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A Função Social da Informação: o Estado como agente de geração e difusão
1 - Introdução
A
defesa do mercado como instituição reguladora soberana fundamentava-se nos
conceitos de concorrência perfeita entre os agentes, simetria de informações,
rendimentos constantes de escala e ausência de externalidade. Contudo, a
confrontação desses postulados com o mundo real tornou fraco o poder explicativo
das teorias que neles se sustentavam e levou à revisão dessa
premissa.
Os
mecanismos de ajustamento ou de coordenação das escolhas não podem ser reduzidos
ao "jogo" da lei de oferta e demanda. A Teoria do Equilíbrio Geral dos mercados
descreve apenas o sistema organizado, não como ele se organiza. Existe uma
dimensão coletiva ou institucional regulamentando os mercados e toda relação
econômica que privilegie a autonomia dos agentes é casual porque é plena de
incertezas. O sistema de mercado apresenta falhas de funcionamento que o tornam
inábil para assegurar que todos os mercados operem eficientemente em todos os
tempos e em todos os casos1.
Dentre as falhas de mercado, tem-se que nem todos são perfeitos, podendo existir
estruturas oligopolísticas e monopolísticas. Em termos de preços relativos, os
preços do monopólio e do oligopólio são maiores do que o preço em concorrência
perfeita, em função do poder de mercado que estas estruturas criam. Caberia ao
Estado, portanto, mitigar a influência desse poder criado.
Tem-se ainda a presença de externalidade negativa, que o mercado sozinho é
incapaz de regular. Outro limite é a incapacidade do mercado em oferecer bens
públicos, pois estes geram benefícios coletivos. Nesses casos, haveria espaço
para o governo intervir, reduzindo falhas e atuando de maneira a complementar o
mercado.
1.1- O mercado e a
informação
O
reconhecimento que: 1) a informação é imperfeita; 2) a obtenção de informação
pode ser custosa; 3) as assimetrias de informação são importantes; e 4) a
extensão desta assimetria é afetada pelas ações das firmas e dos indivíduos; tem
fornecido explicações concretas para fenômenos sociais e
econômicos2.
Toda
informação que é conhecida ou verificável por todos é denominada como pública; e
a privada é a informação da qual apenas alguns agentes têm conhecimento. A
ocorrência desta última é responsável pelo surgimento de informação assimétrica
nos mercados e leva à elaboração de contratos incompletos.
A
assimetria de informação fortalece o exercício de poder de mercado,
principalmente em arranjos em que é grande o desequilíbrio entre a oferta e a
demanda, e/ou existem graus diferenciados de organização. As ações e parâmetros
regulatórios do Estado nesses casos se justificam para fomentar e fortalecer
ambientes competitivos e, assim, desencorajar atitudes predatórias resultantes
do poder de mercado3.
Esse
artigo está focado na assimetria de informação, particularmente sobre as
atividades econômicas do agronegócio. Entende-se que no processo produtivo, a
informação compõe a cesta de insumos básicos para a obtenção do produto final e
sua importância foi reforçada com a evolução nos meios de comunicação. A
existência, difusão e amplo acesso à informação crível e disponível em tempo
hábil são imprescindíveis para o processo de tomada de decisão e a busca de
eficiência no mercado, além de contribuir para a equidade entre os agentes
envolvidos.
2 - O Papel do Estado na
Informação
Não é
casual o fato das principais agências mundiais de informação e estatísticas
estarem sob a égide do Estado. Decorre da necessidade de levantamentos
minuciosos, sistemáticos, metodologicamente harmonizados e multidisciplinares de
ampla gama de variáveis, que contemplem as esferas de organização da sociedade:
econômica, social, cultural e ambiental.
Outro
fator é o elevado custo do processo: formação de equipe de trabalho, definição
de metodologia científica, levantamento de dados, análise de consistência,
disponibilização com manutenção de base histórica, além da difusão aos múltiplos
usuários e funções. E para ter credibilidade assegurada exige transparência e
origem em fonte isenta de interesses privados específicos.
Para
o setor privado a base de dados deve atender a objetivos que vão além dos
interesses dos agentes produtivos e/ou da esfera econômica. Exemplos são as
estatísticas de preço, que devem atender tanto a demanda da produção como a do
consumo, e dados de emprego, que são hoje considerados atributo para decisão de
compra no mercado consumidor. Para o setor público, as informações são
imprescindíveis tanto para a formulação de políticas públicas quanto para a sua
avaliação.
2.1 - Especificidades do Setor
Agrícola
Considerando-se os setores de bens e mercadorias, são muitas as características
que diferenciam o primário do secundário, destacando-se:
Essas
características e a imensa gama de produtos agropecuários existentes tornam mais
difícil sistematizar a coleta de dados, elevam o custo na obtenção de
informações estratégicas, contribuindo para a assimetria de informação entre os
agentes. Considerando-se apenas o Estado de São Paulo, há cerca de 324 mil
Unidades de Produção Agropecuária (UPAs), com área média de 68 hectares, e mais
de 100 atividades exploradas economicamente4. 3 - A Informação Agrícola no Estado de
São Paulo
Desde
1942, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA)
provê, à sociedade, dados estatísticos e informações da agropecuária paulista,
pioneira em algumas estatísticas, até mesmo em relação às agências do governo
federal.
Até
meados dos anos 1990, contavam como canais de difusão a rede de assistência
técnica do Estado, boletins e revistas técnicas e os meios de comunicação
tradicionais. Atualmente, destaca-se o eletrônico, como meio de divulgação da
extensa base de dados históricos disponibilizados pelo Instituto de Economia
Agrícola (IEA).
Entre
os principais dados que fornece e sistematiza, relacionados à produção
agropecuária e aos seus fatores, com unidades de referência física e monetária,
destacam-se: preços (insumos, recebidos pelos produtores, atacado e varejo);
previsão e estimativas de safras agrícolas e de produção animal (área, produção
e rendimento); mercado de trabalho (salários e emprego); e mercado de terra. Os
dados são obtidos por meio de censo, amostragem e outros métodos científicos,
sendo muitos dos levantamentos, notadamente os realizados no interior do Estado,
realizados em parceria entre o IEA e a Coordenadoria de Assistência Técnica
Integral (CATI).
Um
exemplo da importância e aplicabilidade da informação pública da SAA é o das
estatísticas de preço de terra que permitiram, por ocasião da regularização
imobiliária de áreas protegidas no Estado de São Paulo, uma economia fenomenal
aos cofres públicos. Isto porque o laudo pericial, ao tomar como base as séries
estatísticas de preços de terras do IEA, com respaldo científico e evolução no
tempo, pôde contestar os valores muito mais elevados apresentados pelos
proprietários das terras desapropriadas5. Os agentes privados, além
de utilizarem também as estatísticas com essa finalidade, lançam mão para
contestar valor base da terra no cálculo de tributação fundiária, espólios
etc.
Outra
aplicação corrente é o das estatísticas de ocupação do solo agrícola, que são
parâmetros da metodologia empregada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São
Paulo para o repasse da cota parte da arrecadação (25%) do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aos municípios paulistas (Lei No
8.510, de 29 de Dezembro de 1993). Isto permitiu um aprimoramento da legislação
tributária paulista, de 1981, que não considerava a ocupação do solo agrícola
como critério na divisão da receita do ICMS aos municípios. Ou seja, resultou em
ganho para a sociedade em geral, visto que grande parte dos municípios tem na
agropecuária sua principal fonte de renda6.
As
estatísticas de ocupação do solo também orientam a expansão da produção, assim
como na definição de zoneamentos agroecológicos, já que internaliza a ação do
homem sobre o meio, que altera as condições primárias naturais. Neste caso,
complementam as recomendações agroclimáticas e de legislação ambiental que,
aliadas a informações de emprego e renda, subsidiam a formulação de políticas
públicas com foco social, levando em conta as especificidades
locais.
Os
censos possuem extrema relevância, por permitirem interagir e atuar corretamente
sobre o meio (incorporando a complexidade existente), e avaliar as
transformações ocorridas, além de fornecerem cadastro atualizado da população
para que levantamentos amostrais continuem a ter eficiência em seus resultados.
Exemplo dessa contribuição para tomada de ação eficiente ocorreu nos anos 1990,
com o emprego de informações do Projeto LUPA, mais especificamente sobre
eletrificação, uso de computadores e demais condições de infraestrutura, que
permitiu definir o público-alvo e dimensionar os recursos necessários para o
Projeto Tem Luz do governo paulista. Destaca-se que, uma vez implementada a
política, levantamentos amostrais posteriores permitem avaliar sua eficiência
para, eventualmente, corrigir sua orientação.
Além
disso, a manutenção e disponibilização de base histórica têm tido ampla
utilidade pública e privada, de importância intra e interssetorial, tais como:
aplicação de modelos para prospecção de oferta e demanda de produção;
perspectivas sobre o mercado de trabalho; indicadores socioeconômicos e
ambientais; estimativa de recursos para financiamento das atividades
agropecuárias; subsídios para políticas de seguro agrícola; e elaboração de
numerosos estudos e pesquisas científicas analíticas e propositivas
etc.
Finalmente, destaca-se que os altos custos envolvidos para o Estado no processo
de obtenção da informação têm sido mais que compensados pelos benefícios gerados
à sociedade. No cumprimento dessa importante função social, tem havido,
inclusive, esforços para a ampliação e disponibilização dos bancos de dados da
agropecuária paulista.
__________________________
2STIGLITZ, J. E. The
contributions of the economics of information to twentieth century economics.
Quaterly Journal of Economics, v. 463, p. 1441-79,
2000.
3FARINA, E. Política industrial e
política antitruste: uma proposta de conciliação. Revista do IBRAC, v. 3,
n. 8, 1996.
4TORRES, A. J.; PINO, F. A. et
al. (Org.). Projeto LUPA 2007/08: Censo Agropecuário do Estado de São
Paulo. São Paulo. São Paulo: IEA/CATI/SAA, 2009.
5SCHWENCK JUNIOR, P. de M.;
Azevedo, P. U. E. de (Org.). Regularização imobiliária de áreas
protegidas. São Paulo: SMA/Procuradoria Geral do Estado,
1998.
6PINO, F. A. Participação dos
municípios paulistas no ICMS. Informações Econômicas, São Paulo, v. 24,
n. 5, maio 1994.
Palavras-chave: informação,
estatísticas agrícolas, papel do Estado.
1FRYDMAN, R. Les identités du
marché. In: BELLON, B. (Org.) et al. L’Etat et le marché. Paris:
Economica, 1994. p. 34-43.
Data de Publicação: 17/03/2009
Autor(es):
Valquiria da Silva Consulte outros textos deste autor
Nilda Tereza Cardoso De Mello (nilmello@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor