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Exortação à Qualidade
Talvez o fato mais marcante na trajetória recente da
economia brasileira foi a mudança no modelo de crescimento econômico. Há 20
anos, quando ainda prevalecia a visão autárquica, a corrente de comércio
internacional brasileira (exportações + importações) somava apenas US$54
bilhões. Desde então a trajetória desse indicador assumiu escalada quase que
exponencial, pois, até outubro de A contribuição das exportações na evolução registrada na
corrente de comércio brasileira não se concentrou em itens específicos de sua
pauta de comércio exterior, mas, pelo contrário, se disseminou pelos mais
diversos ramos da economia, com predomínio das mercadorias originadas dos
chamados agronegócios. Esse aspecto tem motivado intenso debate nos círculos
especializados sobre a ocorrência ou não de uma inserção regressiva do país no
comércio internacional, derivado de um suposto fenômeno da reprimarização da
pauta de exportações. O agronegócio café possui longo histórico de agregação de
valor à matéria-prima (café verde) em território nacional. Ainda nos anos 1960,
tiveram grande impulso a implantação e expansão no país da agroindústria de
solubilização. Esse segmento logrou importantes e sucessivas conquistas como a
introdução do hábito de consumo de café no Japão, Rússia e outros países do
antigo bloco soviético, e mais recentemente em Hong Kong e Coreia do Sul.
Especialmente no Japão, o mercado para o café desde meados dos anos 2000 já
suplanta o do chá como principal bebida quente consumida. Todavia, o êxito da agroindústria de solubilização começa
a se reverter a partir da segunda metade dos anos 1990, com acentuada perda de
competitividade. Razões de ordem macro e microeconomia atuaram negativamente
sobre o segmento, como: a) valorização cambial do real; b) política fiscal com
incidência de tributos sobre as transações internacionais (PIS/COFINS); c) elevado
custo da energia elétrica inviabilizando a produção do solúvel liofilizado3
que é a fatia mais dinâmica e de maior valor nesse mercado; d) cotações do
conilon no mercado interno acima das praticadas na Bolsa de Londres com
concomitante impedimento da realização de operações reguladas pelo regime de drawback; e) marco regulatório
incompatível com as necessidades estratégicas das transnacionais do segmento
que desviam do país seus novos investimentos em unidades fabris; e f)
incidência de alíquota tributária sobre o solúvel originado no Brasil para ingresso
nos membros da União Europeia e Japão4. Em contrapartida, importante iniciativa foi a aproximação
entre Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC) com a Agência de
Promoção das Exportações (APEX), no sentido de dinamizar as transações
internacionais envolvendo o café torrado e moído (T&M). Assim, em 2002,
surgiu o Programa Setorial Integrado (PSI-Café), visando promover transações de
café torrado e moído, torrado em grão e solúvel com clientes no exterior. Desde
então foram investidos aproximadamente R$50 milhões5 em iniciativas
como: a) apoio para a participação de
empreendedores em feiras e rodadas de negócios tanto no Brasil como no
exterior; b) projetos para melhoria da imagem dos Cafés do Brasil; c)
aproximação com grandes redes supermercadistas de atuação global; e d)
estabelecimento de intercâmbios com compradores chineses. Entre 20 e 30
torrefadoras participam do PSI com resultados insatisfatórios6, em
parte, similares àqueles já listados que incidem sobre o segmento de
solubilização. A relativa estagnação das iniciativas de avanço na cadeia
de valor por meio da transformação do café verde em solúvel ou T&M, visando
sua colocação entre os consumidores nos mercados dos países centrais, não
interditou as possibilidades de aumento dos ganhos na comercialização do café
verde. A segmentação do verde fez surgir novos padrões de cafés, socioambientalmente
mais sustentáveis e, ainda, aderentes às crescentes exigências dos torrefadores
e traders internacionais em termos de
vincularem suas marcas aos produtos que menos agridam ao meio ambiente7. Na atualidade, uma simples análise das médias das
cotações não é mais suficiente para compreender a dinâmica que os preços
assumiram. Por crescente imposição dos mercados demandantes, à mercadoria
estrito senso (café) se agregou estoque formidável de informações adicionais.
Tomando a noção da qualidade em um contexto mais abrangente, houve um salto no
patamar desse quesito. Fatores envolvendo desde o pós--colheita (descascados,
lavados), certificações (socioambientais, de causa e de crença) e alcançando o
método de preparo (espresso), pouco passou a representar a cotação média, seja
aquela divulgada pela Bolsa de Nova Iorque ou aquela exibida diariamente nos
monitores da BM&F. Essa nova configuração dos preços decorre da ampla
segmentação do produto café sob o ditame da qualidade. No agronegócio café, considerando o ano safra julho de O prêmio de preço recebido pelos cafeicultores que introduziram
descascadores nas instalações de preparo é uma realidade no mercado. No período
janeiro de
Na comercialização do arábica, desde que esse mercado
estruturou a maneira de formação de seus preços (implantação do Contrato C na
Bolsa de Nova Iorque), todas as demais origens e tipos passaram a guardar
relação com esse padrão independente da praça de comercialização. Os agentes de
mercado, ao arbitrarem diferenciais negativos para os naturais brasileiros,
transmitem a informação de que esse produto não exibe a mesma qualidade daquela
que é referência para o mercado (Contrato C). As cotações oscilam conforme a
qualidade Assim como os descascados, os cafés diferenciados12
também têm avançado na cadeia de valor desse negócio. Tabulação especial,
desenvolvida pelo CeCafé, indica que a participação desses cafés na formação do
saldo cambial do país, decorrente das exportações desse produto, constitui-se
numa nova realidade desse mercado. No ano safra 2010/11, por exemplo, foram embarcados
9,76 milhões de sacas de arábicas dessa categoria (que inclui CD e lavados),
contabilizando receita de US$2,7 bilhões. A menor oferta de produto (ciclo
bienal de baixa) refletiu-se nos embarques no ano safra 2011/12, em que foram
transacionadas com o exterior 4,90 milhões de sacas com resultado cambial de
US$1,66 bilhão. O fenômeno que mais merece destaque consiste nos preços médios
desse produto que, no caso do arábica, foi de US$274,88/sc. nas safras 2010/11
e US$339,05/sc. para 2011/12 (US$79,00 e
US$75,11 acima da cotação do produto convencional) (Tabela 1). Tabela
1 –
Exportação de Café de Perfil Diferenciado, Brasil, Ano safra 2010/11 Arábicas Conilon Total Quantidade (sc.) 9.795.583 205.626 10.001.209 Valor (US$) 2.692.588.420 30.296.353 2.722.884.774 Preço médio dif. (US$) 274,88 147,34 272,26 Preço médio conv. (US$) 195,88 125,63 189,67 Ano safra 2011/12 Arábicas Conilon Total Quantidade (sc.) 4.903.999 258.018 5.162.017 Valor (US$) 1.662.693.366 44.441.349 1.707.134.716 Preço médio dif. (US$) 339,05 172,24 330,71 Preço médio conv. (US$) 263,94 134,67 254,99 Fonte: CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL -
CeCafé. Tudo sobre a safra 2011-2012.
São Paulo, 2012. 59 p. As estatísticas revelam que a qualidade para o verde é a
chave para ingressar em patamares de melhor remuneração para o produtor, tanto
no arábica como no conilon. Excetuando os cafés transacionados pelo selo de
comércio justo que possuem piso para a baixa de preços, os demais continuam
oscilando conforme os humores do mercado internacional, mantendo, porém,
diferenciais que são muito expressivos, sobretudo após a conversão para reais
em já adiantado ciclo de depreciação de seu valor. Certamente há que debitar os
custos relativos à certificação13, sendo essa a principal barreira
para que mais cafeicultores adentrem nesse mercado diferenciado pela informação
carreada com o produto. Os gestores da política cafeeira, atentos a esse fenômeno
e buscando incrementar o rol de produtores certificados, introduziram linha de
custeio no FUNCAFÉ com dotação de R$50 milhões, visando amparar as estratégias
pautadas pela certificação (conforme Resolução CMN n. 4.099, de 28/06/2012): b) itens financiáveis: tratos culturais e colheita das
lavouras, incluindo as despesas com aquisição de insumos, mão de obra,
operações com máquinas e equipamentos, arruação, transporte para o terreiro e
secagem, e certificação de cafés, observado o orçamento apresentado pelo
produtor14. A linha de financiamento encontra-se em fase de
contratação, mas se espera que tenha grande demanda por parte dos
cafeicultores, pois não é mais possível esconder o formidável resultado econômico
do processo, quer como aqui visualizado (comercialização), quer pela dinâmica
da modernização da gestão do empreendimento (aspecto não apreciado, porém,
igualmente decisivo), que somados tornam a exploração tenazmente competitiva. ______________________
1Este trabalho compõe a segunda parte do
artigo com o título “Vitimados pelo êxito”. Os autores agradecem as críticas e
sugestões dos pesquisadores Rejane Cecília Ramos e Antônio Ambrósio Amaro.
2BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN. Média de janeiro a maio de 2013. Brasília:
BACEN, 2013. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pec/Indeco/Port/ie5-03.xls>.
Acesso em: 18 jun. 2013.
3Existem dois métodos de
industrialização do solúvel: a) a quente utilizando vaporizadores (dry); e b) a frio com emprego da
liofilização (freeze). Nesse último
método, o consumo de energia elétrica chega a triplicar frente ao preparo a
quente.
4VEGRO, C. L. R. et al. Restrições à
exportação de café torrado e moído. Organizações
Rurais Agroindustriais, Lavras/UFLA, v. 7, n. 2, p. 214-226, 2005. Um
obstáculo relevante na constituição de uma plataforma de exportações de T&M,
no Brasil, consiste na postura das transnacionais do segmento e sua política de
divisão dos mercados entre as filiais.
5Desse desembolso total, 50% foi
recolhido diretamente ao programa pelos participantes do projeto.
6Em
2011, as exportações de T&M somaram US$23,6 milhões. Até outubro de 2012,
esse montante tinha atingido os US$14,9 milhões. A difusão das máquinas de
preparo da bebida por dose incrementou as importações de cápsulas. No ano safra
2011/12, o Brasil importou US$42,8 milhões em T&M e, portanto, a balança
comercial de T&M brasileira já opera no déficit. Os embarques de T&M
para a UE são tributados ad valorem
em 7,5%.
7Transnacionais
já anunciam prazos para que 100% de suas aquisições serão de cafés
sustentáveis. Dentre elas, Nespresso, Starbucks e Kraft. Contabilizando
essas demandas, acredita-se que em 2015 cerca de 25 milhões de sacas sejam
comercializadas mediante algum tipo de certificação acreditada
internacionalmente.
8ESTATÍSTICAS DOS MERCADOS FÍSICO E
FUTURO - BM&F. Café. Bolsa
Mercantil e Futuros, São Paulo, 2004. 64 p.
9BRASIL. Ministério da Agricultura
Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Produção e Comercialização. Informe Estatístico do Café, dez. 2003.
Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/vegetal/Estatistica/Informe%20Estat%C3%ADstico%20do%20Caf%C3%A9%202002-2003.pdf>.
Acesso em: jun. 2013.
10CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO
BRASIL - CeCafé. Tudo sobre a safra
2011-2012. São Paulo, 2012. 59 p.
11Em 2003/04, houve um grande esforço de
gestão de lideranças CeCafé pelo reconhecimento da qualidade do café brasileiro
na NYBOT. Após receber o aceite por parte dos árbitros americanos que
constataram que o produto estava em condições de ser transacionado naquela
bolsa, lobby liderado por
representantes dos centro-americanos e da Colômbia no senado americano sustou a
iniciativa. Em 2010, por contingências do próprio mercado, essa barreira foi
definitivamente superada, quando o produto brasileiro será aceito para entregas
na NYBOT. A próxima batalha consiste na redução dos spreads entre as demais origens e os cafés do Brasil.
12Constituem os cafés diferenciados os
produtos certificados, lavados, descascados, gourmet (bebida mole), orgânico, cafés vencedores de concursos,
declarados nos Certificados de Origem OIC emitidos na exportação de café.
13Obter um certificado de café socioambientalmente
sustentável pode demandar investimento entre US$5 a US$30 mil dependendo da
entidade certificadora. Assim, é necessária
média escala produtiva capaz de amortizar esse desembolso em prazo aceitável.
14BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN. Resolução
CMN n. 4.099, de 28-6-12. Altera
as condições das operações de crédito rural ao amparo de recursos do Fundo de
Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé). 28 jun. 2012. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=Res&ano=2012&numero=4099>. Acesso em: jun. 2013.
Palavras-chave: qualidade do café,
prêmio por qualidade.
Data de Publicação: 28/06/2013
Autor(es):
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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