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Modernizar e Tecnificar o Código Florestal
Impressiona que, decorridos mais de 45 anos, com as demandas ambientais mundiais
em patamares elevados, como mudanças climáticas, descarbonização dos modelos de
desenvolvimento, além de outros conceitos que não apenas o PIB para medi-lo,
ainda se discutam alterações do Código Florestal do modo como vem sendo
feito.
Nenhuma incorporação dos avanços da ciência ocorridos nessas quase cinco décadas
é levada em consideração quando se discutem mudanças na legislação que deveria
estar protegendo os ecossistemas brasileiros. Nem por parte de cientistas, que
podem ter sido preteridos nas discussões, nem por parte dos que propõem as
alterações. Todos, aparentemente, continuam aferrados a um texto produzido nos
idos de 1965, conforme se pode depreender de dois artigos publicados
recentemente pelo jornal Folha de S. Paulo1.
Desde
1997, pelo menos, os trabalhos de Costanza2, apesar das críticas que
lhes podem ser feitas, abriram um horizonte novo para avaliar a vertente
ambiental dos processos produtivos das sociedades humanas, complementando as
análises em seu reducionismo puramente econômico. Os conceitos de serviços
ecossistêmicos e suas valorações mostram o anacronismo que embasou o Código
Florestal.
No
mesmo espaço físico convivem a produção privada para o mercado e a produção de
outros serviços ecossistêmicos, que são públicos e que precisariam ser
remunerados. Numa primeira aproximação, a gama desses serviços poderia
ser agrupada em quatro tipos principais: Serviços de abastecimento:
alimentar (incluindo pesca e caça); culturas agropecuárias, alimentos selvagens
(castanha do Brasil) e especiarias; água; farmacêuticos, bioquímicos e produtos
industriais; energia (hídrica, combustíveis de biomassa). Serviços de
regulação: sequestro de carbono e regulação climática; resíduos de
decomposição e desintoxicação; purificação e regularização de fluxos de água e
ar; polinização de culturas; controle biológico de pragas e doenças. Serviços
de suporte: intemperismo e formação de solos, ciclagem e dispersão de
nutrientes; dispersão de sementes; produção primária, fonte de material
genético. Serviços culturais: inspiração intelectual, cultural e
espiritual; experiências recreativas (incluindo o ecoturismo); descobertas
científicas3.
É
importante reter que esses serviços, de vital importância para a humanidade,
podem se originar, tanto de ecossistemas praticamente intocados como de
agroecossistemas modificados ou até de ecossistemas urbanos. Tratar
adequadamente esses novos conceitos é o real desafio para os que querem que o
Código Florestal atinja seus objetivos ambientais, sociais e
econômicos.
No
entanto, pelo visto, a discussão travada passa longe disso.
As
vertentes, contra ou favorável às alterações na legislação, dizem querer uma
produção sustentável. Isso necessariamente envolveria discutir os vários tipos
de produtos e serviços derivados dos diferentes ecossistemas. No entanto,
verifica-se que as argumentações dos dois artigos em pauta deslocam para o
exterior a necessidade da manutenção ou mudança da legislação. Uma com uma
ameaça de que, se assim não for feito, o País não exportará; outra de que as
nações desenvolvidas querem tolher o destino de potência do
Brasil.
Analisemos com um pouco mais de detalhes algumas das argumentações de ambos os
lados. 'Os que são contra as mudanças propostas na Lei alegam, entre outras
coisas, que...' as APP e as RL são áreas que exercem papel complementar na
conservação das paisagens rurais e não deveriam ser tratadas como
equivalentes4. Não levaram em conta que na formulação do Código as
duas eram coexistentes e superpostas, nem qual seria a argumentação para haver
dois tipos de florestas de proteção numa mesma área. Prosseguem no citado
artigo: 'Ademais, o uso de RL com espécies exóticas representa uma completa
descaracterização dessas áreas'5. Se for para cumprir os objetivos
estipulados na legislação estão cobertos de razão. Pelo texto da MP6
reserva legal é
No
entanto, sob o prisma de serviços ecossistêmicos, não. É difícil discutir
algumas questões sem antes estabelecer um marco teórico mínimo, seja ele qual
for. Continuam:
Ninguém em sã consciência pode ser contra isso: há que se verificar se os
instrumentos atualmente existentes são capazes de garanti-lo. Interessante notar
que aqui aflorou pela primeira vez a questão dos serviços ecossistêmicos
públicos ofertados na esfera da propriedade privada, algo não previsto no texto
legal, porém, sem que nenhuma proposta de como resolver esse impasse fosse
apresentada, ou ao menos aventada. Além disso, a Reserva Legal, tal como
formulada, atualmente se constitui numa anomalia, qual seja um percentual fixo
por propriedade para estabelecer uma reserva florestal: nenhuma avaliação
baseada em conceitos científicos ou técnicos indica que o tamanho de uma reserva
florestal deva ser de um percentual fixo por propriedade para que os objetivos
de conservação, definidos na MP, sejam alcançados. Pelo contrário, esse método
leva à extinção de espécies que necessitam grandes territórios para manutenção,
intensifica a endogamia em áreas pequenas e confinadas, além de favorecer o
descontrole populacional pela quebra de cadeias tróficas. A MP ao determinar um
percentual fixo em cada propriedade discrimina indivíduos, ao pretender tratar
igualmente coisas que são absolutamente desiguais. A mesma unidade de área pode
variar em muitos aspectos, além obviamente do tamanho: físicos, químicos,
biológicos, climáticos, locacionais, históricos, pela incorporação de tecnologia
e capital, pela sua fragilidade ambiental, pela sua rentabilidade, pela
exploração técnica e pelo tipo de cultura que é feita e muitos outros aspectos.
E onde estariam os amplos desmatamentos sugeridos? Nas propriedades rurais do
Centro-Sul do País isso é impossível, até por força da Lei da Mata Atlântica,
também equivocada. Esse argumento reforça a tese de que a questão deva ser
tratada regionalmente. A
seguir a análise internacional que foi empreendida por ambos os
lados:
Ou
seja, entende-se que se tem de manter uma legislação não científica e antiquada
por causa do mercado internacional.
Vejamos por sua vez parte das argumentações de quem propõe
alterações9. Com relação aos países desenvolvidos argumenta-se
que
Ou
seja, de certa forma, ambos os lados identificam, no exterior, pressões sobre a
legislação brasileira, que por conta disso continuará trabalhando com conceitos
ultrapassados.
Dentre outras análises, afirma que 'mais de 90% dos produtores rurais'11
estariam na ilegalidade. É óbvio que, se assim é, há algo profundamente errado
com esse diploma legal. Querer mantê-lo não modifica essa situação, muito menos
resolve a questão ambiental brasileira no que tange ao espaço rural. Se uma lei
em vigor há mais de 45 anos não conseguiu conter a devastação, por que sua
manutenção conseguiria?
Para
haver uma legislação efetiva, deve-se incluir novos conceitos gestados à luz da
ciência, prevendo revisões de tempos em tempos para incorporar novos avanços.
Tais conceitos auxiliariam na resolução dos problemas políticos que emergem das
responsabilidades de cada agente - os vários tipos de serviços ecossistêmicos
prestados e suas gradações sociais - sobre quem recairiam os custos da geração
desses serviços.
Em
qualquer avaliação ambiental, a unidade é o ecossistema e o princípio mais
básico o da manutenção da diversidade. Cada ecossistema merece tratamento
específico. Para cada caso, o projeto técnico, com as bacias hidrográficas e os
biomas como focos de análise, deve ser o instrumento por excelência da Lei,
estabelecendo formas de pagamento pelos serviços ecossistêmicos prestados à
sociedade.
______________________
2COSTANZA, R. et al.The value of
the world's ecosystem services and natural capital. Nature, Londres, v.
387, p. 253-260, maio 1997.
3MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT
- MEA. Ecosystems and human well-being: synthesis. Washington: Island
Press, 2005, 155p.
4LEWINSOHN et al., 2010, op. cit.
nota 1.
5Idem, LEWINSOHN et al.,
2010.
6BRASIL. Medida provisória n.
2.166/67, de 24 ago. 2001. Altera os arts. 1o, 4o, 14, 16 e 44, e acresce
dispositivos à Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o Código
Florestal, bem como altera o art. 10 da Lei no 9.393, de 19 de dezembro de 1996,
que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, e dá
outras providências. Diário Oficial da União, 25 ago. 2001.
7Op. cit., nota 4.
8Op. cit., nota 4.
9REBELO, 2010, op. cit. nota
1.
10Idem, REBELO,
2010.
11Op. cit., nota 9.
Palavras-chave: código florestal,
política pública, legislação ambiental, economia ambiental.
1LEWINSOHN, T., et al. O tiro
sai pela culatra. Folha de S. Paulo, São Paulo, 05 jun. 2010. Opinião, p.
3. e REBELO, A. Legislação atual é inaceitável. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 05 jun. 2010. Opinião, p. 3.
Data de Publicação: 21/06/2010
Autor(es):
Eduardo Pires Castanho Filho (castanho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Antonio Carlos de Macedo (amacedo@srb.org.br) Consulte outros textos deste autor