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O Protagonismo dos Agricultores nas Feiras Orgânicas na Cidade de São Paulo: experiência no Modelódromo
As feiras orgânicas sempre foram vistas pelo
movimento de agricultura orgânica nacional e internacional como fundamentais
para o avanço deste padrão tecnológico. Atestam isto as feiras sob
responsabilidade das entidades do movimento, como a da Associação de
Agricultura Orgânica em São Paulo, a da Colméia em Porto Alegre, a da Agricultura
Natural em Campinas, entre outras. Por colocar diretamente em contato produtor
e consumidor, estabelecem-se as condições de confiança e credibilidade que
tornam as atividades de troca personalizadas, não impessoais como no mercado
convencional. Do ponto de vista do produtor, ao conhecer seus
consumidores e suas famílias, o comprometimento
com a qualidade orgânica do produto deixa de ser uma exigência burocrática e
legal, para se tornar uma questão ética e de comprometimento pessoal. Além
disso, para atender a necessidade de diversificação dos produtos exigidos pelo
consumidor, torna-se fundamental manter a diversidade do plantio, um dos
princípios básicos da garantia de uma agricultura fortemente independente de
insumos externos para garantir a fertilidade natural do solo e o controle
sanitário. Do ponto de vista do consumidor, a feira permite
conhecer a procedência dos produtos que consome, estimula o consumo de maior
gama de produtos de época, associando a qualidade do produto à região de origem
e ao produtor, incentiva o resgate de produtos tradicionais e/ou novos, e a
valorização do produto a partir das necessidades de quem produz compreendendo
as dificuldades impostas pela natureza. É um evento utilizado pelos
agricultores/feirantes para adquirir/trocar produtos para abastecer sua banca
em atividades de comercialização em outros locais. Nesse sentido, é um entreposto
de comercialização que garante maior diversidade em outras feiras. Do ponto de vista do movimento, o momento da feira
é um local de encontro, troca, difusão de conhecimento, atração de novos
adeptos, integração das questões espirituais, cultura, saúde, ambiente,
educação, alimentação, lazer, gastronomia, esporte, etc., integrando movimentos
sociais diversos, em torno de uma proposta que vai se complexificando pela
integração de visões convergentes. Dentro da perspectiva de redes, é o local
físico em que os diversos atores da rede podem se encontrar de forma semanal. A legislação brasileira de orgânicos reflete a
importância que o movimento dá a esta forma de comercialização para a
agricultura familiar, ao estabelecer na Lei n. 10.831, de 23/12/2003, no art.
3° § 1°, que agricultores familiares participantes de uma organização com controle
social (OCS), não necessitam certificação para comercializar sua produção
diretamente ao consumidor, bastando simplesmente se cadastrar no Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), e garantir a rastreabilidade do produto e o livre
acesso aos locais de produção aos consumidores e órgão fiscalizador. Esta não é
uma forma de certificação estruturada empresarialmente (auditoria) ou pelo
movimento social (certificação participativa). Não existe nenhuma regulamentação
de como estas organizações seriam acompanhadas e/ou assessoradas e o movimento
agroecológico precisa buscar sua forma de trabalhar com esta realidade em cada
local. Há cerca de
um ano e meio, a prefeitura de São Paulo convidou várias entidades do movimento
orgânico do Estado a ajudarem a organizar uma feira semanal nas proximidades do
parque Ibirapuera. A prefeitura estava interessada em promover o mercado
orgânico para os produtores do próprio município localizados na região de
Parelheiros, área de manancial da região sul da cidade. A lei específica da
sub-bacia do Guarapiranga trata diretamente da necessidade dos agricultores da
região fazerem a transição parta a produção orgânica. Criou-se, assim, o
Programa Guarapiranga Sustentável, envolvendo a Secretaria Estadual do Meio
Ambiente e a Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, por meio da
sua Comissão Técnica de Agricultura Ecológica. Esta comissão foi criada na
Secretaria da Agricultura no período em que Walter Lazarini era o Secretário
(1988-1990). O objetivo do programa foi estimular a conversão para produção
orgânica de agricultores, em todos os municípios da sub-bacia do Guarapiranga.
Os trabalhos foram iniciados pelo município de São Paulo. Em São Paulo estruturou-se o programa Água Limpa,
durante a gestão anterior da prefeitura. Além do conjunto de normas para pautar
o período de transição para todos os municípios da sub-bacia, em São Paulo,
foram implantadas as Casas de Agricultura Ecológicas previstas na lei paulistana
de agricultura urbana e periurbana (Lei n. 13.727/04, regulamentada pelo Decreto 51.801/10). Para garantir a
orientação técnica, foram cadastrados os agricultores da região e contratou-se
um grupo de agrônomos para trabalhar. Além disso, tratou-se de abrir espaços de
comercialização em locais privilegiados para os agricultores em
transição (reconhecidos pelo programa Água limpa) e os orgânicos de acordo com a
Lei federal n. 10.831, de 23/12/2003, regulamentado pela Decreto n. 6.913 de
23/07/09. O Fundo Especial do Meio Ambiente (FEMA) lançou editais para que as
entidades do movimento desenvolvessem projetos locais. Foi assim que surgiu o
grupo orgânico de “certificação participativa”, ligado à Associação
Biodinâmica. Foi
neste cenário que surgiu a feira orgânica no local mais nobre da cidade: o Modelódromo,
nas vizinhanças do parque Ibirapuera. Trouxe em seu bojo uma grande inovação
pois, entre as entidades organizadoras, estão não somente as organizações
ligadas ao movimento orgânico nacional (Associação de Agricultura Orgânica - AAO,
Associação Biodinâmica – ABD, Associação Mokiti Okada – AMO, Associação Natural
de Capinas – ANC), mas
também dois movimentos ligados aos consumidores: Instituto Kairós de Consumo
Consciente e movimento Slow Food, que entre outras coisas organizam os “Chefs na Feira” oferecendo algum alimento
elaborado aos frequentadores. Os chefs
têm interesse em produtos tradicionais de qualidade, produzidos perto do
mercado consumidor. A feira reúne
produtores de várias regiões do Estado: Botucatu, região metropolitana de São
Paulo e Campinas, Vale do Paraíba, Ibiúna, Rio Claro, além do sul de Minas
Gerais e também um atacadista certificado que traz produtos da agricultura
familiar de todo país. Estão presentes na feira produtores agroecológicos de
Parelheiros: o grupo com certificação participativa, uma OCS, além da Cooperativa
Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul de São Paulo
(COOPERAPAS), que congrega produtores em estágios diferentes de transição no
projeto Água Limpa. A OCS surgiu depois da implantação da feira, por iniciativa
de um agricultor, que completou seu processo de transição e envolveu outros
dois na mesma situação. Outros produtores da COOPERAPAS poderão completar seu
processo de transição e formar novos grupos ou fortalecer os dois existentes,
para comercializar sua produção como orgânica. A feira logo se
tornou, aos olhos de todos, um local de referência no Estado. A garantia da
qualidade orgânica dos produtos é de responsabilidade do MAPA, mas há de se
reconhecer a limitada capacidade de fiscalização. O movimento orgânico sempre
teve um histórico de autorregulação para suprir a inexistência de
regulamentação pelo poder público, até a implantação da legislação aprovada em
dezembro de 2003. A expansão do mercado traz novos produtores gradativamente ao
mercado. O seu processo de capacitação não se restringe ao campo tecnológico,
mas estende-se também à mudança de valores que norteiam o movimento: o comprometimento
com a saúde do ecossistema e particularmente do homem, condições “justas” de
troca, relações de solidariedade e não de competitividade entre produtores,
protagonismo do agricultor e sua integração ao movimento com comprometimento na
transformação gradativa do padrão hegemônico de produção e de todas as
estruturas que o sustentam, entre outros. Vive-se assim o grande desafio na
megalópole paulista de não se ver o esforço de décadas, realizado pelo movimento
brasileiro e paulista, se perder frente o forte avanço do mercado orgânico. A
feira do Ibirapuera assume, assim, o papel de experiência piloto para se construir
novas relações com o poder público municipal responsável pelo espaço e pela
autorização das feiras e com a esfera federal responsável pela regulação do
mercado orgânico. Recentemente, os
participantes da feira (produtores e consumidores) foram surpreendidos pela
prefeitura de São Paulo (Secretaria de Esportes), responsável pelo espaço do
Modelódromo, informando a impossibilidade de continuidade da feira naquele local.
A informação inicialmente referia-se a um sábado em especial, mas depois passou
a ser permanente. Os agricultores foram gradativamente se mobilizando e
apresentando informações sobre o impacto desta ação: 600 famílias de
agricultores envolvidas e perda direta de 30% das vendas. A prefeitura ofereceu
novos espaços, mas o posicionamento do conselho gestor da feira, formado pelos
feirantes e uma representação de consumidores, assumiu a posição de que qualquer
outra alternativa seria muito bem-vinda, mas deveria ser vista como uma nova
feira, pois todo o investimento feito para consolidar o local na agenda dos
consumidores teria que ser refeito pelos agricultores e pelo movimento que lhes
dá suporte. Novas feiras estão na
estratégia da prefeitura e também do movimento, mas é fundamental que o poder
público compreenda com clareza às condições específicas do espaço adequado para
as feiras orgânicas: barracas dos feirantes
e demais equipamentos para permitir as atividades complementares de cultura,
lazer, gastronômica, etc., incluindo acesso fácil, estacionamento
adequado para os caminhões e para os diversos meios de transporte dos
frequentadores, banheiro público e, acima de tudo, garantia de continuidade do uso
do espaço. Uma proposta adicional interessante a ser analisada e construída
seria desenvolver horta em local próximo, para distribuição àqueles
impossibilitados de adquirir aos preços atuais vigentes. A mobilização para o “#afeirafica” levou ao
cadastramento dos consumidores pelos feirantes, à organização de uma petição no
Avaaz1 que hoje conta com cerca de 4.800
assinaturas, além da mobilização para dialogar com secretários, prefeito e
Câmara de Vereadores. Mostrou aos agricultores a importância da organização e
participação de todos para transformar os posicionamentos do setor publico,
dialogando com firmeza na busca das condições que se fazem necessárias para o
desenvolvimento de suas atividades. A mobilização conseguiu inicialmente um prazo de três
meses adicionais para encontrar solução alternativa. Quando este prazo
(16/08/2014) estava por se encerrar, veio à decisão da prorrogação até o final
do ano de 2014 e a promessa de um decreto que venha a garantir as condições
legais para continuidade da feira no Modelódromo. Paralelamente, está em
processo a viabilização de uma lei suprapartidária garantindo condições de
continuidade e espaços adequados às características da feiras orgânicas na
cidade. As feiras não são simplesmente um espaço de
comercialização de produtos. É um local de
lazer familiar, trocas de conhecimento e de produtos entre produtores, além
de ser referência para troca de informações entre todos os envolvidos com
questões de produção, ambiente, saúde, cultura, gastronomia, nutrição, turismo,
etc., ligadas ao tema da alimentação saudável. Os cafés são sempre o ponto de
encontro agradável e característico. Na feira do Modelódromo desenvolveram-se
também o espaço de pneus para as crianças, as rodas de conversa, o chef na feira todos os meses e, com
certeza, virão outras iniciativas. Se a relação com a prefeitura mostrou as
dificuldades do governo de efetivamente dialogar com a sociedade, colocando-se
a sua disposição como um facilitador dos processos, por outro lado a abertura
para o diálogo, que nem sempre caracteriza a nossa experiência no Estado, mesmo
que difícil, vem possibilitando a formação cidadã das famílias agricultoras, o
desenvolvimento do seu protagonismo social e político na construção de novas
relações entre o público e o privado para viabilização de uma política municipal
efetivamente participativa de feiras orgânicas no município. No dia 22/08/2014 foi publicado o Decreto n.
55.434 da prefeitura de São Paulo2, que dispõe sobre a instalação de
feiras orgânicas e feiras de produtos de transição agroecológica em
equipamentos esportivos da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação,
resolvendo o problema da feira do Modelódromo e abrindo a possibilidade de
novos espaços. 1AVAAZ Petição
da Comunidade. Queremos a permanência da feira orgânica (e seus agricultores)
no modelódromo do Ibirapuera. AVAAZ, maio 2014. Disponível em: <https://secure.avaaz.org/po/petition/Prefeito_ 2SÃO PAULO (Município). Decreto n. 55.434,
de 22 de agosto de 2014. Dispõe sobre a instalação de feiras orgânicas e feiras
de produtos de transição agroecológica em equipamentos esportivos da Secretaria
Municipal de Esportes, Lazer e Recreação. Diário Oficial, São Paulo, 22
ago. 2014. Disponível em: <http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/nav_v4/index.asp?c=1>. Acesso
em: ago. 2014. Palavras-chave: feira orgânica São Paulo, Feira
Modelódromo, protagonismo agricultor agroecológico.
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de_Sao_Paulo_Fernando_Haddad_e_secretario_do_esporte_Celso_Jatene_Volta_da_feira_organica_agricultores_no_Model/?akHjDbb>.
Acesso em: ago. 2014
Data de Publicação: 04/09/2014
Autor(es): Yara Maria Chagas de Carvalho Consulte outros textos deste autor