Reprimarização ou Desindustrialização da Economia Brasileira: uma leitura a partir das exportações para o período 1997-2010

            O debate sobre a economia brasileira tem sido permeado por postulações que indicam a ocorrência de um processo de desindustrialização na medida em que avança a produção de produtos primários e de serviços, pressionando a hegemonia industrial. A questão colocada consiste em evidências que permitiriam caracterizar a perda de expressão da indústria na economia nacional como típicas do movimento de desindustrialização. Neste ensaio, empiricamente sustentado na evolução das exportações brasileiras para o período 1997-2010 que cobre mais que uma década, busca-se diferenciar o denominado aprofundamento da reprimarização de desindustrialização, na medida em que os movimentos dos percentuais não são suficientes para caracterizar redução da capacidade industrial. Isso porque todos os padrões de agregação de valor crescem, e nessa evolução há avanço mais expressivo dos produtos básicos em relação aos que sofreram transformação industrial. Logo, ocorreria um movimento de reprimarização, ainda que numa realidade de crescimento das vendas externas da produção industrial.
 

            O Brasil, no seu passado de economia eminentemente agrária, estava associado à condição de primário-exportador, passando por intensos processos de industrialização que alteraram de forma significativa o perfil de agregação de valor das exportações. No período 1997-2010 as exportações nacionais multiplicaram-se 3,8 vezes. Entretanto, tal se deu com nítido avanço, mais que proporcional, de 6,2 vezes para as vendas externas de produtos básicos, sendo que o semimanufaturados aumentaram 3,3 vezes e os manufaturados 2,7 vezes (Figura 1). Dessa maneira, todos os perfis de agregação de valor mostram exportações crescentes, sendo que quanto maior a intensidade da transformação industrial menor o crescimento verificado. 

 Figura 1 - Evolução dos Índices de Valores das Exportações Totais, Segundo a Agregação de Valor, Brasil, 1997-2010.


Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.


            Esse crescimento em ritmo mais acelerado dos produtos básicos faz sua participação elevar-se de forma expressiva, saltando de 29% em 1997 para 47% em 2010, enquanto que os semimanufaturados recuam pouco, de 16% para 14%, e os manufaturados apresentam queda expressiva de 55% em 1997 (patamar que chegou a 60% em 2000) para 40% em 2010 (Figura 2). Fica explícita a ocorrência de intensa reprimarização da pauta de exportações da economia brasileira dado o avanço das vendas de produtos básicos. Mas trata-se de incremento relativo derivado de taxas de crescimento mais substantivas dos produtos básicos em contraposição aos produtos industrializados que crescem, mas a taxas mais modestas. Não há recuo das vendas externas industriais o que caraterizaria desindustrialização, mas sim um nítido aumento da relevância de setores da produção primária nas exportações nacionais. Ou seja, trata-se de reprimarização sem recuo absoluto nas vendas industriais que caracterizaria desindustrialização das exportações nacionais.
 

            Interessante olhar para os setores da economia destacando a agricultura que consiste naquele que historicamente apresenta saldos comerciais positivos, fundamentais para o financiamento do desenvolvimento. Tomando os extremos do período 1997-2010 as exportações da agricultura cresceram 3,2 vezes, mas com aumento de 2,1 vezes para os produtos manufaturados, que tiveram incremento proporcionalmente inferior ao verificado para os produtos básicos (3,8 vezes) e produtos semimanufaturados (4,4 vezes) (Figura 3). Esses indicadores mostram o sentido dos movimentos para a economia brasileira como um todo, qual seja que as vendas externas de todos os perfis de agregação de valor tiveram incremento expressivo nos valores das exportações.
 

Figura 2 - Evolução da Participação Percentual dos Níveis de Agregação de Valor nas Exportações Totais, Brasil, 1997-2010.

Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.

 

 

Figura 3 - Evolução dos Índices de Valores das Exportações Totais da Agricultura, Segundo a Agregação de Valor, Brasil, 1997-2010.
Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.


 

            Mas o ritmo dos produtos manufaturados que apresentam maior intensidade de transformação industrial foi inferior aos dos demais perfis de agregação de valor. Ressalta-se que na agricultura, num processo de aumento das exportações, espera-se que os produtos intermediários com primeiro processamento tenham avanços mais expressivos que os produtos básicos, dado que grande parcela de produtos não podem ser transportados a longas distâncias sem processamento. Fica nítido que a agroindústria processadora produtora de bens intermediários foi a que mais avançou em termos de exportação, seguida dos produtos primários e apenas depois da agroindústria produtora de bens finais. Essa agroindústria processadora é produtora de commodities com produtos transformados indiferenciados, tendo por isso mesmo comportamento similar ao dos produtos básicos.
 

            Na agricultura brasileira, dessa forma, os produtos básicos que dividiam com os manufaturados a liderança na pauta das exportações setoriais no quadriênio 1997-2000, com 40% do valor setorial exportado, avançam suas expressões nos anos seguintes alcançando 53% em 2010, ao passo que os manufaturados recuam seu percentual para apenas 25%. E os produtos semimanufaturados aumentam sua expressão de 17% em 1997 para 23% em 2010 (Figura 4). Esse comportamento dos produtos básicos, principalmente, deriva da expressiva elevação das vendas de soja em grão para a China. De qualquer forma, nota-se a reprimarização das vendas externas da agricultura brasileira numa realidade em que todos os perfis de agregação de valor aumentam as vendas externas em índices significativos. Isso mais uma vez descaracteriza a ocorrência de desindustrialização das exportações se entendido esse processo como a ocorrência de recuo absoluto das vendas externas de produtos processados.
 

Figura 4 - Evolução da Participação Percentual dos Níveis de Agregação de Valor nas Exportações da Agricultura, Brasil, 1997-2010.

Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.


 
            O complemento dessa análise considera os demais setores da economia que não a agricultura. Nesse caso, nota-se o crescimento vertiginoso dos produtos básicos cujas exportações multiplicaram-se por 12,7 vezes no período 1997-2010. Os produtos semimanufaturados cresceram 2,3 vezes e os manufaturados 3,1 vezes numa realidade na qual as vendas externas totais desses demais setores, exclusive a agricultura, elevaram-se 4,4 vezes (Figura 5). Esses indicadores revelam que todos os perfis de agregação de valor tiveram vendas externas crescentes, mas os negócios com produtos básicos, em especial minérios, avançaram proporcionalmente muito mais.
 

Figura 5 - Evolução dos Índices de Valores das Exportações Totais dos Demais Setores, Segundo a Agregação de Valor, Brasil, 1997-2010.

Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.



            Nos demais setores os produtos manufaturados que eram esmagadoramente majoritários nas exportações dos mesmos, exclusive a agricultura em 1997 (70%), recuaram para 49% em 2010. O mesmo verifica-se em outro segmento de produtos industrializados, os semimanufaturados, cuja proporção nas exportações dos demais setores recua de 15% para 8% em idêntico período. Entretanto, os produtos básicos que eram apenas 15% das vendas dos demais setores em 1997 avançam de forma expressiva alcançando 43% em 2010 (Figura 6). As exportações de minério, em especial para atender a demanda chinesa, explicam esse processo de reprimarização dos demais setores da economia brasileira, exclusive a agricultura.
 

Figura 6 - Evolução da Participação Percentual dos Níveis de Agregação de Valor nas Exportações dos Demais Setores, Brasil, 1997-2010.

 
 

Fonte: Instituto de Economia Agrícola (IEA) a partir de dados básicos da SECEX/MDIC.
 


            Em síntese, tanto para a economia brasileira como um todo como para a agricultura em particular e o conjunto dos demais setores, há expressivo crescimento das exportações de todos os perfis de agregação de valor no período 1997-2010. Os produtos com transformação industrial, sejam na forma de bens intermediários (semimanufaturas) ou bens mais elaborados (manufaturados), mostram exportações crescentes quando expressas em moeda norte-americana, o que configura crescimento absoluto das vendas externas industriais. E como nesse período também o consumo interno amplia-se de forma importante, descaracteriza-se a ocorrência de eventual processo que possa ser denominado de desindustrialização. Nos indicadores de exportação isso fica claro.
 

            Entretanto, o incremento das exportações de produtos básicos apresentam tanto o aumento absoluto como proporcional configurando elevação da importância relativa, gerando o que se pode denominar reprimarização das exportações brasileiras com a presença cada vez mais determinante desses produtos na geração de divisas pela venda externa, crescendo mais que as mercadorias advindas da indústria. Desde logo, na agricultura essa reprimarização atende num primeiro momento (2000-2004) à desvalorização da moeda nacional posterior à mudança do regime cambial de câmbio fixo para flutuante executada em janeiro de 1999.
 

            Num segundo momento (2006-2010), quando a moeda nacional se valoriza, o aumento dos preços internacionais de commodities reverte tênue queda da participação dos produtos básicos do período 2004-2006. E o crescimento posterior foi expressivo também para os produtos básicos dos demais setores, que vinham crescendo desde 2004 mas que aceleram esse avanço após 2007. Em linhas gerais, os maiores preços internacionais de commodities ao compensar a valorização cambial, em especial derivados da demanda chinesa e demais países emergentes, estimularam as exportações de produtos básicos, sendo que os produtos com transformação industrial, independente do setor da economia, são mais sensíveis à valorização cambial, crescendo menos em termos de exportação.
 

            Dada a reprimarização das exportações brasileiras, as questões que se colocam dizem respeito aos limites e ao interesse nacional de expansão econômica baseada principalmente em atividades de exploração intensiva dos recursos naturais finitos. A reduzida sustentabilidade dessa estratégia a longo prazo é nítida tanto pelo esgotamento progressivo das reservas minerais como pela cada vez menor disponibilidade de novas terras agricultáveis incorporáveis à produção de lavouras e pastagens. Na agricultura as pressões sobre cerrados e a Floresta Amazônica terão cada vez mais intensa resistência dos movimentos ambientalistas, da mesma forma que no plano econômico e fiscal os mecanismos de guerra fiscal pela renúncia tributária e outros incentivos fiscais apresentam limites cada vez mais decisivos no horizonte.
 

            Ademais, ocupar cerrados com megalavouras de mecanização intensiva reduzindo a ocupação no meio rural cada vez mais será considerado contraproducente, pois segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a População Economicamente Ativa (PEA) no meio rural recuou em 3,9 milhões de pessoas no período 1992-2009. E mais, nesse espaço acumula-se elevada proporção da dívida rural cuja solução vem sendo postergada enquanto que a expansão das lavouras amplia a dependência da importação de fertilizantes. Em síntese, a reprimarização atende ao anseio de curto prazo para redução dos constrangimentos externos da economia brasileira, mas se mostra incompatível com o desenvolvimento brasileiro de longo prazo, que seja incorporador de massas assalariadas em empregos de qualidade superior e sustentável na ótica dos recursos naturais escassos. Esse dilema deveria estar presente na ordem do dia das discussões de um projeto nacional de prazo mais largo.
 

Palavras-chave: economia brasileira, exportações setoriais, agregação de valor, desindustrialização, reprimarização.

Data de Publicação: 15/12/2011

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor