Anomalia Climática e seus Efeitos sobre as Lavouras Paulistas

 Desde o final de 2013 até a primeira quinzena de fevereiro de 2014, o clima no Centro-Sul do Brasil tem se caracterizado pela escassez de precipitações, baixa umidade relativa do ar e alta incidência de luminosidade. Combinados, provocaram diversos efeitos sobre a agropecuária conduzida em território paulista.

Conforme entidades de monitoramento de dados meteorológicos, em janeiro o volume de chuvas em território paulista ficou bem abaixo dos 200 mm a 250 mm historicamente registrados. No norte do estado, por exemplo, o acumulado registrou entre 50 mm e 100 mm. No leste, sul e oeste, variou de 100 mm a 150 mm. Além disso, a temperatura média foi 3°C a 4°C mais elevada que a normalmente observada.

Na lavoura de cana-de-açúcar, principal cultivo paulista, os efeitos climáticos desfavoráveis poderão afetar sua produção, pois o período de calor sem chuvas é inapropriado ao desenvolvimento da planta. Com a escassez de precipitações, associada às altas temperaturas, a cana poderá não atingir seu potencial, repercutindo em queda na produção.

Nas regiões de Piracicaba, Monte Aprazível, Assis, Capivari e Jaú, segundo os técnicos das associações de fornecedores, a produtividade já está comprometida e, dependendo do tipo de solo, poderá haver redução na produtividade, embora, no momento, não é possível dimensioná-la.

Em Ribeirão Preto, a precipitação foi 71% inferior à prevista para o mês de janeiro, atingindo apenas 88 mm, de acordo com entidade de monitoramento de dados meteorológicos. Apesar de a região ter solo argiloso, que retém mais água, ainda assim a situação é preocupante, uma vez que, desde outubro, as chuvas estão bem abaixo da média. O período em que a cana foi colhida é um outro fator a ser considerado, principalmente se sua colheita ocorrer no início da estiagem.

Em razão dessa estiagem, as áreas de renovação poderão situar-se até 3% abaixo do que nos demais anos, refletindo, consequentemente, na produção das próximas safras. Ainda que as precipitações entrem em normalidade nos próximos meses, e a cana retome seu crescimento, não terá o mesmo desenvolvimento em razão dos dias mais curtos com menor luminosidade.

Na citricultura, segundo cultivo na classificação do valor da produção do estado, a temperatura é importante fator climático ao desenvolvimento dos pomares, sendo bastante suscetível a baixas temperaturas, desde que relativamente prolongadas, enquanto sob altas temperaturas são prejudiciais se associadas à seca1.

Quanto à exigência em água, a deficiência hídrica reflete-se negativamente na quantidade e na qualidade dos frutos. A fase mais crítica, com maior potencial de dano econômico, parece ser a de crescimento rápido do fruto2.

Até a primeira quinzena de fevereiro de 2014, as laranjas tardias da safra 2013/14 apresentaram murchamento, enquanto as frutas da temporada 2014/15 também poderão ser prejudicadas caso não atinjam o tamanho normal, representado pela fase de enchimento da fruta - fase de desenvolvimento. Portanto, se tal situação climática perdurar, isso acarretará frutos menores do que o normal, sendo necessárias mais laranjas para compor uma caixa, afetando diretamente o rendimento da extração de suco.

Entretanto, os citricultores avaliam que é prematuro realizar qualquer estimativa sobre eventuais reduções na safra em função da seca, mesmo porque o efeito dela dependerá também da fase em que estiver o fruto e, não menos importante, das condições em que se encontram os pomares no que tange aos tratos culturais, ou seja, a resposta deve ser muito heterogênea. Ademais, nos casos das variedades precoces, o déficit hídrico pode ser benéfico, na medida em que concentra sólidos solúveis no fruto, aumentando seu rendimento industrial.

Antes da anomalia climática, previa-se que a produção de laranja em São Paulo, na temporada 2014/15, poderia crescer até 20%, por conta tanto da bienalidade quanto da florada abundante no final do ano passado. Todavia, o potencial de expansão da safra, diante da adversidade climática, poderá se reduzir para aproximadamente 15%, isto é, queda de 5% sobre a expansão inicialmente prevista.

Na cafeicultura, quinto item no valor da produção paulista, o levantamento objetivo da safra 2014/153, divulgado em dezembro de 2013, previa colheita de 4.441.520 sacas de 60 kg, representando avanço de 10,76% frente à safra anterior (Tabela 1).  

Até o final de dezembro de 2013, o volume significativo de precipitações ocorridas indicava, com relativa segurança, que se alcançaria expressiva colheita nos cafezais paulistas, tendendo inclusive para o patamar mais elevado do intervalo de confiança estabelecido pelo levantamento.

 

A irregularidade das precipitações, associada à baixa umidade relativa do ar e às elevadas temperaturas registradas nos principais cinturões de cultivo da rubiácea, verificadas entre janeiro e primeira quinzena de fevereiro de 2014, motivou consulta aos extensionistas da CATI, sediados nas principais zonas de cultivo. O intercâmbio de informações resultou em consenso quanto à existência de diminuição na quantidade colhida (renda), da ordem de 10% a 20% nas lavouras mais antigas e de 15% a 20% naquelas de primeira e segunda safras, respectivamente4.

Adicionalmente, o tempo seco impediu que os cafeicultores procedessem ao calendário de adubações recomendado. A maior parte deles realizou apenas a adubação de novembro, alguns poucos a de dezembro e pouquíssimos deles a de janeiro. A má nutrição das plantas poderá agravar os problemas de granação mencionados.

Lavouras instaladas em solos mais rasos já exibem sintomas de ponto de murcha permanente, ou seja, morte da planta. Nos solos mais estruturados, com elevado teor de argila, o fenômeno também ocorre, mas sem ainda produzir a perda de indivíduos. Ademais, mudas levadas a campo entre novembro e dezembro de 2013, mesmo com irrigação de salvamento, exibem entre 20% e 30% de mortalidade, sendo que na região de Franca já se observa perda total desses talhões.

Nas áreas de cerrados, os frutos da parte superior da planta (ponteiro) já entraram em processo de maturação. Como os talhões ainda não foram preparados para a colheita, esses frutos provavelmente virão ao chão e se perderão quando se iniciar a colheita (a partir de maio). Se confirmada essa ocorrência, o potencial de perda saltará para a parte superior do limite estabelecido (20%).

Em termos de variedades, as de ciclo tardio estão mais prejudicadas, pois a estiagem incidiu exatamente no período de enchimento dos frutos. 

 O retorno das chuvas poderá trazer preocupação adicional com o surgimento de doenças que não se tornaram ainda mais danosas em razão da baixa umidade do ar. Há relatos, na região de São João da Boa Vista, de ataque de cercospora. A alta carga pendente, o estresse hídrico e a deficiência nutricional são fatores que tornam bastante provável que doenças assumam proporções maiores assim que a umidade do ar voltar a patamares normais para a época do ano.

Diante desse cenário da produção paulista, procedeu-se, a partir das informações coletadas, ajuste no Levantamento de Previsão de Safras do IEA/CATI de novembro último, estabelecendo novo patamar de colheita de 3,77 milhões de sacas de 60 kg, com limite inferior de 3,36 milhões de sacas de 60 kg e superior de 4,21 milhões de sacas de 60 kg para o superior (Tabela 1).

A produção paulista de milho em 2014 foi estimada em 3,2 milhões de toneladas, enquanto para a soja, a perspectiva era de crescimento da produção, alcançando 2,13 milhões de toneladas (Tabela 2). Para ambas as culturas, os efeitos da ausência de chuvas regulares concorrem para criar expectativa de redução nas respectivas produções. Em razão das diferenças na incidência pluviométrica entre as regiões e culturas, são adotados três cenários para as estimativas de perdas.

As produtividades médias obtidas entre 2011 e 2013 compõem o cenário 1. Neste caso, a produção de milho poderia ser reduzida em 8% e a de soja em 10%. Este é o cenário mais otimista, haja vista a previsão inicial de crescimento nas colheitas em relação às dos anos anteriores (Tabela 2).

No cenário 2 foi considerada a produtividade da previsão de novembro de 2013, de 6.341 kg/ha da cultura de milho, e de 3.138 kg/ha para a de soja. Assim, a produção do cereal deve ser de 2,59 milhões de toneladas, e a da oleaginosa, 1,54 milhão de toneladas. No cenário mais pessimista, cenário 3, as produções devem sofrer retração da ordem de 30%, totalizando 2,27 milhões de toneladas de milho e 1,49 milhão de soja.

Os efeitos trazidos pela estiagem nas lavouras devem acirrar a redução na oferta paulista de milho, haja vista a diminuição de 7,5% na produção prevista no 2º Levantamento de Previsão de Safras do IEA/CATI de novembro último. Para a sojicultura, os fatores climáticos devem frustrar a expansão de seu cultivo que tem apresentado mercados com demanda crescente (brasileira e mundial).  

Nas lavouras de amendoim, a seca pode comprometer a formação das vagens, o desenvolvimento dos grãos e a ocorrência de fissuras na casca que favorecem a contaminação do grão por fungos causadores da aflatoxina.

Nessas condições, fica evidenciada a possibilidade de redução da produtividade e do comprometimento da qualidade do grão, resultando na retração da oferta e queda dos preços devido à baixa qualidade.

 

Porém, esses efeitos e resultados podem ser minimizados se a planta voltar a ter oferta de água, uma vez que o amendoim é capaz de retomar seu ciclo de desenvolvimento. Assim, para a safra das águas 2013/14, a época de plantio e a região podem determinar os impactos do recente período de seca.

A adoção de plantios escalonados é rotina na cultura do amendoim. Particularmente para essa safra, eles podem ser agrupados em três períodos: o inicial, que compreende os plantios realizados entre a segunda quinzena de setembro e a primeira quinzena de outubro; o intermediário para plantios entre a segunda quinzena de outubro e a primeira de novembro; e os plantios tardios para o período entre a segunda quinzena de novembro e o início de dezembro.

Nas duas principais regiões produtoras, as épocas de plantio foram adotadas de forma distinta. Na Alta Mogiana, as lavouras foram distribuídas nos três períodos e os resultados da colheita inicial apresentam aderência aos registrados nas safras anteriores. No plantio intermediário, são esperadas perdas e, no plantio tardio, as condições climáticas das próximas semanas determinarão seus resultados.

Dessa forma, esses elementos ajustam expectativas de perda da produção entre 15% e 20% para a região. Na Alta Paulista, a seca foi mais acentuada e prevaleceram os plantios intermediário e tardio, fatores que apontam para a estimativa de perda da produção em torno de 30%.

Neste cenário com expectativas de redução da oferta, a tendência é de aumento de preços. Mas, o comprometimento da qualidade do grão tanto física quanto sanitariamente restringirá o fornecimento ao mercado externo para o grão descascado, direcionando a produção ao mercado de óleos e repercutindo em menor remuneração ao produtor.

Na principal região produtora de mandioca industrial, Médio Vale do Paranapanema, a estiagem que se prolonga por mais de dois meses dificultou seu arranquio, exigindo maior dependência de máquinas nessa operação. Porém, praticamente não há mais mandioca da safra velha em campo.

Quanto à mandioca nova (com até um ano de plantio), deverá ser arrancada a partir de março, quando começa a melhorar seu rendimento industrial (aumento da concentração de amido). De acordo com informações de negociantes da raiz na região, as culturas estabelecidas nos meses finais de 2013 encontram-se visualmente com bom aspecto. Contudo, como o processo de tuberização (armazenamento de fécula nas raízes) ocorre a partir dos 2 a 3 meses após o plantio, essa estiagem no início do ciclo de desenvolvimento da cultura poderá afetar em algum nível a produtividade esperada.

As hortaliças são grupos de culturas agrícolas que mais precisam de irrigação. No entorno da capital (200 km) está a maior parte da produção de folhosas e legumes. Nas regiões das encostas das serras do Mar e da Mantiqueira já está previsto o racionamento de água nas cidades. Os municípios do Alto Tietê e aqueles da Serra do Paranapiacaba (Ibiúna, Piedade até Capão Bonito), em razão do racionamento implantado, já não possuem água suficiente para irrigação.

Devido aos altos preços praticados para o tomate de mesa ao início de 2013, houve forte aumento da área cultivada. Todavia, com o excessivo calor a maturação dos frutos foi acelerada, havendo perdas no campo e preços baixíssimos, devido à perda de qualidade. Entre fevereiro e março se realiza a semeadura do tomate para indústria. Portanto, esse cultivo não foi ainda afetado pela estiagem. Do mesmo modo, a semeadura da batata colhida na seca iniciou-se em janeiro e deverá se encerrar em fevereiro. Com a estiagem, esse calendário deverá ser atrasado. Finalmente, a cebola, cujos bulbinhos e semeadura direta começariam em fevereiro, tende a ser adiados até que o clima retorne a sua normalidade.

Alguns produtores de leite já apontam problemas em sua produção, pois grande parte dos pastos está seca. Os meses do verão constituem o período do ano em que a pecuária leiteira deveria ter à disposição pastagens de boa qualidade, graças ao volume de precipitações, característico da época. Esta condição garantiria a produção de volumosos necessários para resultar em maior produção de leite. Todavia, sob efeito da estiagem, os pastos encontram-se muito fibrosos, tendo seu valor nutricional comprometido e insuficiente para a alimentação do animal. Isso afeta a produtividade do leite principalmente se a alimentação não for suplementada com silagem.

Entre os produtores de leite, a alimentação suplementar via utilização de silagem não é 100% praticada. Assim, aqueles que não contam com silagem para garantir a suplementação de alimento para o gado, caso continue a ausência de chuvas, deverão ter sua produção comprometida em plena safra.

Segundo informações de técnicos do setor, alguns produtores que tinham silagem disponível começaram a usá-la. Os que não contam com estoques estão enfrentando problema da falta de matéria-prima em condições ideais de processamento, pois o milho utilizado para silagem passou do ponto ideal de processamento.

Técnicos apontam que algumas regiões já vêm observando queda na produção no mês de fevereiro e a tendência é que, se as chuvas não vierem logo, ela poderá cair até 10% em relação ao mês de janeiro. Porém, as previsões meteorológicas para todo estado já sinalizam chuvas para o mês de fevereiro e se isso ocorrer e o volume das chuvas for suficiente, as pastagens se recuperarão rapidamente e a produção se normalizará.

 

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1MONTENEGRO, H. W. S. Clima e solos. In: RODRIGUES, O.; VIEGAS, F. C. A. (Coords). Citricultura Brasileira. Campinas: Fundação CARGILL, 1980. p. 227-240.

 

2WESTPHALEN, S. L. Contribuição ao zoneamento agroclimatológico de citrus no Rio Grande do Sul.  [S.l.: s.d.], 17 p. (mimeografado).

 

3CAMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO – CONAB. Banco de dados.  Brasília: CONAB. Disponível em: <http://www.conab.gov.br>. Acesso em: jan. 2014.

 

4Em condições climáticas adequadas para o desenvolvimento dos frutos, uma saca de café em coco deveria pesar 44 kg e render entre 20 kg e 22 kg de café beneficiado. Sob os efeitos da estiagem, na média dos cinturões produtivos, estima-se que a renda deverá situar-se entre 18 kg e 20 kg por saca em coco beneficiada.


Palavras-chave: estimativa de safra, quebra de safra, veranico.

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Data de Publicação: 18/02/2014

Autor(es): Carlos Roberto Ferreira Bueno Consulte outros textos deste autor
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