Artigos
Histórico da Expansão da Pecuária Bovina de Corte na Região de Araçatuba (SP)
Na Noroeste Paulista, com a crise da cotonicultura na década de 1940, a pecuária bovina de corte se estabeleceu como a principal atividade no uso do espaço geográfico agrícola regional. Abriu-se espaço para um novo ciclo produtivo, que preenchido de início por alguns pecuaristas mineiros, estruturou uma rede de poder regional balisada por fortes vínculos em nível nacional e, principalmente, com o capital estrangeiro. Para a região grupos de pecuaristas passaram a deslocar suas boiadas vindas de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás com o objetivo de engordá-las antes do abate nos frigoríficos localizados nas proximidades da região metropolitana de São Paulo. Nessa locomoção, feita na maioria das vezes em caravanas, o gado perdia muito peso. Necessitava-se de um repouso antes do abate para a recuperação desses animais. Daí a idéia das invernadas nas terras momentaneamente baratas da Noroeste Paulista. Após a engorda, o gado seguia de trem ou em caravanas pelas estradas de rodagem (como a Marechal Rondon, aberta entre 1940 e 1949 de Bauru a Araçatuba)1 até os abatedouros. Durante a Segunda Guerra Mundial houve um aumento desordenado das exportações de carne bovina no Brasil. Esse momento de desequilíbrio no comércio internacional possibilitou um rearranjo no mercado interno. Com a aceleração da urbanização/industrialização nos anos de 1950 no país, o elo da indústria direcionado à geração de uma maior fluidez no abastecimento dos mercados nacional e internacional teve sua produção aumentada. Para criar condições de estruturação do setor nesse período, o governo federal, pelo Plano de Metas, desenvolvido no mandato de Juscelino Kubitsheck, financiou via BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) – atual BNDES - a construção de frigoríficos no país. Fruto dessa política pública, na Noroeste Paulista surgem em meados do século XX duas grandes indústrias de abate de gado: a Mouran, em Andradina, e a TMaia, em Araçatuba, que, como inovações anexadas ao espaço geográfico, deram outro peso na balança das relações regionais com a totalidade do setor. Grande parte do gado em engorda localizado no entorno de Araçatuba passa a ser abatido nesses dois frigoríficos, que complementados aos pequenos abatedouros rudimentares construídos 'com inspeção municipal ou sem nenhuma inspeção'2 em quase todos os municípios da região e do estado, diminuem o percentual de abate das empresas localizadas na Grande São Paulo. Com essas anexações, e se constituindo na região o maior rebanho do estado (20% do total), Araçatuba passa a exercer influência fundamental no preço do boi gordo em todas as praças do país: populariza-se como a capital do boi gordo. 1 - Impactos da Expansão da Pecuária Bovina de Corte na Região de Araçatuba Ligado ao fato de que a pecuária é uma atividade que requer pouca mão-de-obra, no decorrer da década de 1950 o crescimento populacional da região começou a se desacelerar. Não possuindo emprego suficiente nos setores industrial e de serviços nas áreas urbanas para esses desempregados do campo, a migração para outras regiões do estado e do país foi a saída encontrada por muitos. Durante a década de 1960, devido à destruição dos resquícios de cafezais que ainda existiam, mais braços de colonos deixaram de ser requisitados, acentuando o percentual de pastagens para uma ocupação de 85% do espaço geográfico regional no final dessa década, ou seja, 1.540.617 hectares3, com um rebanho de 1.373.000 cabeças de gado4. Crescendo a taxas anuais (1,0% ao ano), duas vezes menores do que o estado (3,0% ao ano) como um todo, Araçatuba e sua hinterlândia passaram de 3,76% em 1960 para 3,0% em 1970 da população paulista: dos 37 municípios existentes em 1970 na Região Administrativa de Araçatuba, 18 tiveram seu número de habitantes diminuídos na comparação com 1940 e 1950. Segundo Espírito Santo (2005)5, a região araçatubense se colocava como a possuidora do maior rebanho bovino de corte do Estado de São Paulo. Dentre as inovações técnicas inseridas nesse novo momento – que é o da modernização da agropecuária entendido como período técnico-científico – coube em parte ao setor privado, através da ação do grupo Vicente Rodrigues (VR), a introdução da coleta e seleção de sêmen para melhoramento genético dos nelores zebuínos na região de Araçatuba. Tendo como referência o importado reprodutor indiano Kavardi – tetracampeão de performance estética e reprodutiva na Índia e Supercampeão da Ásia -, em 1968, na Fazenda Santa Cecília, e posteriormente na Chácara Zebulândia, em 1972, o grupo VR constituiu no oeste paulista, tendo Araçatuba como centralidade, um pólo de melhoramento genético e precisão de produtividade da pecuária bovina regional, nacional e internacional. Fruto do processo de cientificização do espaço geográfico dinamizado pelas políticas públicas modernizadoras iniciadas em meados da década de 1960, algumas melhorias foram implementadas na atividade pecuária regional. Aproveitando de forma pioneira as opções de crédito oferecidas pelo governo via o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), através do Programa de Desenvolvimento da Pecuária de Corte (PRODEPE) e do Programa Nacional de Pastagens (PRONAP), em 1972, enquanto 72,7% das pastagens brasileiras e 36% das paulistas ainda eram naturais, na região de Araçatuba quase sua totalidade já era cultivada (96,2%). Variedades de gramínias braquiárias (Brachiaria ssp), mesmo sendo as de menores custos, riscos e componentes nutritivos, foram introduzidas como inovações em quase todas as propriedades agropecuárias da região. Em 1973, inaugura-se em Araçatuba uma agência do Conselho Nacional para o Desenvolvimento da Pecuária (CONDEPE), o que possibilita a aquisição de um canal direto ao governo federal para a obtenção de créditos ao setor. Em 1974, aumentando a capacidade de abate e reforçando a posição já conquistada no setor pela região com o Tmaia (800 abates diários) e o Mouran (700 abates diários), surge em Guararapes o frigorífico Noroestino (300 abates diários)6. Pela ferrovia, no sentido leste-oeste, e pelas rodovias, em caminhões, o transporte de gado é feito em todas as direções, tornando quase extinta as tradicionais caravanas existentes em grande quantidade até a década de 1950. É um leque de eventos, que em pequena quantidade anexam novos objetos e ações num circuito articulado para o Brasil e o mundo (ainda em pequena proporção) consumirem a carne bovina manejada no espaço geográfico regional. Reflexo dessa situação imposta pelo sistema pecuário foi a limitação do dinamismo industrial na região. Cadeia produtiva propulsora de pouca diversidade em seu complexo agroindustrial, em Araçatuba, a pecuária, através de seus atores econômicos – os pecuaristas – não inverteu seus capitais de forma expressiva em inovações ou em outras atividades produtivas, geradoras de diversificação e desenvolvimento. Assim, durante todo o período de intenso crescimento econômico mundial e nacional (1967-1973), em que o interior paulista foi o espaço geográfico mais retribuído7 com a expansão do meio técnico-científico no Brasil, a região de Araçatuba, através do conservadorismo e atraso de suas lideranças políticas e econômicas, não se articulou para a recepção dos altos investimentos existentes naquele momento de liquidez dos mercados. Chega-se aos anos 1980 e o comparativo demográfico com o momento anterior mostra mais uma vez decréscimo populacional. A expansão do uso de tratores, máquinas e implementos8, aliada à hegemonia da pecuária, reprimiu com maior intensidade a demanda de mão-de-obra na zona rural regional. Gera-se assim um êxodo rural, com retração no número absoluto de habitantes e a região se urbaniza. Araçatuba, Birigui, Penápolis e Pereira Barreto constituíram as áreas urbanas que mais cresceram, recebendo parte dos desempregados rurais que passam a migrar para as cidades. 2 - Algumas Mudanças na Pecuária Bovina e Outras Culturas Agrícolas na Região de Araçatuba no Início dos Anos 2000 A expansão da cultura da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, e especificamente no oeste paulista e na região de Araçatuba, no início do século XXI, ocasionou mudanças na atividade da pecuária bovina de corte. Com a atividade canavieira proporcionando maiores rendimentos no uso das terras regionais do que a pecuária tradicionalmente extensiva, continua-se o deslocamento pelos pecuaristas regionais da atividade de engorda nesse tipo de manejo (extensivo) para áreas de terras baratas, principalmente no Centro-Oeste e Norte do País. Torna-se atrativa a engorda na região araçatubense, no oeste paulista - competindo com a lucratividade oferecida em meados da primeira década dos anos 2000 da cultura da cana-de-açúcar – quando intensificada em confinamentos e semi-confinamentos9. Com essas transformações – deslocamento gradual da atividade de engorda extensiva para outras localidades do país e intensificação dessa fase do processo produtivo em terras araçatubenses – diminuíram nos últimos anos a área de pastagens e o número de bovinos no espaço geográfico regional. Tabela 1 - Região de Araçatuba, Área de Ocupação das Pastagens, Número do Rebanho Bovino e Relação Bovinos, 2000 e 2007 Assim, mesmo mantendo a mesma relação bovinos/ha entre os anos de 2000 e 2007, o que se observa, a partir de informações relatadas por representantes dos setores pecuário e canavieiro (como por exemplo, veterinários e engenheiros agrônomos das Casas da Agricultura dos municípios da região) e visitas a propriedades na região, é que parte das áreas computadas como de pastagens existentes estão praticamente sem rebanho, em processo de negociação ou já negociadas para a instalação de novos canaviais que serão requisitados pelas novas usinas de açúcar e álcool que estão sendo construídas no oeste paulista. Acredita-se ser somente a partir dessa mudança na composição agrícola nas terras da região é que a intensificação na relação de bovinos por área será identificada. ____________________________ 2PÁEZ, M. L. D. Parque industrial de carnes: característica e eficiência das unidades abatedoras de bovinos do estado de São Paulo. Agricultura em São Paulo, São Paulo, ano 22, tomo I, p. 143, 1975. 3CAMARGO, A. M. M. P. de. Substituição regional entre as principais atividades agrícolas no Estado de São Paulo. 1983. 236 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Agrárias)-Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz', Universidade de São Paulo, Piracicaba, 1983. 4ESPÍRITO SANTO, C. R. Dinâmica do desenvolvimento rural na região de Araçatuba (SP). 2005. 307 p. Tese (Doutorado em Geografia Humana)-Faculdade de Ciencia e Tecnología, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2005. 5 Op. cit. nota 4. 6Além desses 3 grandes frigoríficos, é bom ressaltar que 30% dos abates eram feitos por matadouros rudimentares, sem refrigeração e com técnicas antigas, principalmente para cobrir parte da demanda local e regional (PÁEZ, 1975; op. cit. nota 2). 7NEGRI, B. Desconcentração da indústria paulista nos últimos vinte anos (1970-1990). In: Encontro Nacional de Economia, 21., 1992, Campos do Jordão (SP). Anais... Campos do Jordão: ANPEC, 1992. 8HESPANHOL, A. N. Dinâmica agroindustrial, intervenção estatal e a questão do desenvolvimento da região de Andradina – SP. 1996. 272 p. Tese (Doutorado em Geografia Humana)-Faculdade de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1996. 9ROCHA FILHO, R. Comparação de rentabilidade em propriedade com pecuária de corte e cultivo da Cana-de-açúcar. Piracicaba (SP): Departamento de Economia, Administração e Sociologia/ESALQ/USP, 2006. (Relatório de Estágio). Palavras-chave: pecuária, desenvolvimento regional, Araçatuba (SP).
Fonte: INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Banco de Dados. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/banco/ menu.php>. Acesso em 14 ago. 2008. Ano
(ha) 2000 2007
1CARVALHO, F. C. et al. Avaliação do potencial agroindustrial das divisões regionais agrícolas de Araçatuba e Presidente Prudente, estado de São Paulo. Agricultura em São Paulo, São Paulo, v. 39, n. 1, 1992.
Data de Publicação: 28/05/2009
Autor(es): Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor