Artigos
Concentração Produtiva na Atividade Canavieira?
No
início dos anos 1990, quando o governo brasileiro iniciou um processo de maior
abertura econômica, a competição ampliada pelo acesso das empresas estrangeiras
ao mercado nacional tornou as privatizações, as fusões e as aquisições os
principais instrumentos usados pela economia no intuito de acompanhar o
acelerado processo de modernização globalizadora daquela década1.
Nestes movimentos de reestruturação econômica, a verticalização de elos de
produção também levou a concentração de muitos setores para as mãos de poucos
grupos empresariais. Para ocupar o espaço gerado com a escassez de dinheiro
público, financiamentos também passam a ser buscados, com a emissão de papéis
das empresas no mercado financeiro. No
setor sucroalcooleiro, instituições especializadas como a Brasil Álcool S/A e a
Bolsa Brasileira de Álcool (BBA) são algumas das que surgem nessa recente
formatação organizacional para autorregular os preços agora liberalizados.
Investidores americanos, europeus, japoneses e de muitas outras nacionalidades -
pessoas físicas e jurídicas – anexam capitais na requerente expansão da
atividade canavieira com os aumentos das demandas de açúcar no mercado
internacional e de álcool combustível no mercado interno e
externo.
Barreiras às entradas nos negócios do setor são cada vez maiores, devido aos
altos volumes de capitais fixos exigidos com a grande intensidade de inovações
mecânicas, físico-químicas e biológicas instaladas e precisadas pelas
tecnologias de informação em todos os elos da cadeia produtiva. São novas
densidades técnicas que passam a possibilitar a tão propalada diversificação de
produtos derivados (açúcar líquido, levedura, bagaço e outros) no setor. E para
atingir certo grau de produtividade, as já comentadas verticalizações, fusões e
aquisições concentram, dia após dia, em poucas mãos, a atividade canavieira,
demonstrando a competitividade vigorante principalmente nos últimos dez anos. No
caso das empresas de gerência tipicamente familiar e de capitais regionais,
acostumadas com escalas pouco competitivas e uma linha de produtos limitada à
produção do açúcar ou do álcool – situação alimentada por longos anos de
proteção estatal e agravada pelas falhas de mercado e pela instabilidade
macroeconômica –, estas têm perdido participação no setor, em especial pela
venda de seus ativos às empresas que flexibilizaram suas gestões, anexaram
inovações ou para novos atores – principalmente de capitais internacionais - que
vislumbram altos retornos com volumosos investimentos em parques produtivos e
abertura de canaviais2.
Durante os anos 1990, o setor de alimentos foi o mais ativo na execução de
fusões e aquisições no território brasileiro: mais da metade destas transações
se fez com o uso do capital estrangeiro3. No setor de
cana-de-açúcar,
Chega-se a 2011 e 20% das agroindústrias se concentram nas mãos de 12 grupos
empresariais (Tabela 1) e suas territorializações passam a se conformar como
ramificações do circuito espacial de produção canavieiro que, materializando-se
enquanto sistemas de objetos e ações, ocupam e hegemonizam áreas regionais na
hinterlândia de suas unidades agroindustriais. Tabela 1 - Principais
Grupos Empresariais no Setor Sucroalcooleiro, Brasil, 2011
Contudo, é importante manifestar que esse processo de concentração não pode
mascarar a existência de uma diversidade de atores no setor. Ou seja, 80% das
indústrias de açúcar e álcool ainda atuam na rabeira do processo mais moderno em
que estes grupos mais vultosos estão inseridos, o que conforma uma diferenciação
no setor por meio de sua divisão técnica e organizacional.
Defasada tecnologicamente, existe, por exemplo, uma quantidade de usinas de
pequeno porte, tanto no centro-sul como no Norte-Nordeste, que pouco interesse
de incorporação aos grandes grupos tem apresentado. Assim, quando se retrata
também o processo de concentração à montante, com a aquisição de terras para o
plantio da cana pelos grandes grupos econômicos, deve-se atentar para a
magnitude da diversidade técnica e organizacional dos fornecedores de cana e às
disputas intercapitais travadas entre estes e os
usineiros7. Desta
forma, essas considerações indicam que a concentração é ainda um apontamento
dado por alguns grandes grupos segundo interesses reforçados principalmente por
verticalizações à jusante do processo agroindustrial. Tudo isso reforça a
atuação das tradings internacionais atuantes no setor via escoamento
principalmente de açúcar aos mercados demandantes mundo afora, como também
apresentam oportunidades de internacionalização dos agentes mais capitalizados
nacionais. Com a expansão da última década da
cana-de-açúcar tendo acontecido com uma inversão maior para o etanol, para
garantir e ampliar o funcionamento de seus sistemas de engenharia açucareiro
numa escala lucrativa, grupos como Louis Dreyfus, Tereos, Bunge, ETH Bioenergia
(Odebrecht), Sucden e outros aplicaram altos investimentos em incorporações,
parcerias e projetos greenfield na área de industrialização da
cana-de-açúcar. Desta forma, diante de uma ampliação da divisão internacional do
trabalho acarretada pelo aumento exponencial do intercâmbio no setor
sucroalcooleiro, regiões e localidades antes tradicionais em outras culturas
agropecuárias mudam suas tessituras, anexando em seus territórios conteúdos
técnicos desse circuito espacial de produção cada vez mais
globalizado. _________________ 2BACCARIN, J. G.;
GEBARA, J. J.; FACTORE, C. O. Concentração e integração vertical do setor
sucroalcooleiro no centro-sul do Brasil entre 2000 e 2007. Informações
Econômicas, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 17-28, mar. 2009.
3Op. cit. nota
1.
4PIACENTE, E. A. Perspectivas do
Brasil no mercado internacional de etanol. 2006. 173 p. Dissertação
(Mestrado em Engenharia Mecânica) - Universidade de Campinas, Campinas,
2006.
5ROSÁRIO, F. J. P. Competitividade e
transformações estruturais na agroindústria sucroalcooleira no Brasil: uma
análise sob a ótica dos sistemas setoriais de inovações. 2008. 213 p. Tese
(Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
6SIQUEIRA, P. H.
L. Determinantes da competitividade da agroindústria processadora de
cana-de-açúcar das regiões do Triângulo Mineiro e Alto Parnaíba (MG). 2004.
97 p. Dissertação (Mestre em Economia Aplicada) - Universidade Federal de
Viçosa, Viçosa, 2004.
7VIAN, C. E. F.;
CORRENTE, K. C. Os meios de difusão de informações setoriais no complexo
agroindustrial canavieiro nacional: um estudo prospectivo e uma Agenda de
pesquisa. Revista de História Econômica e Economia Regional Aplicada,
Juiz de Fora, v. 2, n. 2, p. 91-108, jan./jun. 2007. Palavras-chave: concentração produtiva,
cana-de-açúcar, Brasil.
Além
da construção de novas unidades agroindustriais, pela pujança de investidores
estrangeiros - que preferem adquirir ativos já em funcionamento, sem interrupção
dos parâmetros normativos autóctones -, dissipam-se atos de fusões e aquisições.
Desta forma, configuram-se sistemas de ações que reduzem os custos de expansão
destes grupos empresariais (por meio da aquisição de economias de escala),
viabilizando suas ampliações em ciclos temporais mais curtos. Facilidade no
lançamento de novos produtos, celeridade na obtenção de patentes e licenças,
remoção de barreiras à entrada, garantia de utilização de bases e canais de
comercialização já instalados, e agilidade da expansão geográfica são elementos
que pesam em favor da opção pela fusão ou aquisição de sistemas de engenharia
pré-existentes no ato de instalação de investimentos internacionais no setor
sucroalcooleiro.
Ações
de incorporações nos anos 1980 pelo grupo Cosan (com a compra das Usinas Santa
Helena, São Francisco e Ipaussu) deram o pontapé inicial neste desenrolar do
movimento de concentração no setor4. Nos anos 1990, o primeiro
registro de grande vulto deste tipo de ação desencadeado com a reestruturação
produtiva aconteceu em 1995, quando a Balli Group, trading de capitais
predominante inglês e iraniano, realizou um joint venture e incorporou
parte das ações da Usina Santa Elisa, localizada em Sertãozinho, na região de
Ribeirão Preto (a mais importante do setor no território nacional)5.
Neste mesmo ano, um consórcio paulista adquiriu a Usina Santa Lydia, no
município de Ribeirão Preto. De 1996 a 2000, em torno
de dez novas incorporações de agroindústrias canavieiras foram realizadas entre
fusões e aquisições6. Aprofundando este processo, de 2000 a 2010, 55
incorporações de unidades de processamento e verticalizações às suas montantes
(como as compras de terras para autofornecimento) ou jusantes (a posse de usinas
por tradings atacadistas de açúcar) foram feitas via fusões, aquisições,
arrendamentos e joint ventures.
Fonte: ANUÁRIO DA CANA. Safra 2010/2011. Volumes
Centro/Sul e Norte/Nordeste. Ribeirão Preto: PROCANA, 2011.
Grupo
empresarial
Número de
agroindústrias
Cosan
(Raízen)
LDC SEV
Usaçúcar
Farias
Eth
Bionergia
Bunge
Tércio
Wanderley
Tereos (Açúcar
Guarani)
Carlos
Lyra
Infinity
Bionergia
Aralco
BP
Biofuels
1SIQUEIRA, P. H. L.; CASTRO
JÚNIOR, L. G. Fusões e aquisições das unidades produtivas e da agroindústria de
cana-de-açúcar no Brasil e nas distribuidoras de álcool hidratado etílico.
Revista de Economia e Sociologia Rural, Brasília, v. 48, n. 4, p.
709-735, 2010.
Data de Publicação: 19/09/2012
Autor(es): Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor