Taxa de Câmbio e Influxo de Capital Externo

            "O FMI alerta para enxurrada de capital externo no Brasil" é o título de matéria publicada em 5 de outubro1. A recomendação é que o País reveja as políticas de estímulos adotadas para enfrentar a crise financeira internacional, caso contrário o real vai ser ainda mais valorizado, aumentando o déficit em transações correntes.

            Passada a etapa mais crítica da crise, há elevada liquidez internacional e os recursos buscam alta remuneração em porto seguro. Pelo menos por enquanto o Brasil é uma alternativa considerável para os investidores. Mantém taxas de juros elevadas para os padrões internacionais e não há indicações de que vá modificar sua política econômica no curto prazo.

            Os movimentos de capitais especulativos ocorrem em função da taxa de juros e da expectativa de variação cambial. Enquanto não houver indicações de que a taxa de câmbio vai se desvalorizar, vale a pena continuar apostando no Brasil porque o retorno é grande. Isso pode ser mais bem compreendido a partir da expressão algébrica da taxa de retorno de uma aplicação no mercado internacional (r):

onde: Ei = taxa de câmbio inicial; Ee = taxa de câmbio esperada; i = taxa de juros;
n = tempo.

            Enquanto houver perspectiva de apreciação cambial, Ei > Ee significa que, além da taxa de juros mais elevada, os investidores no Brasil esperam receber a remuneração correspondente à apreciação cambial. Assim há um grande influxo de capital externo que, por sua vez, sanciona as expectativas iniciais, dado que o aumento da oferta de moeda estrangeira resulta em apreciação da moeda local.

            Moeda valorizada traz o inconveniente de comprometer o saldo das transações correntes do balanço de pagamentos. Observe-se que desde meados de 2003 o Brasil vinha apresentando persistentes superávits em transações correntes, mas sofreu uma reversão de tendência com o início da crise financeira e, a partir do final de 2007, passou a registrar déficits persistentes.

            As transações correntes são subdivididas em 4 grandes contas: balança comercial, balanço de serviços, balanço de rendas e transferências unilaterais. Tradicionalmente a balança comercial é a maior responsável pelos saldos positivos em transações correntes porque é a principal fonte de divisas para o País2. Ainda não se pode afirmar que o retorno aos déficits em transações correntes se deva ao seu mau desempenho, até porque entre janeiro de 2003 e agosto de 2009, o País só registrou déficit na balança comercial em janeiro de 2009 (Figura 1). No entanto, essa é a conta mais sensível às variações da taxa de câmbio. Com o real apreciado e a participação de países do porte da China no comércio internacional, as importações tendem a aumentar, colocando em risco os superávits comerciais e, consequentemente, agravando os déficits em transações correntes.
 

Figura 1 - Balanço de Pagamentos, Brasil, Janeiro de 2003 a Agosto de 2009. 

Fonte: Banco Central do Brasil (2009).
 

            Acrescente-se que a apreciação faz com que as exportações sejam concentradas nos produtos primários, que o Brasil tem larga vantagem comparativa, e inibe as vendas de produtos de maior valor agregado. A persistência desse processo prejudica a indústria, que não consegue exportar, bem como a agricultura, que embora exporte a despeito da taxa de câmbio, tem rentabilidade menor. No conjunto, o País perde competitividade e tem piora qualitativa nas exportações.

            Os dados mensais divulgados pelo Banco Central do Brasil3 permitem observar a elevada volatilidade da conta capital e financeira, variando entre uma saída de US$11,5 bilhões em dezembro de 2005 e um ingresso de US$15,8 bilhões em maio de 2007. Pode-se observar também que essa conta na maior parte do tempo tem o mesmo traçado do resultado do balanço de pagamentos. Isso implica que procede dos movimentos especulativos de capital boa parte do acúmulo de reservas dos últimos tempos (Figura 1).

            Esse ingresso de recursos só não resultou em ainda mais apreciação cambial devido à firme atuação do Banco Central que vêm comprando dólar para segurar a queda do preço. Cucolo (2009)4 informa que o governo aumentou o ritmo de compras em setembro e que essas compras excederam até o volume de entradas de divisas no País: de janeiro a setembro houve um influxo líquido de US$9,8 bilhões, mas o Banco Central adquiriu US$10,8 bilhões, resultando em nível recorde de US$225 bilhões de reservas.

            A taxa de câmbio que vinha sofrendo forte apreciação nominal desde maio de 2004 passou por uma etapa de depreciação logo após a crise financeira atingindo R$2,00/US$ entre junho e julho de 2009, mas retomou a tendência decrescente desde então chegando em R$ 1,70/US$ em meados de outubro. Em 19 de outubro o governo introduziu alíquota de 2% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o ingresso de capital estrangeiro, fato que deve ter contribuído para a elevação do preço do dólar, que fechou o mês de outubro em R$1,74 (Figura 2).
 

Figura 2 - Taxa de Câmbio Comercial Diária para Compra, Brasil, Janeiro de 2004 a Outubro de 2009. 

Fonte: INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA – IPEA. IPEADATA. 2009. Disponível em: <http:// www.ipeadata.gov.br/>. Acesso em: 3 nov. 2009.
 

            O reflexo dessa evolução do valor nominal da taxa de câmbio é uma razoável apreciação real que em agosto ficou em torno de 10% em relação à média de 20055. O mais preocupante é que essa situação aparentemente pode perdurar por muito tempo e até se agravar.

            A política econômica doméstica e as condições externas não dão sinais de mudança. A barreira introduzida pelo governo é pequena para proteger o País diante do excesso de liquidez internacional, causada, em grande parte, pela injeção de recursos que os bancos centrais dos países desenvolvidos, em especial os EUA e a União Européia, deram em suas economias, como forma de tentar reduzir os efeitos da crise econômica. Estes recursos continuarão procurando a melhor remuneração e segurança, condições que o Brasil preenche.

            Além disso, a política econômica brasileira pode ser colocada em xeque. Desde janeiro de 1999, o País abandonou o controle cambial e adotou o regime de metas para a inflação. O pressuposto desta estratégia é que o câmbio flutuaria livremente. Se o Banco Central intervier demais no mercado cambial, comprando dólar para manter a taxa de câmbio num nível razoável, a política monetária entra em contradição: com muito real na economia fica difícil manter a taxa de juros nos níveis anunciados pelo COPOM sem elevar exageradamente a dívida pública.

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1CANZIAN, F. FMI alerta para enxurrada de capital externo no Brasil. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 out. 2009, p. B3.

2Os balanços de serviços e rendas registram déficits persistentes e as transferências unilaterais representam relativamente poucos recursos.

3BANCO CENTRAL DO BRASIL. Séries temporais. 2009. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?SERIETEMP>. Acesso em: 7 out. 2009.

4CUCOLO, E. BC faz maior ação no câmbio em 17 meses. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 out. 2009, p. B5.

5Os cálculos da taxa de câmbio real foram feitos tendo como deflatores o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e o Índice de Preços no Atacado – Oferta Global (IPA-OG), e em ambos os casos a variação em relação à média de 2005 é próxima de 10%. Ver em: INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA – IPEA. IPEADATA. 2009. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br/>. Acesso em: 3 nov. 2009.

Palavras-chave: taxa de câmbio, liquidez internacional, taxa de juros, movimentos de capital.

Data de Publicação: 09/11/2009

Autor(es): Cesar Roberto Leite da Silva (crlsilva@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Maria Auxiliadora de Carvalho (macarvalho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor