Emprego Formal na Cana-de-açúcar

            Este artigo discute alguns aspectos da ocupação da força de trabalho no Estado de São Paulo, frente ao significativo crescimento da cana-de-açúcar.

            O cultivo de cana-de-açúcar utiliza o emprego formal em percentual mais elevado que a grande maioria das culturas. A formalização, somada ao emprego de força de trabalho especializada decorrente da crescente mecanização, implica em melhorias no índice de qualidade do emprego, medido segundo Balsadi e Borin (2006)1.

            No entanto, é necessário ponderar algumas limitações desse índice e considerar o fato de que o crescimento do emprego formal na cana-de-açúcar ocorre em percentual muito aquém ao da elevação de produção, restando o questionamento sobre a força de trabalho que seria empregada por outras atividades alternativas à cana. Isto significa que a expansão da cana sobre outras culturas pode contribuir para a redução no total dos trabalhadores residentes e na PEA agrícola.

            Desta forma, observa-se que, mesmo com sua importância econômica reduzida, as demais atividades destacam-se na ocupação da força de trabalho em quase todas as regiões analisadas.

1 - Qualidade do Emprego

            A cultura da cana-de-açúcar atualmente é a atividade agropecuária paulista que mais emprega mão-de-obra na colheita. Estima-se um total de aproximadamente 163 mil trabalhadores2, empregados na safra 2006/07 com mais de 90% formalizados. Atualmente no Estado de São Paulo, 40,7% das áreas cultivadas já são colhidas por máquinas, o que representa forte impacto sobre a geração de emprego/desemprego e sua qualidade.

            Balsadi (2007)3 analisa a qualidade do emprego (IQE) na cultura da cana-de-açúcar, segundo índice desenvolvido pelo próprio autor, o qual é formado por indicadores parciais de rendimento, formalidade, educação e auxílios recebidos.

            Considerando tais parâmetros, o autor constata que houve melhorias na qualidade do emprego, oriundas de melhorias nos quatro indicadores parciais.

            A elevação do nível educacional é um subitem a ser considerado com cautela, porque pode indicar a exclusão da parcela não-qualificada e a inclusão de outros trabalhadores mais qualificados, deixando para a sociedade o ônus dessa massa desqualificada e desempregada. Esta situação é amenizada pelo maior nível de formalidade que caracteriza a cana-de-açúcar e pelo aumento da contribuição para a previdência. Também há um ônus para as prefeituras (sistema saúde e outras estruturas públicas) gerado pelos trabalhadores que vêm de outros estados (Maranhão e Piauí) e que vivem em alojamentos em condições precárias.

            Outro indicador parcial a ser analisado refere-se à elevação dos rendimentos relacionada ao aumento da produtividade do trabalho, a qual tem dois aspectos.

            Um deles é decorrente da elevação do rendimento da terra e, também, da organização do trabalho. Tal organização, no entanto, foca mais a produtividade que o bem-estar do trabalhador. No processo de corte, pode-se citar a mudança do sistema de corte de cinco para sete ruas (que havia sido proibido em Guariba, 1984), além de sistemas informatizados de controle individualizado dos trabalhadores, facilitando a seleção dos melhores 'seja em termos de produção, seja em termos de submissão e docilidade'4. Outro fator citado por representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FERAESP) é a mistura dos cortadores mais produtivos. Isto é, os cortadores chamados facão de ouro, que tinham elevada capacidade individual de corte, foram colocados à frente dos demais imprimindo maior ritmo no corte. Assim, ocorreram mortes decorrentes de uma extensa rotina de trabalho que possibilita aos cortadores sair de uma média de 6 toneladas por dia para 10 a 12 toneladas5.

            O segundo aspecto da elevação da produtividade é fortemente determinado pela mecanização que emprega trabalhadores mais qualificados e, portanto, melhor remunerados.

            Ainda há outros parâmetros relevantes para a qualidade de vida dos trabalhadores e moradores das regiões canavieiras que não são medidos pelo IQE. Trata-se de fatores ambientais, como a queima, e fatores econômicos, como a concentração da propriedade e da produção, com suas consequências na distribuição da renda.

2 - Ocupação e Emprego

            A elevação da produtividade do trabalho implicou no fato da cana-de-açúcar estar entre as culturas que mais se destacaram em redução da demanda de força de trabalho por hectare, junto com café, grãos e oleaginosas6. A PEA ocupada (medida pela Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios – PNAD) rural agrícola caiu de 543 mil para 426 mil pessoas de 1995 a 2000 (média entre os anos de 1999 e 2001).

            Assim, a cana utiliza menos força de trabalho por hectare que a média estadual (Tabela 1). A quantidade de força de trabalho demandada por hectare (medida em equivalente homem ano por 100ha - EHA/100ha) por essa cultura é maior apenas que aquela demandada por reflorestamento, pelos grãos e pela bovinocultura (Tabela 1). Assim, ao substituir área de pastagem, o que ocorreu em quase todas as regiões do estado7, pode-se elevar a ocupação de força de trabalho, ocorrendo o inverso ao substituir a grande maioria das culturas (Tabela 1). Razão pela qual a expansão da cana no oeste paulista é menos questionada que em regiões com mais diversificação.

TABELA 1 – Estimativa de Demanda de Força de Trabalho Agrícola por Hectare das Principais Culturas, Estado de São Paulo, 1998

Principais culturas
EHA/100ha
Principais culturas
EHA/100ha
Trigo
Tomate rasteiro
16 
Sorgo
Mandioca
19 
Bovinocultura1
2
Batata - inglesa
20 
Milho
Abacaxi
20 
Soja
Seringueira
26 
Pinus
Melancia
35 
Grãos2
Cebola
38 
Eucalipto
Café
41 
Cana-de-açúcar
Banana
46 
Amendoim
Maracujá
49 
Feijão
Maça
58 
Arroz
Chá-da-índia
63 
Média Estadual Ponderada SP
10
Goiaba
80 
Laranja
11 
Figo
91 
Mamona
14 
Alho
100 
Algodão herbáceo
15 
Olerícolas3
102 
Uva
108 
1Demanda de força de trabalho na pecuária de leite e de corte e da reforma de pastagem (87.673 HD, 22.344 HD e 35.632 HD, respectivamente) em 1997 (medida em homens/dia - HD) dividida pela área de pastagem cultivada.
2EHA/100ha de algodão herbáceo, amendoim, arroz, feijão, mamona, milho, soja, sorgo e trigo, ponderado pela área de 1998.
3EHA/100ha de abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura, chuchu, couve, couve-flor, milho-verde, mandioquinha, pepino, pimentão, quiabo, repolho, tomate envarado e vagem, ponderado pela área de 1998.
Fonte: Elaborada a partir de FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS – SEADE. Sensor rural. Boletim de Acompanhamento da Demanda da Força de Trabalho Agrícola no Estado de São Paulo e no Brasil, São Paulo, ano 2, n. 5, jan./abr. 1998.

            Entre 1995 e 2006, houve redução no número de trabalhadores residentes, medido pelo Instituto de Economia Agrícola (Tabela 2). Completando-se a informação com o número dos trabalhadores não residentes, que são significativos, tem-se a PEA ocupada na agricultura total, que também caiu, segundo Balsadi e Borin (2006)8, devido à incorporação de tecnologias no processo produtivo. Mas os autores ponderam que as atividades não-agrícolas compensam, em parte, essa redução da PEA agrícola ocupada (Tabela 3).

TABELA 2 - Estimativa do Total de Trabalhadores Residentes, Estado de São Paulo, 1995, 2000, 2005 e 2006

Ano
Total
Índice 2000 = 100
1995
659.464
117
2000
565.782
100
2005
441.158
78
2006
488.370
86
Fonte: Levantamento CATI/IEA. SILVA, P. S.; BAPTISTELA, C. S. L.; VERDI, A. R. Parceria como forma de trabalho rural no Estado de São Paulo, início do século XXI. Informações Econômicas, v. 38, n. 2, p. 42-51, fev. 2008.

TABELA 3 – Evolução da PEA Ocupada, Segundo Área, Situação do Domicílio e Ramo de Atividade, Estado de São Paulo, 1995, 1999, 2001 e 20051

Situação do domicílio
Ramo de
atividade
1.000 pessoas
Milhão de pessoas 
(pesos em 2005)
1995
1999
2001
2001
2005
Total
14.875
15.186
16.588
16,8
18,8 
Urbano
13.815
14.123
15.649
15,8
17,8
Agrícola
559
511
451
0,5
0,6
Não-agrícola
13.256
13.613
15.198
15,3
17
Rural
1.060
1.063
939
1,0
1,0
Agrícola
543
472
381
0,4
0,3
 
Não-agrícola
517
591
558
0,6
0,7
1Os dados de 2005 foram calculados com pesos em 2005. Repetiram-se os dados de 2001 para fornecer uma base de comparação.
Fonte: BALSADI, O. V.; BORIN, M. R. Ocupações agrícolas e não agrícolas no rural paulista – análise no período 1990-2002. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006 e Projeto Rurbano, Processamento das PNADs (pesos em 2005).

            Assim, dois fatores contribuem para a redução da ocupação: a incorporação de tecnologias poupadoras de mão-de-obra e a opção pela substituição de culturas intensivas em força de trabalho por culturas menos intensivas, como a cana, os grãos e o reflorestamento (Tabela 1).

            Os dados sobre vínculos empregatícios ativos em 31 de dezembro, medidos pela RAIS, apresentam limitação para a agropecuária devido à sazonalidade da agropecuária.

            O emprego formal em 31 de dezembro, no entanto, elevou-se e a cana-de-açúcar teve contribuição significativa. Isso se deve à diminuição das contratações feitas por intermediárias, cabendo às usinas e fornecedores arregimentarem a mão-de-obra empregada. Cresce, porém, em percentual bem menor do que o aumento das áreas novas e da produção, mais aptas para a colheita mecanizada (Tabela 4).

            A fim de analisar as contratações de forma regionalizada, utilizou-se a divisão regional desenvolvida pelo SEADE em conjunto com a UNICAMP, a qual se baseia em entrevistas qualitativas9 e 10. Esta divisão difere das outras como RAs (regiões administrativas) e Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDRs), por captar o dinamismo das mudanças socioeconômica-ambiental e por ser sensível às mudanças que ocorrem ao longo do tempo, ao contrário das outras que são estáticas, não passíveis de mudanças.

            Apesar da importância da cana-de-açúcar sobre o total das contratações no Estado, o que se observa regionalmente é que ela perde em importância para outras atividades agropecuárias. Por exemplo, em Campinas e Piracicaba, que compõem a Região Nordeste, ela é bem menos importante que para as demais atividades.

TABELA 4 - Emprego Formal, Produção e Área Nova de Cana, Estado de São Paulo, 1995, 2000 e 2005

Item
1995
2000
2005
2006
Índice 2000 = 100
1995
2000
2005
2006
Cana-de-açúcar
Área nova (ha)
448.578
338.036
552.670
821.603
133
100
163
243
Produção (1.000t)
174.913
189.391
254.810
284.917
92
100
135
150
Emprego formal
Agropecuária
322.751
312.872
336.138
361.829
103
100
107
116
Cana-de-açúcar
 80.630
66.773 
75.995 
96.384
121 
100 
114 
 144
Fonte: Elaboradada a partir de dados do IEA/CATI e RAIS.

            Na região de Piracicaba, por exemplo, o cultivo da laranja, criação de aves e bovinos absorvem 42,1% do total da mão-de-obra. Já em Campinas, os destaques ficam por conta do cultivo da laranja, café e floricultura, que juntos concentram 44,0% dos trabalhadores formais dessa região.

            Mesmo a Região Noroeste, que agrega Ribeirão Preto, Araraquara (tradicionais no cultivo da cana-de-açúcar) e São José do Rio Preto, predominam os vínculos empregatícios das demais culturas (Figura 1).

Figura 1 - Total de Vínculos Empregatícios Formais nas Regiões do Estado de São Paulo, 2007. 

Fonte: Elaborada a partir de dados da RAIS.

            Futuramente, a pesquisa se aprofundará em conhecer o dinamismo dessas outras atividades agropecuárias nessas regiões consideradas, a fim de discuti-las como alternativas para a realocação da mão-de-obra que venha a ser dispensada por conta da mecanização da colheita da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo.

________________________
1BALSADI, O. V.; BORIN, M. R. Ocupações agrícolas e não agrícolas no rural paulista – análise no período 1990-2002. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 4, p. 155-174, out./dez. 2006.

2FREDO, C. E. et al. Cana-de-açúcar: índice de mecanização em SP. Agroanalysis, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, p. 16-17, mar. 2008.

3BALSADI, O. V. Mercado de trabalho assalariado da cultura da cana-de-açúcar no Brasil no período 1992-2004. Informações Econômicas, São Paulo, v. 37, n. 2, p. 38-54, fev. 2007.

4Op. cit. nota 3.

5 Idem nota 3.

6Op. cit. nota 1.

7CAMARGO, A. M. M. P. de et al. Dinâmica e tendência da expanção da cana-de-açúcar. Informações Econômicas, São Paulo, v. 38, n. 3, p. 47-61, mar. 2008.

8Op. cit. nota 1.

9FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS – SEADE. Sensor rural. Boletim de Acompanhamento da Demando da Força de Trabalho Agrícola no Estado de São Paulo e no Brasil, São Paulo, ano 2, n. 5, jan./abr. 1998.

10JULIO, J. E.; PEREIRA, L. B; PETTI, R. H. V. Dinâmicas regionais e questão agrária no Estado de São Paulo. 2. ed. São Paulo: INCRA-SP, 2006. 

Palavras-chave: ocupação da força de trabalho, emprego formal, cana-de-açúcar.

Data de Publicação: 29/04/2009

Autor(es): Regina Petti Consulte outros textos deste autor
Carlos Eduardo Fredo (cfredo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor