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Novas Regras nos Leilões de Biodiesel: a rentabilidade das usinas e a contratação de agricultores familiares
O 25º Leilão Regular de Biodiesel foi regido pela Portaria n. 29 de 31 de janeiro de 2012 do Ministério de Minas e Energia (MME)1, que manteve a modalidade eletrônica mas modificou os critérios utilizados nas estimativas de demanda e na formação do preço máximo de referência do biocombustível. Desde 2008, os leilões são coordenados em dois lotes: o primeiro, no qual 80% da demanda por biodiesel é suprida pelas usinas que realizam contrato de fornecimento com agricultores familiares, sendo, portanto, detentoras do Selo Combustível Social; e o segundo lote corresponde aos demais 20% da demanda, no qual participam dos certames tanto as usinas portadoras do Selo quanto as que não possuem o certificado. A partir de agosto de 2011, nos 23º e 24º leilões pertinentes ao suprimento do mercado no último trimestre de 2011 e primeiro de 2012, cada um dos dois tradicionais lotes (1 e 2) foram subdivididos em cinco lotes regionais e passaram a ser ponderados pela estimativa do consumo de diesel de cada região geográfica, e não mais pela demanda em nível nacional (ou agregada) como ocorrera até o 22º leilão. A portaria de 2012 manteve a subdivisão dos lotes nos leilões regulares, advinda em agosto de 20112, mas a estimativa de demanda regional (os volumes a serem ofertados nos lotes 1 e 2) passou a ser 'diretamente proporcional à participação média de cada região nas vendas de óleo diesel pelas distribuidoras em relação ao período de entrega do ano anterior'. A demanda por biodiesel para suprimento do mercado no primeiro semestre de 2012 foi estimada em 1.350 mil m3. Pouco acima (7,14%) da verificada para o mesmo período de 2011 (1.260 mil m3)3. Comparando o biodiesel negociado no 24º leilão (para suprir a demanda do primeiro trimestre) e o transacionado no 25º (que fecha o semestre), verifica-se que, com exceção da demanda nordestina, que retraiu 4,5%, as demais aumentaram (Tabela 1). O maior acréscimo coube à região Sudeste (15%), cuja participação na demanda do país passou de 42% para 44%. Tabela 1 - Demanda por Biodiesel por Região Geográfica, Primeiro Semestre de 2012 Uma mudança, não explicitada na atual Portaria do MME, mas visível no edital do 25º leilão, é a coerência dos Preços Máximos de Referência (PMR) em relação à Teoria da Demanda, que predomina no livre mercado. Embora essa movimentação de preços seja comumente esperada, ela não é comum no mercado de biodiesel, o que pode ser exemplificado pela comparação entre os 23º e 24º leilões, referentes, respectivamente, ao último trimestre de 2011 e primeiro de 2012. De acordo com a tabela 1, excetuando-se a região Centro-Oeste, embora a demanda por biodiesel no primeiro trimestre de 2012 (24º leilão) tenha decaído com relação à demanda do último trimestre de 2011 (23º leilão), os PMR também decaíram (Tabela 2). Já no 25º leilão, os PMR declinaram em todas as regiões em que a demanda aumentou, e o acréscimo no PMR do Norte (0,5%) pode ser atribuído ao declínio da demanda (Tabelas 1 e 2). Tabela 2 - Preços Máximos de Referência dos Leilões de Biodiesel por Região Geográfica, Out./Dez. de 2011 a Abr./Jun de 2012 Como nos leilões eletrônicos a demanda é igual à oferta, infere-se que até o 24º leilão a ANP elaborava os PMR fundamentando-se na Teoria da Produção, na qual a curva de oferta tem um movimento inverso ao da curva de demanda, para que ambas possam se 'cruzar' no preço de equilíbrio, os seja, no PMR. Nesse sentido, até o 24º leilão a capacidade instalada para a produção de biodiesel, enquanto indicativo do potencial de oferta, estaria sendo considerada na elaboração dos PMR regionais, os quais são menores no Sul e no Centro-Oeste, onde a capacidade instalada para produção de biodiesel está muito acima da demanda regional (Tabela 2 e Figura 1). Comparando os PMR do último trimestre de 2011 (23º leilão) e o atual (25º leilão), verifica-se que eles vêm decaindo em todas as regiões, o que se reflete desfavoravelmente na receita bruta dos usineiros. Mas a intensidade deste reflexo vai depender da especificidade locacional da usina, da forma de aquisição da matéria-prima (óleo vegetal) e da existência ou não de contratos de fornecimento de grãos oleaginosos firmados com agricultores familiares (Selo Combustível Social). Para melhor compreensão da interferência da localização da usina em sua rentabilidade, é necessário lembrar-se do Fator de Ajuste Logístico (FAL), introduzido em agosto de 2011, pois este também se vincula diretamente ao preço do biodiesel. O FAL é um valor definido a partir da média das distâncias rodoviárias entre a capital do Estado de origem do biodiesel (local da usina) e as capitais da região para onde o biodiesel foi vendido (leiloado), sendo, portanto, variável de acordo com o percurso do biocombustível. Ele é subtraído do preço do litro do biodiesel que a usina der no leilão, tendo sido introduzido no 24º leilão, para equalizar as diferenças nos custos do frete que as distribuidoras enfrentam para retirar o biodiesel. Ou seja, o FAL é um valor referente ao repasse do custo do frete das distribuidoras para o preço recebido pelos usineiros. Assim, as usinas que vendem para regiões distantes de sua localização têm um maior desconto no preço recebido pelo biodiesel. Em nível regional, as capacidades instaladas para a produção de biodiesel superam o necessário para suprir consumo por B5. No entanto, verifica-se que, enquanto no Sudeste (principal polo consumidor) e no Norte há uma margem muito estreita entre a demanda efetiva das distribuidoras e a capacidade instalada pelos usineiros, o oposto ocorre nas regiões Sul e Centro-Oeste (Figura 1). Mas, quando se trata do volume de biodiesel efetivamente produzido, este está aquém da demanda estimada no Nordeste e Sudeste (Figura 1), o que faz com que as distribuidoras destas regiões tenham que comprar biodiesel produzido em outras localidades, onde o volume produzido está acima da demanda regional (Centro-Oeste e Sul). Assim, ao mesmo tempo em que o FAL 'penaliza' os usineiros sediados no Centro-Oeste e no Sul que suprirem a demanda das regiões deficitárias (Nordeste e Sudeste), impingindo-lhes um desconto maior no preço recebido pelo biodiesel, ele poderia vir a estimular os usineiros sediados nas regiões de produção deficitárias (e com instalações ociosas) a ampliarem os contratos de fornecimento de matérias-primas para alavancar a produção de biodiesel. No entanto, essa segunda possibilidade imposta pelo FAL pode ser barrada pelo declínio nos PMR do biodiesel, pois, conforme comentado, os impactos de redução na rentabilidade do usineiro dependem, também, da forma como cada usineiro adquire sua matéria-prima (óleo vegetal), ou melhor, da existência ou não de contratos de fornecimento de grãos oleaginosos firmados com agricultores familiares. Dentre a tipologia das estruturas de governança interna das usinas, existem aquelas que são donas de sua própria matéria-prima, ou seja, verticalizadas ao processamento de óleos vegetais, e as usinas - doravante chamadas de isoladas - que compram sua matéria-prima (óleo vegetal) no mercado spot. No entanto, dada a regulação do mercado de biodiesel, conforme mencionado, só podem participar de todos os lotes dos leilões da ANP os usineiros que realizem contratos de fornecimento de grãos oleaginosos com a agricultura familiar. Portanto, entre os dois formatos extremos de estrutura de governança (o mercado e as integrações verticais), existem, também, as formas de governança híbridas. O fato da produção efetiva no Sudeste, Nordeste e Norte não suprir a demanda regional (Figura 1) pode indicar dificuldades dos usineiros em articular o fornecimento de matéria-prima seja no mercado spot ou na agricultura familiar, uma vez que nessas regiões predominam as usinas isoladas (Figura 2). Nota-se que no Nordeste, embora existam cooperativas de agricultores familiares inseridas do mercado de biodiesel, não há usinas integradas ao processamento de óleos vegetais, de modo que estes empresários precisam realizar uma parceria com esmagadoras e/ou beneficiadoras para que, a partir do grão oleaginoso, possam obter sua matéria-prima (óleo vegetal). Opostamente, nas regiões Norte e Sudeste, o número de agricultores familiares participantes desse mercado é irrisório, forçando esses usineiros a adquirirem matérias-primas de fornecedores distantes. Nesse sentido, se o usineiro faz contratos de fornecimento de grãos com os agricultores familiares, quem arca com os custos da retirada desses grãos oleaginosos também é a usina. Mas, se ele optar em revender esses grãos e, com o dinheiro destes comparar sua matéria-prima (óleo vegetal) no mercado spot, ele pode ter menores custos de transação, evitando os acordos e/parcerias com beneficiadores e/ou esmagadores para transformar os grãos oleaginosos em óleo vegetal. Assim, os reflexos do FAL (repasse dos custos do frete das distribuidoras ao preço recebido pelo usineiro) sobre a receita bruta dos usineiros 'isolados' (não verticalizados ao esmagamento de grãos) dependerão dos custos das transações envolvidas em cada arranjo produtivo adotado: no caso dos usineiros que compram os grãos oleaginosos da agricultura familiar e os revendem para comprar o óleo vegetal que será usado na produção de biodiesel, os impactos são menores, pois esse tipo de transação pode ser feita de maneira virtual. Já os usineiros que realizam parcerias com beneficiadores e/ou esmagadoras muitas vezes arcam com os custos tanto da retirada dos grãos provenientes de agricultores familiares, como aqueles de encaminhamento às beneficiadoras. Em suma, as usinas que contratam agricultores familiares (fornecimento de grãos) não são integradas ao esmagamento de grãos e não têm contrato de parceria com processadoras sediadas na mesma região, e possuem maior custo de transação, pois além de custos contratuais com o agricultor, o usineiro arca, também, com os custos de contrapartida do Selo Combustível Social (fornecimento de insumos e assistência técnica ao agricultor que lhe fornecer os grãos oleaginosos), bem como com os custos pertinentes a formação de parcerias com beneficiadores. Portanto, as usinas isoladas são menos competitivas que as usinas integradas (donas de sua matéria-prima) e o declínio nos PMR pode vir a ameaçar sua sobrevivência no mercado. Assim, a atual Portaria do MME 29/2012 explicita que
Assim, embora a Portaria MME 29/2012 não especifique como pretende incluir e/ou mensurar os custos de oportunidade na elaboração dos preços máximos de referência (PMR) regionais, ela evidencia uma preocupação com a competitividade dos usineiros isolados e com a logística dos arranjos produtivos montados em prol da participação dos agricultores familiares no mercado. ___________________ 2BRASIL. Ministério de Minas e Energia (MME). Portaria n. 426 de 2 de agosto de 2011. Diário Oficial da União, 3 ago. 2011. 3AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP. Leilões de biodiesel. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/biocombustíveis/biodiesel>. Acesso em: 16 fev. 2012. 4Op. cit. nota 1. Palavras-chave: biodiesel, biocombustíveis, leilões da ANP.
(em m3)
Fonte: Elaborada pelos autores a partir do 24º e 25º editais dos Leilões de Biodiesel (ANP, 2012).
(em R$/m3)
Fonte: Elaborada pelos autores a partir do 24º e 25º editais dos Leilões Regulares de Biodiesel (ANP, 2012).
Figura 1 - Equilíbrio Regional entre a Produção e a Demanda por Biodiesel por Regiões Geográficas e Brasil, Maio de 2011.
Fonte: ANP (2012).
Regiões e Brasil
Figura 2 - Aspectos Estruturais da Produção de Biodiesel, por Regiões Demográficas e Brasil, 2011.
Fonte: Elaborada pelos autores a partir de BiodieselBR e Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).
Os custos de oportunidade referem-se ao fato dos recursos poderem ser usados de formas alternativas, e representa o valor associado a melhor alternativa não escolhida. Mais especificamente, considerando que o principal ativo das usinas de biodiesel (óleo vegetal) tem baixa especificidade, de acordo com a Nova Economia Institucional o usineiro deveria adquirir sua matéria-prima no mercado spot, no qual os custos de transação são menores. No entanto, dada a regulação do mercado, se uma parte de sua matéria-prima não for adquirida dos agricultores familiares, esse usineiro só poderá participar dos lotes pares nos leilões (20% do mercado). Ao decidir participar de 100% do mercado, esse usineiro deixa de comprar um volume específico de óleo vegetal para comprar uma quantidade complementar de oleaginosas, aumentando consequentemente seus custos contratuais, e incorrendo no dispêndio com insumos e capacitação técnica para o agricultor. Nesse sentido, os custos de oportunidade deverão ser estimados a partir do diferencial entre o que o usineiro deixa de ganhar ao deixar de lado sua melhor alternativa (a aquisição de óleo vegetal no mercado spot) para adquirir mais custos por meio da contratação de agricultores familiares em prol de poder participar de 100% do mercado.
1BRASIL. Ministério de Minas e Energia (MME). Portaria n. 29 de 31 de janeiro de 2012. Diário Oficial da União, 1 fev. 2012.
Data de Publicação: 11/04/2012
Autor(es):
Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Gilberto Martins (gilberto.martins@ufabc.edu.br) Consulte outros textos deste autor