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Decreto n. 6.323, de dezembro de 2007, sobre agricultura orgânica: algumas considerações
Decorridos
quatro anos, a Lei n°
10.831, de 23 de dezembro de 2003',
acabou de ser regulamentada. Constitui, sem dúvida, em mais um avanço para o
setor da agricultura orgânica e da agroecologia no Brasil. Uma primeira leitura
do Decreto no 6.323, de dezembro de 20072, entretanto,
permitiu a identificação de algumas falhas que, nas revisões previstas na lei,
futuramente poderão ser alteradas. É,
portanto, apenas no sentido de colaborar com os produtores agrícolas orgânicos
e o setor como um todo que neste artigo levantam-se alguns pontos que foram
considerados omissos ou equivocados. No capítulo 1 que trata "Das definições" cabe a questão: não seria
mais adequado que no regulamento constasse o termo conceitos3 ao invés de definições', dadas a
amplitude e as variações existentes nos sistemas de produção previstos no
parágrafo 2° da Lei pelo qual "O
conceito de sistema orgânico de produção abrange o: ecológico, biodinâmico,
natural, regenerativo, biológico, agroecológico, permacultura e outros que
atendam os princípios estabelecidos por esta lei". Ademais
ficaram faltando algumas definições ou conceitos importantíssimos no caso da
produção agrícola orgânica, como, por exemplo, plano de manejo, insumos
internos, insumos externos, romaneio e o termo fundamental no processo de
garantir a qualidade orgânica que é a rastreabilidade. Este termo especificamente
aparece várias vezes no texto do decreto, mas não é por ele definido ou
conceituado. Já o termo romaneio que constitui um documento muito importante
para viabilizar a rastreabilidade sequer aparece no texto. E grande parte dos
produtores, principalmente os pequenos e menos organizados, apresentam
dificuldade e/ou resistência a elaborá-lo e apresentá-lo. E sem o romaneio...
não há uma confiável rastreabilidade! No decorrer do texto do decreto utilizam-se indiscriminadamente até como
sinônimos os termos: norma,
regulamento, regras e procedimentos. Nesse caso se forem todos sinônimos, porque não utilizar
apenas um para simplificar. Caso sejam diferentes que se esclareçam as
diferenças definindo-as ou conceituando-as. A
agricultura orgânica tem seu fundamento certamente na agroecologia, mas esse
termo só vai aparecer no decreto quando se refere à Coordenação de Agroecologia
da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário do Ministério de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA). No texto
ora aparece "sistema orgânico de produção", ora "sistema de
produção orgânico" como sendo a mesma coisa e não significam a mesma
coisa, são diferentes. Essa diferença deve-se ao fato de que a
produção orgânica não é orgânica apenas por ser fertilizada com matéria
orgânica, mas sim porque esse sistema de produção deve apresentar uma
organicidade, ou seja, funcione como um organismo relacionando e integrando
harmonicamente suas atividades e estas com o ambiente natural e o social. O texto
todo se refere aos consumidores quando num regulamento sobre agricultura
orgânica se poderia adotar um outro conceito, o de cliente que apresenta uma conotação de fidelidade e
preocupação deste para com o processo de produção e suas conseqüências sociais,
ambientais e de saúde. E não o termo consumidor que dá uma idéia de que o
objetivo único é apenas de simplesmente querer consumir os produtos... e
pronto. No capítulo
II "Das diretrizes" não há referência alguma ao princípio da
precaução e nada se fala do equilíbrio ecológico que constitui uma das
principais "diretrizes" a serem respeitadas por qualquer produção orgânica
agropecuária. O inciso VIII desse capítulo se refere a "procedimentos
éticos", mas não se define ou se esclarece o que o regulamento considera
ético ou ética. Nesse mesmo capítulo o inciso X fala de "boas práticas de
manuseio". Deve-se ressaltar que o conceito de "boas práticas
agrícolas" já foi "apropriado" pela agricultura convencional,
sendo que o mais adequado seria o de práticas agroecológicas. O inciso XI
surpreendentemente é o único que trata do solo e recomenda o uso saudável do
solo, sem esclarecer o que isso significa. O correto teria sido "o uso
ecológico do solo". No inciso XII faltou estender o bem-estar dos animais
até o seu abate onde provavelmente o sofrimento pode ser maior. Já o inciso
XIII foi muito bem colocado à medida que recomenda o "incremento dos meios necessários ao
desenvolvimento e equilíbrio da atividade biológica do solo". Este inciso
de certa forma compensa a omissão do inciso XI que fala do "uso saudável do solo". O inciso XV
que trata da reciclagem poderia destacar o estímulo ao uso de insumos internos
e desestímulo dos insumos externos mesmo aqueles de conteúdo não poluente/contaminante
ou biológicos. Na seção IV
(que trata das "Boas práticas") do Capítulo II e seu artigo 10° e § único não só não esclarecem o
que sejam "boas práticas", como deixam de incluir no regulamento o
que seriam "boas práticas" qualificadas como ecológicas. No capítulo VI "Da Comercialização" em seu artigo 16º inciso
II poderia ter incluído ou se referido à necessidade imperiosa da existência do
romaneio, tão fundamental para a viabilização da rastreabilidade que caracteriza a produção orgânica ou ecológica
agrícola. Esse mesmo
Capítulo omite qualquer referência a como deverá funcionar a circulação de mercadorias
orgânicas agrícolas no contexto do mercado interno no que tange ao
reconhecimento mútuo entre as certificadoras por auditoria, por certificação
participativa e destas diante do Estado. Esta questão do reconhecimento entre
certificadoras tem sido um dos principais obstáculos para o livre crescimento e
constituição de um mercado nacional de produtos orgânicos in natura e
processados. Somente no
Capítulo II do Título II em seu artigo 27 é que aparece o termo rastreabilidade
que não foi definido no artigo 2º do capítulo I "Das definições" do
Título I. O termo rastreabilidade só vai aparecer de novo no artigo 39 do
decreto. Em relação
ao Capítulo VII em seu artigo 79 que trata das penalidades administrativas,
verifica-se que não foi incluída pena ou punição para a falta da apresentação
do romaneio quando solicitado. Seria necessário estabelecê-la, mas com cuidado,
dadas as dificuldades para os produtores, especialmente os analfabetos, para
elaborá-la. A complexa solução dessa questão decorre de que esse fato constitui
uma das mais freqüentes "não conformidades" identificadas. Muitas
vezes os produtores não estão preparados intelectualmente para tal e, por outro
lado, esse documento é fundamental para garantir o êxito da fiscalização e a
lisura do processo. Nos
capítulos VII, VIII, IX e X que tratam das infrações e penalidades seria
interessante ligar essas infrações sempre que couber ao crime de
"falsidade ideológica" uma vez que os produtos orgânicos
caracterizam-se por serem "bens de crença" como são, por exemplo, os
planos de saúde. O cliente,
no caso específico dos produtos orgânicos agropecuários, acredita que aquilo
que está adquirindo foi gerado através de um processo de produção controlado
por alguém e agora pelo Estado e também respeitado por quem os produziu.
Portanto, qualquer procedimento que caracterize má fé ou oportunismo por parte
de qualquer um dos agentes participantes desde a produção até chegar às mãos do
cliente constitui fraude ou falsidade ideológica. Ademais a
gravidade e as conseqüências das infrações não se limitam ao prejuízo da saúde
dos clientes e danos provocados ao meio ambiente e aos trabalhadores rurais,
mas podem ter um sério impacto na própria credibilidade do mercado de produtos
orgânicos prejudicando uma grande maioria séria, honesta e cumpridora das leis,
regulamentos normas, regras e procedimentos. E o compromisso dos agentes de
produção, comercialização e processamento de produtos orgânicos agrícolas vai
além de tudo isso que está escrito, configura sim um comportamento ético
fundamental ao sucesso e crescimento da agricultura orgânica no Brasil e no
mundo. 1Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/
pdf/sf/2004/04/26042004/10918.pdf> Acesso em: 29 jan. 2008.
2Disponível em: <http://www.aao.org.br/decreto6323.pdf> Acesso em: 29
jan. 2008. 3Conceito - O significado
subentendido na palavra "conceito" é o de agarrar uma coisa junto com
outra ou outras, o de pegar duas, três ou várias coisas ao mesmo tempo, o de
juntar várias coisas numa mesma mão. O conceito é precisamente o instrumento
mental que deve permitir captar, ao mesmo tempo, uma palavra ou termo, a idéia ou intenção subentendida e a coisa real que lhes corresponde 4Definição - s f (lat definitione) 1 Ação de
definir. 2 Proposição que expõe com clareza e exatidão os caracteres genéricos
e diferenciais de uma coisa. 3 Palavras com que se define. 4 Ret Exposição dos diversos lados
pelos quais se pode encarar um assunto. 5 Ecles Decisão. 6 Grau de nitidez, nas imagens de televisão. D. acidental: a que define
a coisa pelos seus acidentes. D. causal: a que define
a coisa pelas causas produtoras. D. contextual:
significado de uma palavra, expressão ou símbolo, que é parcial ou
totalmente determinado pelo significado de uma expressão maior que a contém. D. de célula, In form: numa planilha
eletrônica, fórmula que está contida em uma célula. D. descritiva: a que define a coisa enumerando os seus elementos característicos. D. empírica: a que define a coisa
com os dados fornecidos pela experiência. D. etimológica: a que define a coisa pela significação dos
elementos componentes da palavra que a exprime. D. explícita: definição que dá um equivalente exato do termo definido. Opõe-se a definição contextual. D. falsa: aquela em que
a proposição recíproca não é verdadeira. D. genética: a que explica a coisa pelo seu processo de formação. D. muscular, Anat: grau de
nitidez dos músculos da periferia do corpo humano. D. negativa: a que define a coisa com a explicação da noção contrária. D. nominal: a que explica a
significação dos vocábulos que representam as coisas. D. obscura: aquela em cuja
redação se usam termos ambíguos. D. real: a que exprime
o que é a essência da coisa que a palavra significa. D. tautológica: aquela que
contém termos que estão por definir. Palavras-chave: agricultura
orgânica, decreto n. 6.323, regulamentação.
Data de Publicação: 11/02/2008
Autor(es): Richard Domingues Dulley Consulte outros textos deste autor