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Novas Tendências De Inserção De Pequenos Agricultores No Mercado De Cafés Especiais: Produção Orgânica, Comércio Solidário E Slow Food
Novos
padrões de consumo, especialmente em países mais desenvolvidos, estão abrindo
oportunidades que permitem incluir produtores familiares no comércio
internacional. Os nichos de mercado, principalmente aqueles voltados para as
novas posturas nas práticas comerciais, apresentam exigências em relação à
preservação do meio ambiente e à responsabilidade social das empresas, sem
deixar de lado, é claro, a qualidade dos produtos. Estes são atributos
específicos que conferem um caráter de especialidade aos produtos e podem, sem
muita dificuldade, ser incorporados à produção em pequena escala utilizando
mão-de-obra familiar. As novas formas: produção orgânica e comércio solidário
Os
conceitos de preservação ambiental e de responsabilidade social estão se
aproximando cada vez mais tanto nos movimentos de agricultura ecológica quanto
no de mercado solidário, mostrando uma linha de convergência nesse sentido. Alguns exemplos
Os exemplos de comércio solidário de café no Brasil ainda são poucos e
estão sempre associados à produção orgânica. Podemos citar a experiência
de produtores de café sombreado da Serra de Baturité, uma 'ilha' de Mata
Atlântica situada a 100 km de Fortaleza, no Ceará. Cerca de 120 produtores
do Projeto Café Ecológico exportaram, em 1999, 500 sacas do produto para a
Suécia, recebendo 50% de prêmio em relação aos cafés comuns. Segundo a
Fundação CEPEMA, que desenvolve o projeto em conjunto com a Sociedade
Sueca de Proteção à Natureza, a meta é criar novas relações com o
ecossistema local e ajudar a recuperar a economia da
região. Outra
iniciativa de comércio solidário é a exportação de café orgânico de Machado, no
Sul de Minas, para uma cooperativa de consumidores do Japão por intermédio de
uma trading, a Organic Coffee. O produtor, senhor Carlos Franco, é um dos
pioneiros da cafeicultura orgânica e foi escolhido porque, além de produzir um
produto de qualidade, estabeleceu relações de trabalho muito particulares e
vantajosas com seus empregados. Para seus consumidores, o preço da mercadoria
não é o componente mais importante. Estão dispostos a pagar mais pelo alimento
porque conhecem a forma como foi produzido. Ressalte-se que estabelecem
comunicação com os trabalhadores da fazenda, por meio de cartas ou vídeos, e
promovem a visita de grupos até as áreas de cultivo. O ‘Slow Food’
Esses produtores não se beneficiam da estrutura do comércio mundial, que privilegia a produção em larga escala e a competição via preços. Mas há alternativas que podem ser exploradas para incluí-los com competência em novos mercados, cujas características específicas são adequadas para a participação desse segmento social. Essas alternativas incluem produtos comercializados sob as regras do mercado solidário, com adoção de práticas de agricultura ecológica e/ou orgânica e, por fim, que possam engajar-se no movimento conhecido como slow food. Adiante, serão
expostas algumas aplicações dessas novas práticas comerciais, a partir do café,
uma vez que esta atividade tem se mostrado um exemplo adequado para as
alternativas aqui apresentadas.
A transição para práticas orgânicas é relativamente simples para pequenos
agricultores. Isso acontece porque muitos deles, já descapitalizados, não usam
produtos químicos e mantêm áreas diversificadas de cultivo, como estratégia de
reprodução social. Além disso, os benefícios obtidos, como a melhor remuneração
obtida pelo produto orgânico certificado, são de reconhecimento imediato pelos
agricultores. O mercado de orgânicos vem se expandindo rapidamente nos últimos
anos, impulsionado pela ocorrência de doenças como a vaca louca e contaminações
como as causadas pela dioxina. Apesar de se constituir num nicho de mercado, seu
potencial de crescimento ainda é muito grande.
A Associação de Cafeicultura Orgânica do Brasil (ACOB) estima em 60.000 sacas a
produção de café orgânico certificado em 2000/01, das quais 58.800 serão
destinadas ao mercado externo. Além de promover a preservação ambiental, é
possível se obter cafés orgânicos com excelente qualidade da bebida, como
atestam os produtores orgânicos classificados no Concurso de Qualidade promovido
pela Brazil Specialty Coffee Association (BSCA) em 2000 e 2001. Segundo o
presidente da Associação, os cafés gourmet podem obter um ágio que varia de 15%
a 150%.
O comércio eqüitativo, também conhecido como fair trade, comércio justo ou ainda mercado solidário, é um movimento que nasceu
para promover o desenvolvimento agrícola e social equilibrado. Surgiu na Europa
a partir de 1988, buscando construir relações comerciais mais diretas entre
produtores de países em desenvolvimento e consumidores de países
industrializados. O movimento teve origem a partir das relações desiguais na
produção do café e vem se desenvolvendo de modo mais efetivo em outros países da
América Latina, como o México e Guatemala.
O objetivo é fornecer estímulos para que os agricultores possam conduzir seu
próprio desenvolvimento e com isso obter maior rentabilidade. A proposta tem
como base o respeito mútuo, a justiça social e a transparência nas relações
comerciais. Busca reduzir a distância entre produção e consumo, eliminando
intermediários e garantindo, desse modo, a colocação dos produtos com uma melhor
remuneração para aqueles agricultores que quase sempre estão em desvantagem nos
mercados tradicionais.
Café sombreado no
Ceará
Foto: Maria
Célia M. Souza
Com isso, consegue-se diminuir a distância entre produtores e consumidores que
valorizam estes atributos. Além de garantir melhores preços aos cafeicultores,
pois esses produtos são melhor remunerados, essa forma de comércio tem se
estabelecido num clima de confiança entre as partes, com parcerias de longo
prazo.
Já o movimento slow food, ainda pouco conhecido no país, surgiu na Itália há 14 anos e conta atualmente com 65.000 membros espalhados pelo mundo. Teve início como reação de um grupo de adeptos da boa mesa ao fast food, ou comida rápida, servida nas grandes redes de lanchonetes, como o Mac Donald’s. |
Seus adeptos adotam a filosofia de comer sem pressa, apreciando o alimento, valorizando pratos típicos e ingredientes locais, produzidos de modo artesanal. Há uma forte preocupação com a educação para o sabor e com a promoção de ações concretas para valorizar o saber local, o que aumenta a auto-estima das populações rurais. Entre elas está a iniciativa de apoiar produtores familiares com auxílio econômico, para recuperar atividades locais tradicionais cuja produção esteja sendo ameaçada. Chegou ao Brasil há poucos meses, com a abertura de convívios (nome dado às associações locais de slow food) no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
O movimento classifica-se como ‘ecogastronômico’, uma vez que seu posicionamento é favorável à promoção da biodiversidade e ao estímulo à curiosidade de experimentar novos pratos, como forma de impedir a extinção de alguns alimentos tradicionais, dignos de serem preservados, e bloquear a padronização industrial da comida promovida pelo fast food. A exemplo da Arca de Noé, o slow food desde 1996 tem como meta
estabelecer a Arca do Sabor, a partir de produtos, pratos, animais, frutas,
legumes e verduras ameaçados de extinção, que são identificados e catalogados em
vários países do mundo. Os melhores exemplos de preservação da herança
gastronômica e da defesa da biodiversidade são premiados desde o ano passado com
o Slow Food Award.
Os produtos que integram a Arca do Sabor são muito variados. Para se ter uma
idéia, os vencedores do Prêmio Slow Food no ano passado vieram da Mauritânia,
pelo incentivo à produção de leite e queijo de camelo por pastores nômades, do
México, pelos esforços para conservar as plantações de baunilha e cacau quase
extintas na região de Chinalta, da Rússia, pela conservação de legumes
tradicionais desse país, da Espanha, pela preservação de espécies animais
comestíveis em extinção, e da Turquia, pelos esforços para produzir o
tradicional mel de Anzer e garantir a sobrevivência da abelha que leva o mesmo
nome. Entre os produtos brasileiros indicados para o prêmio em 2000, estão a
cabra pé-duro, o vinho orgânico, a formiga frita e a almôndega de capivara. Em
2001, foram indicados as atividades da ONG CAATINGA, de Ouricuri (PE), por seus
trabalhos de desenvolvimento da agricultura familiar no Semi-Árido com cultivo
de algodão orgânico, e a criação ecológica de ovinos, caprinos e abelhas; os
produtores de verduras orgânicas do Sítio Moinho em Itaipava (RJ); e o churrasco
de bambu e frutas raras, pouco conhecidas ou quase extintas como chichá,
jabuticaba branca e cambuci, entre outras.
Os cafés especiais podem ser fortes candidatos a pertencer ao movimento slowfood, sobretudo se considerarmos sua raridade e o prazer oferecido pela degustação da bebida. A exemplo das cartas de vinho, foi lançada no ano passado em São Paulo uma carta de cafés no restaurante Dom do chef Alex Atala, numa tentativa de associar a bebida à alta gastronomia. Três padrões de café para degustação acompanham o cardápio: São Sebastião da Grama, da região Mogiana (SP), de aroma floral cítrico e sabor adocicado, servido com amaretto; Sarutaiá, da região Sorocabana (SP), de aroma herbáceo com nuances de alecrim e sabor que lembra o chá Darjeeling, servido
com sequilhos; e Paracatu, do cerrado mineiro, de aroma de nozes e sabor
achocolatado, servido com petit fours. O elevado padrão de qualidade da bebida
também pode ser obtido por pequenos produtores.
Em poucas palavras
As
três formas de diferenciação de produtos acima apresentadas têm potencial para
acolher a pequena produção de qualidade, sob uma ótica de consumo responsável.
Quanto maior o grau de consciência dos consumidores, maior será o nível de
exigências quanto à presença de determinados atributos.
Cabe ressaltar a importância da incorporação desses novos valores, como
barreiras não-tarifárias, nas práticas comerciais. A introdução de preocupações
com a preservação ambiental e a responsabilidade social possibilitam que aqueles
produtores até então excluídos desses mercados diferenciados possam se
beneficiar de maior eqüidade, uma vez que o prêmio obtido pelos produtos
especiais permite uma melhor distribuição dos ganhos entre os agentes
produtivos. Tratam-se, portanto, de estratégias que promovem o bem estar social,
o emprego e a melhor distribuição de renda.
Para conhecer mais
ABIC.
Conferência debate café orgânico em Machado. Jornal do Café, ano IX, n. 104,
p.3-8, abril, 2000.
FALCÃO, Daniela. A ordem é
tranqüilidade e mais prazer à mesa. Folha de São Paulo, Equilíbrio, p. 8-11, 7
de junho de 2001.
HOSSEPIAN, Mauro. Ceará exporta café ecológico para Suécia. GAZETA MERCANTIL,
p.B-24, 22 de novembro de 1999.
O ESTADO DE SÃO PAULO. Saca de café especial foi vendida a R$ 600. SUPLEMENTO
AGRíCOLA, p.G8, 16 de fevereiro de 2000.
O ESTADO DE SÃO PAULO. Carta de cafés especiais. SUPLEMENTO AGRíCOLA, p.G9, 20
de setembro de 2000.
O ESTADO DE SÃO PAULO. Cartas de cafés terão quatro opções. SUPLEMENTO AGRíCOLA,
p.G2, 4 de outubro de 2000.
SAES, M. S. M.; SOUZA, M. C. M.; OTANI, M. N. Actions to Promote Sustainable
Development: the case of Baturite shaded coffee, state of Ceara, Brazil. FAO,
March, 2001. 40p. (mimeo)
SLOW FOOD. L’Arca del Gusto e i Presidi Slow Food. Bra: Slow Food, marzo, 1999.
8p. (mimeo)
WERNECK, Guilherme. Slow Food prega o prazer. Folha de São Paulo, Especial
Alimentos, p.A6, 13 de maio de 2001.
Data de Publicação: 16/10/2001
Autor(es):
Maria Celia Martins De Souza (mcmsouza@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Malimiria Norico Otani (maliotani@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Maria Sylvia M. Saes Consulte outros textos deste autor