Biocombustíveis e Commodities Agrícolas

Na última década a produção de biocombustíveis ganhou maior importância ante o desafio de reduzir a dependência em relação ao petróleo com o fomento às fontes de energia renováveis. Nesse sentido, a produção triplicou no período ao alcançar 153,5 milhões de litros em 2014, com o equivalente a 80% de etanol e o restante de biodiesel1.

O emprego de produtos agrícolas para fins de oferta de energia - milho para etanol e óleos vegetais para biodiesel - conduz a considerações sobre a disponibilidade dessas matérias-primas2, 3.

Estudo realizado pela FAO4 mostra que o crescimento da produção de biocombustíveis implica o aumento no consumo de grãos e oleaginosas e que seu preços antes vinculados aos do petróleo pelos insumos passam agora a refletir a cotação do óleo também na comercialização.

O artigo tem por objetivo analisar as perspectivas para produção de biocombustíveis e de suas matérias-primas no âmbito mundial e nos principais países produtores. São utilizadas projeções para o período 2013-22 elaboradas pela OECD-FAO5 para: a) etanol; b) biodiesel; c) grupo de produtos denominado cereais composto por cevada, milho, aveia, sorgo e outros grãos forrageiros; e d) grupo de óleos vegetais composto pelos de canola, soja, girassol, coco, algodão, amendoim e palma. São considerados como proxy o milho para o grupo de cereais e o óleo de soja para o de óleos. Sobre todas as séries são aplicados cálculos de taxas geométricas médias anuais de crescimento.

Para a produção mundial de etanol é esperado crescimento de 4,1% ao ano até 2022, enquanto a de cereais deve aumentar apenas 1,4% a.a. Nos Estados Unidos, que são os maiores produtores de milho e concentram metade da produção de etanol, a taxa de crescimento para o biocombustível é de 3,8% a.a. enquanto para a produção de cereais o país apresenta praticamente a mesma taxa verificada para o mundo (Tabela 1).

O etanol derivado de milho integra o programa Renewable Fuels Standard, instaurado em 2005, com metas de produção para 2022 que incluem o etanol celulósico e o biodiesel. O fomento ao uso de biocombustíveis alterou o suprimento estadunidense do

Tabela 1 - Taxas Anuais de Crescimento da Produção de Cereais, Óleos Vegetais, Etanol e Biodiesel, Países Selecionados, 2013 a 2022

(% a.a.)

País

Cereais

Óleos

Etanol

Biodiesel

Brasil

1,1

2,4

5,1

2,9

Estados Unidos

1,0

1,2

3,8

1,7

União Europeia

-

1,9

-

6,3

Mundo

1,4

2,0

4,1

4,5

Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados de ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD-FAO. Agricultural outlook 2013-22. Paris: OECD. Disponível em: <http://www.oecd.org/site/oecd-faoagriculturaloutlook/database-oecd-faoagriculturaloutlook.htm>. Acesso em: 05 mar. 2014.

 

cereal na medida em que seu emprego para essa finalidade passou de 12% para 38% da demanda total entre 2004/05 e 2013/146.

Para a produção de etanol no Brasil, onde o biocombustível compõe a matriz energética desde os anos 1970, é previsto o aumento mais acentuado à taxa de 5,1% a.a. A expansão no cultivo da cana-de-açúcar deverá suprir as necessidades de matéria-prima, a exemplo do verificado na última década, quando a área colhida e a produção apresentaram acréscimos de 70% e de 79%, respectivamente. Na safra 2013/14 devem ser colhidos 9,9 milhões de hectares7 que deverão proporcionar 27,5 milhões de metros cúbicos de etanol8.

A projeção para a produção de biodiesel no âmbito mundial indica crescimento de 4,5% a.a., ou seja, mais do que o dobro do previsto para a de óleos vegetais, de 2% a.a. Do lado da demanda é possível observar que o emprego de óleos vegetais para fins de produção de energia passou de 15% para 24% da demanda total entre 2004/05 e 2013/149, o que reforça a expectativa de aumento acelerado na produção do biocombustível.

Na União Europeia, que concentra 40% da produção de biodiesel10, é esperado aumento de 6,3% a.a. ante a taxa de 1,9% para a produção de óleos vegetais. A defasagem entre a oferta e a demanda por óleos, inclusive para fins alimentícios, deve ser suprida por importações.

Nos Estados Unidos, que ocupam a segunda colocação no ranking, com 21%, a produção de biodiesel deve crescer 1,7% a.a., enquanto a de óleos, na ordem de 1,2% a.a. O país é o maior produtor de soja em grão e tem o mercado doméstico como o principal destino do óleo, característica que é reforçada com a introdução do biodiesel na matriz energética. Nesse sentido, a fabricação de biodiesel já demanda 25% do consumo total de óleo de soja no mercado estadunidense11.

No Brasil é previsto crescimento de 2,9% a.a. para a produção de biodiesel e de 2,4% a.a. para a de óleos. A introdução do biocombustível na matriz energética a partir de 2005 implicou o uso de óleo de soja como principal matéria-prima e trouxe modificações na demanda do derivado de forma a garantir o abastecimento doméstico. Entre 2005 e 2014 a parcela da produção de óleo de soja destinada a exportação caiu de 46% para 16% enquanto a proporção voltada ao consumo interno saltou de 54% para 84%12.

Dessa forma, as projeções indicam que as produções de etanol e de biodiesel devem crescer a taxas superiores às de suas matérias-primas, cereais e óleos vegetais, respectivamente, com exceção do etanol de cana-de-açúcar do Brasil. Assim, torna-se plausível a expectativa de elevação nos níveis de preços, bem como os efeitos sobre o consumo para fins da produção de alimentos, haja vista a ratificação da importância do segmento energético para a demanda das commodities agrícolas.

 

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1ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD-FAO. Agricultural outlook 2013-22. Paris: OECD. Disponível em: <http://www.oecd.org/site/oecd-faoagriculturaloutlook/database-oecd-faoagriculturaloutlook.htm>. Acesso em: 05 mar. 2014.

 

2BARBOSA, M. Z.; NOGUEIRA JUNIOR, S.; FREITAS, S. M. Agricultura de alimentos x de energia: impacto nas cotações internacionais. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 3, n. 1, jan. 2008.

 

3BARBOSA, M. Z. Óleos vegetais para alimentos ou para biodiesel? Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 6, n. 6, jun. 2011.

 

4FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS - FAO. The market and food security implications of the development of biofuel production. Rome: FAO, 2009. Disponível em: <ftp://ftp.fao.og/docrep/fao/meeting/016/k4477e.pdf>. Acesso em: mar. 2011.

 

5Op. cit. nota 1.

 

6UNITED STATES DEPARTAMENT AGRICULTURE - USDA. World agricultural supply and demand estimates and national agricultural statistics service. Washington: USDA.  Disponível em: <http://www.ers.usda.gov/>. Acesso em: 16 abr. 2014.

 

7INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Levantamento sistemático da produção agrícola - LSPA, 2014. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: jun. 2014.

 

8UNIÃO DA INDÚSTRIA DE CANA-DE-AÇÚCAR - UNICA. Banco de dados. São Paulo: UNICA. Disponível em: <http://www.unicadata.com.br>. Acesso em: 4 jul. 2014.

 

9UNITED STATES DEPARTAMENT AGRICULTURE - USDA. Oilseeds: world markets and trade. Washington: USDA, jun. 2014.  

 

10Op. cit. nota 4.

 

11UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE - USDA Long-term projections, 2012/13-2023/24. Washington: USDA. Disponível em: <http://www.ers.usda.gov/publications/oce-usda-agricultural-projections/oce141.aspx>. Acesso em: 20 jun. 2014.

 

12ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE ÓLEOS VEGETAIS - ABIOVE. Complexo soja: balanço de oferta e demanda. São Paulo: ABIOVE. Disponível em: <http://www.abiove.com.br>. Acesso em: 7 jul. 2014.

Palavras-chave: biocombustíveis, projeções, produção.

Data de Publicação: 15/07/2014

Autor(es): Marisa Zeferino (marisa.zeferino@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor