
Veterinário da Federação Russa, em maio, quando se discutiu a importância do
monitoramento do serviço sanitário brasileiro como garantidor da sanidade do
produto exportado, além de tratar sobre o envio de listas de potenciais fornecedores
de carne para a Rússia. No encontro dos países que formam o BRICS (Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul), o governo brasileiro conseguiu dar
garantias de que os problemas que restringiram as vendas aos russos estavam
superados. Posteriormente,
em julho, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, assinou uma série de acordos
bilaterais nas áreas de economia, defesa, tecnologia, energia e produção de
vacinas. No
mês de agosto, o MAPA também conseguiu a aprovação de Serviços de Inspeção Federal
(SIFs) para a comercialização de miúdos (rim, fígado, coração, intestino) e
oficialização do Certificado Sanitário Internacional (CSI) para a exportação de
lácteos para a União Aduaneira de Rússia, Bielorússia e Casaquistão. A medida poderá beneficiar o mercado de alguns
desses produtos brasileiros, pois a Rússia, segundo informações do MAPA, já
liberou 89 estabelecimentos
para exportar carnes, miúdos de carnes, aves, miúdos de aves, suínos e miúdos
de suínos, e 2 estabelecimentos de produtos lácteos3. No último dia 14
de agosto, o serviço sanitário russo liberou mais 4
estabelecimentos brasileiros para exportação de carne e miúdos de suínos4. Somando estes
establecimentos, o número total de frigoríficos com condições de exportar para este
país passa a ser de 93. O fato é considerado muito positivo para algumas
cadeias produtivas envolvidas, principalmente pelos setores de carne suína e
bovina in natura, que já têm neste
país o principal destino de suas exportações5. Entretanto, a carne de frango
pode ter a maior oportunidade, já que há possibilidades de ampliar as
exportações rapidamente, pois o setor tem possibilidade de rápida expansão de
sua produção, pois o ciclo produtivo da avicultura é curto (cerca de 40 dias). A Rússia é o segundo maior comprador de frango dos
Estados Unidos. Com a impossibilidade deste país de exportar essa carne para a
Rússia, o Brasil pode ganhar espaço
considerável nesse mercado. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Proteína
Animal (ABPA), Francisco Turra, há condições dos produtores brasileiros
venderem 150 mil toneladas/ano de frango para a Rússia6. No setor de suínos há certa cautela, pois o
mercado brasileiro teve por muito tempo grande dependência do mercado russo e
tem procurado, há alguns anos, diversificar os mercados. Além disso, no momento, segundo Francisco Turra, “não
há capacidade disponível para ampliar significativamente as vendas para a
Rússia”7 e seria necessário, para atender de imediato a essa
demanda, que se desviasse a produção atual de carne suína, que atende ao
mercado interno para o mercado russo, pois a expansão da produção dos suínos é
lenta (ciclo de 12 meses). O presidente da ABPA explicou que a meta do setor
é exportar 500 mil toneladas de carne suína, em 2014, com uma receita de US$1,7
bilhão. Para a Rússia, a projeção era de 60 mil toneladas, 12% das exportações
totais. No entanto, a demanda russa neste momento é de 110 mil toneladas, 83,3%
a mais do que o previsto8. Produtores querem maior garantia de compra de seus
produtos, como contratos mais longos que apenas o período de um ano do embargo,
pois se os russos, após esse período, deixarem de comprar a carne suína
brasileira, não há como colocar esse volume de produto no mercado interno, o
que exigiria esforços para conseguir novos mercados. Isso acarretaria prejuízos
a toda a cadeia produtiva. Essa prevenção se justifica, pois o comércio com a
Rússia tem se caracterizado pelo embargo ao mercado brasileiro com constantes reduções no número de
frigoríficos habilitados a exportar para
esse país, por restrições sanitárias isoladas, devido a
fatos que normalmente não têm afetado o comércio com o resto do mercado
internacional. Outro fator são favorecimentos a outros mercados, como o do
Leste Europeu, em detrimento ao brasileiro. Em relação à carne bovina, além de ser atualmente o
maior exportador, o Brasil tem também o maior rebanho comercial, apesar de
menor produtividade que os Estados Unidos. Ainda nesse ano, em julho, o mercado
russo foi o principal destino das exportações de carne bovina. No entanto, vale
ressaltar que essa carne também sofre, em alguns momentos, restrições
sanitárias por parte do governo russo. A grande novidade neste setor é a abertura para a
compra de miúdos. O mercado russo poderá abrir uma perspectiva de aumento de
vendas, o que, por outro lado, poderá alterar os preços para cima e levar os
frigoríficos a optar por esse mercado em detrimento de outros que pagam menos,
inclusive o mercado interno, o que afetaria diretamente os preços ao consumidor
brasileiro, apesar da demanda ser fraca no momento. No setor de lácteos, essa é considerada uma boa
oportunidade, como perspectiva para abrir esse mercado. Segundo Carlos Humberto
Mendes de Carvalho, presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios e
Produtos Derivados do Estado de São Paulo (SINDILEITE), o setor tem muito
interesse de exportar leite para a Rússia, mesmo que no momento os preços do
mercado interno estejam mais compensadores9. O consumo brasileiro, por conta da economia,
sofreu certa retração e a expectativa é que se retraia mais e sobre leite.
Segundo o presidente do SINDLEITE, a previsão é que haja uma sobra superior a
10%, internamente, e assim vale a pena vender os lácteos por um preço inferior.
Melhor que perder esse volume de produto. Outro ponto levantado por Carlos Humberto Mendes
de Carvalho é o fato de a Austrália, grande produtor e exportador de leite,
estar entre os países embargados pelos russos. Com a Austrália e União Europeia
fora do mercado russo, deverá sobrar leite no mercado internacional e os preços
devem baixar. Assim, melhor garantir vendas a preços atuais do que vender mais
para frente a preços menores que os atuais. Essa não é a posição do presidente da Associação
Brasileira das Indústrias de Queijo (ABIQ), Fábio Scarcelli. Na última reunião
da Câmara Setorial de Leite e Derivados do Estado de São Paulo, ele informou
que as indústrias queijeiras não estão interessadas em vender para os russos,
pois os preços que estes querem pagar estão abaixo dos custos de produção,
apesar de no momento as indústrias de queijo estarem com estoques altos. Nesse
período, não é normal ocorrer isso; no entanto, mesmo com preços baixos no
mercado interno, o consumo de queijo está baixo. A perspectiva é de que os preços internacionais do
leite caiam, pois a necessidade da União Europeia de encontrar novos mercados,
já que este é um mercado importante, deverá influenciar as cotações. Apesar de algumas áreas e o próprio governo
federal terem se entusiasmado com o embargo russo às carnes e lácteos dos
Estados Unidos e União Europeia, Austrália, Canadá e Noruega, as oportunidades
não são favoráveis a todos os setores envolvidos e há necessidade de cada área
e empresa avaliar, caso a caso, as oportunidades que surgirem. Isso não
invalida as ações anteriores do governo federal de conseguir maior abertura aos
produtos brasileiros da área de proteína animal. Entretanto, há necessidade de
consolidação desse novo mercado sem base num embargo pelo período de um ano,
para se ter garantias de que os investimentos na produção valham a pena. _________________________________________________________ 2MINISTÉRIO DE AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO
- MAPA. Geller anuncia
acordo com Rússia com liberação recorde para exportação. Brasília: MAPA. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/comunicacao/noticias/2014/08/geller-anuncia-acordo-com-russia-com-liberacao-recorde-para-exportacao>.
Acesso em: 14 ago. 2014.1MILKPOINT. Lácteos sem lactose e proteína em pó
foram removidos da lista de produtos proibidos pela Rússia. São Paulo:
MILKPOINT. Disponível em: <http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/comercio-internacional/lacteos-sem-lactose-e-proteina-em-po-foram-removidos-da-lista-de-produtos-proibidos-pela-russia-90762n.aspx>.
Acesso em: 27 ago 2014.
3Op. cit. nota 2.
4MINISTÉRIO DE AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO
- MAPA. Quatro novas plantas
de suínos são liberadas para exportação. Brasília: MAPA. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/animal/noticias/2014/08/quatro-novas-plantas-de-suinos-sao-liberadas-para-exportacao>.
Acesso em: 29 ago. 2014.
5Op. cit. nota 2.
6ZAFALON, M.; FREITAS, T. Crise da Rússia beneficia vendas de carne
brasileira. Folha
de S. Paulo, São Paulo, 7 ago. 2014.
Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/179495-crise-da-russia-beneficia-vendas-de-carne-brasileira.shtml>.
Acesso em: 29 ago. 2014.
7ZALA, C.; ROCHA, A. DO A. Rússia habilita mais de 80 plantas brasileiras
de carnes. Valor
Econômico, São Paulo, 07 ago. 2014.
8SUINOCULTURA INDUSTRIAL. Carne suína: não há como atender aumento imediato da demanda russa. São Paulo:
SUINOCULTURA. Disponível em:
<http://www.suinoculturaindustrial.com.br/noticia/carne-suina-nao-ha-como-atender-aumento-imediato-da-demanda-russa/20140811082844_j_220>.
Acesso em: 26 ago. 2014.
9Entrevista concedida pelo telefone em 28 agosto de
2014.
Palavras-chave: leite, carnes, mercado russo,
importações.
Data de Publicação: 04/09/2014
Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor