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Rumos da Viticultura Paulista: reflexões
                                 Na 
realização do I Simpósio em Pesquisa e Desenvolvimento em Vitivinicultura do 
Estado de São Paulo, na Unicamp, em novembro de 2006, e do II evento em novembro 
de 20071, tendo como o tema a revitalização do setor, várias questões 
controversas vieram à tona, entre as quais: 
 2) Vale a pena investir em vitivinicultura 
paulista após tantos anos de desprestígio?3             
Dependendo da ótica e dos interesses envolvidos, a resposta imediata a ambas as 
questões poderia ser um sonoro não. As outras alternativas podem emergir ao 
tentar compreender a questão com maior perspectiva no olhar.              A 
produção de vinhos, este produto que acompanha a humanidade há 8.000 anos, é 
considerada arte e ciência: arte para criar o estilo e ciência para repetir a 
criação. Embora milenar, a vitivinicultura mundial somente deu o "salto" 
tecnológico na segunda metade do século XX, mais intensamente nas últimas três 
décadas, desenhando-se o contorno do atual Atlas Mundial com a incorporação das 
regiões emergentes do Novo Mundo: Califórnia, Austrália, Nova Zelândia, África 
do Sul, Chile e Argentina. Hoje, em termos de regiões promissoras e novas 
oportunidades, fala-se até em mercados CRIB: China, Rússia, Índia e 
Brasil4. Em primeiro lugar, diferentes produtos, estilos, gostos e 
preços convivem no mercado de vinho sob o nome "vinho". Alguns, de tão 
valiosos, viraram mais produtos para investidores que consumidores, caso dos 
Premiers Crus de Bordeaux, safra 2005. Mas é possível a coexistência de vinhos 
de estilos e níveis de preços absolutamente díspares no mesmo mercado. O 
Champagne Dom Pérignon – de mais de cem dólares – é sucesso absoluto desde 1936, 
assim como o espumante rosé Mateus – de quatro dólares no mercado americano – é 
sucesso desde 1942, no mercado internacional com gerações de consumidores 
cativos5. 
             
Quanto à tão propalada qualidade do vinho, nesse mar de vinhos, o que seria em 
síntese? Robert Parker, temido editor do The Wine Advocate, ao ser 
perguntado sobre as qualidades mais importantes que um bom vinho deve 
ter, respondeu: "Somente uma: proporcionar prazer para quem bebe. 
Vinho bom é aquele que você gosta. Simples 
assim"6. 
             
Portanto, há espaço para vários gostos e renda, inclusive para os vinhos de 
mesa, de videiras americanas e híbridas. Vinhos de mesa que atendam aos 
requisitos exigidos para a função de um bom vinho, ou seja, de alimentar, 
saciar, compartilhar, conviver, festejar etc. 
             Mark 
Chien, viticultor formado em Viticultura & Enologia pela prestigiosa 
Universidade de Califórnia Davis, e consultor em viticultura, no seu artigo 
In praise of grape diversity, fornece melhor que ninguém a visão de como 
as uvas americanas e as híbridas podem ter lugar ao sol no mercado de vinhos 
mesmo num mundo dominado pela Vitis vinifera. No passado, já produtor de 
delicadas uvas Pinot Noir no Oregon e palato acostumado até então a 
vinhos finos de Vitis vinifera, quando se mudou para a Pensilvânia teve 
um rude despertar ao ser confrontado com nome de uvas híbridas como 
Traminette e Concord. Mas um dia, numa tarde quente de verão, 
durante um encontro de fim de semana numa vinícola, viu centenas de pessoas 
divertindo–se com música, comida e vinho e para seu espanto, de vinhos suaves ou 
semi–secos feitos de uvas da variedade americana ou híbrida. "Mon dieu! Estes 
vinhos estavam proporcionando tanto prazer quanto qualquer cult wine de Napa 
Valley Cabernet Sauvignon e por um preço bem melhor. O vinho proporcionava 
exatamente a experiência que todos nós esperamos – perfeito acompanhamento para 
uma boa comida, convivência, boa conversa e divertimento. Poderia a experiência 
deles ter sido melhor se eles estivessem tomando um vinho caro? Seriam essa 
gente bebendo vinhos simples de uvas híbridas menos que um consumidor de 
Bordeaux? Eu diria não em ambos os casos" 7. 
             O 
Jefferson Cup, uma competição de melhores vinhos americanos, comandada 
por Doug Frost, Master of Wine e Master Sommelier – títulos 
valorizados e difíceis de obtenção no mundo de vinhos8 – convida, 
para o evento de 2008, várias vinícolas americanas consideradas de excelência, 
entre elas várias especializadas em vinhos de videiras americanas e/ou híbridas. 
Na edição de 2006, os vinhos que conquistaram o Jefferson Cup com estas 
uvas são vários, com nomes de uvas como Vidal Blanc, Seyval Blanc 
– ambos híbrido franco americano – e Concord (híbrido de Vitis 
labrusca), este último tão caro, também para os produtores 
brasileiros9. 
             Se, 
vale investir em vitivinicultura paulista seja utilizando a delicada Vitis 
vinifera, ou não, dependerá principalmente da viabilidade econômica. As 
variáveis econômicas que vão determinar basicamente o sucesso ou o fracasso 
desse empreendimento são o custo de produção e preço de equilíbrio do produto no 
mercado, embora os preços dos produtos substitutos ou concorrentes, política de 
incentivo ou desestímulo, marketing e sistemas de comercialização 
desloquem os pontos de equilíbrio acima ou abaixo, tornando os investimentos 
mais ou menos atrativos. A política pública pode influenciar construtivamente 
para orientar os resultados no sentido do ótimo social e econômico para o 
produto e região em questão. 
             A 
produção de vinhos, embora considerada tradicionalmente atividade adaptada para 
latitudes na faixa (aproximada) de 30o a 50o de latitude 
Norte ou Sul, fala-se hoje em New Latitude Wines, no Brasil – com uvas 
produzidas no Vale do São Francisco fora dos paralelos ortodoxos para 
vitivinicultura até então; e também na Tailândia com vinhedos 
flutuantes10. Para contornar os problemas de produção em regiões e 
latitudes aquém do ideal, novas tecnologias são adaptadas para melhorar a 
qualidade vinho. Uma delas, recém saída do "forno tecnológico" viabilizou o 
primeiro vinho fino do cerrado brasileiro – bem longe do paralelo ideal – 
através da inovação tecnológica chamada "dupla poda", necessária para alteração 
do ciclo de colheita da uva para uma época do ano em que as condições climáticas 
fossem mais favoráveis para a qualidade dos vinhos. É fruto da pesquisa 
desenvolvida pela Epamig. As videiras são podadas no período de janeiro a março 
e as uvas são colhidas no inverno, época em que o solo seco, associado a dias 
ensolarados e noites frescas, permitem a colheita de uvas com maturação e 
sanidade excelentes, dando origem a vinhos de alta 
qualidade11. 
             
Finalmente, desenvolver um produto, criar uma marca, impulsionar econômica e 
socialmente uma região exigem esforços de Hércules com a sabedoria de Ceres em 
toda a linha de criação e produção. Cabe a todos os agentes envolvidos na 
revitalização da vitivinicultura paulista12 provar com inteligência e 
criatividade que o sucesso é possível, em que pese toda a dúvida ou descrédito, 
caso a sociedade paulista e brasileira como um todo seja beneficiária. Quem 
sabe, haverá um dia em que um enófilo brasileiro compartilhe as palavras deste 
entusiasta norte americano: "Adoro Barolo. Adoro um bom Cabernet Sauvignon. 
Eu posso apreciar um Margaux ou Pauillac, mas nenhum desses vinhos diminui o meu 
sincero interesse e apreciação pelas uvas nativas americanas ou híbridas de 
cujos vinhos adoro"13. 
             Um 
fato promissor para o vinho brasileiro como um todo é a notícia da elaboração 
consensual da carta com 40 rótulos nacionais, que serão servidos nos eventos 
oficiais promovidos pelo Palácio do Planalto, abrangendo tintos, brancos, 
espumantes brut, espumantes de Moscatel, vinhos de sobremesa e sucos de 
uva14.  2Ver: ROSA, S. M. Volta ao 
passado. Adega, v. 3, n. 26, p. 12, 2007. 
 3Ver: PIVETTA, M. Simpósio 
discute o futuro do vinho paulista. Bon Vivant, v. 10, n. 106, p. 9, dez. 
2007. 
 4JOSEPH, R. India or China? The 
new wine frontier?. Disponível em: <http://www.thejosephreport.com/>. 
Acesso em: 11 jun. 2007. 
 5WINE BUSINESS INTERNATIONAL. 
Global Tastings. Dom Pérignon and Mateus Rose. Disponível em: <http://www.wine-business-international.com/Global_Tastings.html>. 
Acesso em: 10 out. 2007. 
 6 VIEIRA, E. Vinho bom é o que 
lhe agrada. Época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/ 
0,,EDG77404-6014-470,00.html>. Acesso em: 8 fev. 2008. 
 7CHIEN, M. In praise of grape 
diversity. Disponível em: <http://www.jancisrobinson.com/articles/20061116>. 
Acesso em: 17 nov. 2006. 
 8Ver em: <http://www.mastersommeliers.org/membership>. 
e <http://www.masters-of-wine.org/MembersWhoAre. 
aspx>. 
 9Ver os resultados do Jefferson 
Cup 2006 em: <http://www.dougfrost.com/thejeffersoncup/?jca_year=2006&btn= 
Show>. 
 10JANCIS, R. New latitude wines. 
Disponível em: <http://www.jancisrobinson.com/articles/winenews0601>. 
Acesso em: 22 fev. 2008. 
 11EPAMIG. Epamig lança primeiro 
vinho fino do serrado brasileiro. Disponível em: <http://www.epamig. 
br/index.php?option=com_content&task=view&id=325&Itemid=68>. 
Acesso em: 11 fev. 2008. 
 12VERDI, A. R. (Coord.). 
Revitalização da cadeia vitivinícola paulista: competitividade, governança e 
sustentabilidade. Projeto financiado pela FAPESP. 
 13BULAS, P. Interspecific Grapes 
are a Good Thing. Disponível em: <http://hybridwines.blogspot.com/2007/ 
11/interspecific-grapes-are-good-thing.html>. Acesso em: 11 fev. 
2008. 
 14A SELEÇÃO apresentada ao 
presidente. Bom Vivant, p. 12, jan. 2008. 
 Palavras-chave: vinho paulista, Vitis 
vinifera, uvas híbridas, uvas americanas, revitalização. 
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1 II SIMPÓSIO EM PESQUISA 
E DESENVOLVIMENTO EM VITIVINICULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em: 
<http://www.cori.unicamp.br/vitivinicultura2007/sobre.htm>. 
Data de Publicação: 03/03/2008
Autor(es): Ikuyo Kiyuna Consulte outros textos deste autor

                    
                        