Controle biológico da cigarrinha-da-raiz na cana: margens e contratos

            A gestão da atividade agrícola envolve a administração de margens e contratos. Uma das margens mais difíceis de administrar são os efeitos sobre terceiros, em função do impacto do uso de certas tecnologias1.
            Portanto, muito mais que medir a contribuição de diversos fatores de produção, buscar diminuir externalidades negativas passou a ser uma preocupação fundamental da produção agrícola que almeja conquistar mercados internacionais, cujas barreiras se erguem calçadas pela identificação dessas externalidades locais. Entretanto, ocorre que algumas inovações somente são incorporadas quando há um evidente ajuste de margens de diversas dimensões.
            Esse ajuste passa a ser observado pela pesquisa empírica que busca identificar alterações não apenas marginais, mas também estruturais, quando há substituição de fatores na incorporação de uma nova tecnologia. Essas alterações estruturais são justamente a arquitetura de contratos que se forma para viabilizar e manter estável o ajuste de margens pretendido. Portanto, um gerente agrícola deve ser, além de bom administrador de margens de contribuição de fatores, também um bom arquiteto de contratos.
            Quando surgem novas pragas, novos defensivos entram no processo e novos coeficientes técnicos de produtividade são necessários para se determinar o custo e rentabilidade da atividade. Entretanto, quando uma atividade tem incremento de rentabilidade, passa a ocorrer menor atenção gerencial na produtividade dos fatores devido à melhor remuneração do produto agrícola, como é o caso atual do açúcar e do álcool.
            Isso é crítico quando se trata da gestão do controle de pragas no setor canavieiro, cujo custo e suas alternativas tecnológicas nem sempre são racionalizados ao máximo. Mesmo que a manutenção da produtividade e oferta de cana-de-açúcar seja essencial para sustentar o processo de expansão do setor canavieiro conduzido pelo incremento na demanda de álcool.
            A produção de cana tem diversos entraves tecnológicos a serem superados, no processo de expansão, como é o caso do ressurgimento de pragas. O manejo integrado de pragas (MIP) traz alternativas importantes como o controle biológico contra o ataque da cigarrinha-da-raiz nos canaviais de corte de cana crua.
            A infestação ocorre em função da maior disponibilidade de alimento, água e abrigo, e pode causar danos com perda de produtividade no campo de 40% a 60%. Cada inseto encontrado por metro de sulco causa uma redução de 0,7 tonelada de ATR (Açúcar Total Recuperável) por hectare2, sem contar o problema da redução de rendimento industrial pela contaminação dos colmos causada pela ação da praga. Entretanto, apenas optar por uma tecnologia nem sempre leva ao êxito. Seu sucesso se deve tanto ao manejo quanto à arquitetura contratual estabelecida para enfrentar o inseto.
            Ao comparar o controle químico com o controle biológico, considerando-se a adoção completa do pacote tecnológico, espera-se que ambos mantenham a mesma produtividade da cana em toneladas por hectare. Entretanto, os custos e os sistemas de manejo são bem diferentes entre si, resultando em retornos econômicos também distintos (ver box 1).

Box 1

 

O controle biológico da cigarrinha

O ponto crucial do manejo é o monitoramento da praga, pois tem implicações na qualidade da informação para todo o manejo. O custo do monitoramento é muito baixo se comparado com os benefícios, uma vez que permite fazer a aplicação da medida de controle no momento certo, além de se poder comparar eficiência, margem de contribuição agroindustrial e relação benefício/custo entre diferentes defensivos. Novas metodologias de amostragem têm sido desenvolvidas, de forma que há opções econômicas para um monitoramento mínimo a intenso. O nível de infestação da praga que causa uma perda econômica igual ao custo de uma medida de controle é chamado de Nível de Dano Econômico (NDE). A magnitude desse indicador varia conforme a perda de rendimento econômico do produto agrícola e de acordo com o sistema de manejo da praga adotado, ou seja, o custo de pulverização e do defensivo aplicado. Como a ação de uma medida de controle nem sempre é imediata, é necessário identificar qual o nível de infestação na qual deve-se empregar a medida de controle da praga, indicador chamado Nível de Controle (NC). Esse segundo indicador é função da eficiência e velocidade de ação do defensivo em relação ao aumento da intensidade do dano causado pela praga. Por exemplo, se uma medida de controle custasse 1t ATR/ha, ela deveria ser adotada de maneira que a infestação média de cigarrinha da raiz não ultrapassasse 1,5 insetos/metro de sulco. No entanto, o custo médio das medidas está um pouco acima desse valor, de forma que o NDE está entre 4 insetos/metro para canaviais colhidos no final de safra e 12 insetos/metro para canaviais colhidos no início de safra3. Já o NC está entre 5 e 2 insetos/metro, dependendo do sistema de controle. Outro aspecto importante na condução do manejo da cigarrinha da raiz é adequar o tratamento às diferentes épocas de colheita de cada talhão/variedade. A antecipação da colheita pode ser uma medida economicamente mais rentável para áreas severamente atacadas por cigarrinhas. O controle físico também é utilizado por meio do afastamento da palha, fogo ou destruição de soqueiras na reforma do canavial. O controle biológico da cigarrinha da raiz é realizado por meio da aplicação do fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae, o qual parasita o inseto até sua morte. Sua aplicação depende de clima propício ao desenvolvimento do fungo, preferencialmente, chuvoso com baixa incidência de raios solares. A aplicação dos inseticidas para a cigarrinha na cana pode ser feita tanto via aérea quanto terrestre, o que depende da época de pulverização, disponibilidade de pista de pouso relativamente próxima ao canavial. A aplicação do produto biológico via aérea requer pista de pouso com um mínimo de pavimentação, já que o produto deve ser aplicado em tempo chuvoso. A pulverização aérea tem rendimento maior e pode ser utilizada a qualquer época no canavial, entretanto há maior dificuldade de fazer o produto chegar à base da soqueira. Os preços para aplicação de defensivo via terrestre variam de R$44 a R$45/ha, e via aérea entre R$14 e R$15/ha, na safra 2004/2005. Nos últimos cinco anos houve uma queda de 60% do preço da aplicação aérea e 45% do preço da aplicação terrestre.

            Pode se obter uma relação benefício/custo para o controle químico da ordem de 1 para 3. Para o controle biológico, essa relação sobe para até 15, se o controle for bem-sucedido. A avaliação econômica preliminar da substituição do defensivo químico pelo biológico, realizada pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), obteve uma relação de 2,45 a 2,82 4.
            Os benefícios ambientais também devem ser considerados, principalmente, se for levado em conta a redução da aplicação de inseticidas químicos via aérea. É o que pode ter ocorrido inicialmente com o uso de produtos de maior espectro (carbamatos).
            A utilização do controle biológico tem sido desenvolvida e difundida entre as usinas e biofábricas pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e por meio do Centro Experimental Central do Instituto Biológico (CEC-IB/APTA). Diversas biofábricas têm sido criadas para reproduzir e distribuir o fungo M. anisopliae para controle de cigarrinha. O preço do produto granulado teve queda de 50% nos últimos cinco anos, mantendo seu valor nominal entre R$14,00 e R$15,00 (gráfico 1).

Gráfico 1 - Índices de preços de defensivos, inseticidas e Metarhizium anisopliae para cigarrinha-da-raiz da cana, 2000 a 2005

            Deve levar-se em conta a variação dos preços do arroz - substrato e veículo importantes na produção - e dos custos de mão-de-obra. É importante observar que, para os defensivos químicos importados e à base de petróleo, a taxa de câmbio e o preço do petróleo interferem bastante no custo do controle.
            Há forte concorrência entre os inseticidas químicos mais específicos para a cigarrinha (Thiamethoxam e Imidacloprid, do grupo dos neonicotinóides). Seus preços são declinantes, persistentemente, desde 2000, registrando queda de até 50%, bem maior do que a média das variações de preços dos inseticidas e defensivos em geral, que no período de 2000 a 2004 se retraíram entre 15 e 20%.
            Já no caso do controle biológico, apesar do seu menor custo, o bom desempenho depende de uma série de atributos de qualidade do produto, como tipo do isolado de fungo, virulência do lote do fungo, refrigeração e exposição ao sol. São atributos essenciais que vão além do manejo da sua aplicação, pois são administrados ou via contratos, pela produção interna na usina ou pelos incentivos gerados pelas transações de mercado. Essas diferentes estruturas de governança podem ser adotadas para se obter o fungo com efeitos diretos na eficiência ou na sua margem de contribuição.
            Para garantir o fornecimento e ter maior controle sobre a reprodução e armazenagem refrigerada, as usinas têm instalado laboratórios próprios para a multiplicação desse agente de controle biológico. Entretanto, insumos estratégicos e sua qualidade necessitam de uma estrutura laboratorial com uma estrutura de governança que acredite sua funcionalidade, diminuindo as incertezas no mercado de produtos e insumos com alto grau de especificidade.
            Nesse sentido, discute-se exatamente a necessidade de construir uma institucionalidade para governança da indústria de análises laboratoriais de apoio ao agronegócio. 5 Para esse fim, as biofábricas que atuam na produção e comercialização do fungo podem receber a assistência e certificação do IB/APTA, oferecendo garantia de qualidade, e as usinas, por sua vez, podem submeter amostras do produto adquirido para análise no laboratório do IB/APTA6.
            Entretanto, muitas usinas optam por internalizar a atividade de produção do fungo, em vez de comprar no mercado, que está em franca evolução com grandes oportunidades de investimentos. As biofábricas do nordeste têm mais tradição na produção desse fungo em função do problema enfrentado na região com a cigarrinha da folha. A demanda é tal que estas unidades já passam a exportar o produto para a região sudeste.
            A taxa de adesão ao controle biológico, segundo os dados do CTC7, tem forte tendência de aumento, considerando a evolução do tamanho das áreas amostradas e monitoradas e da área total de controle biológico entre as safras 1999-2000 e 2004-2005. O aumento de área amostrada indica a maior extensão do controle biológico; já o aumento da área monitorada demonstra a intensidade de controle biológico por área. A projeção de aumento da área com colheita mecanizada, tendo em vista a programação de vendas de máquinas colhedoras no mercado interno, deve levar a um grande aumento nas áreas que necessitarão de algum tipo de manejo da cigarrinha-da-raiz.
            Os canaviais manejados com assistência técnica para o controle biológico da cigarrinha têm obtido êxito. Os níveis de infestação estão abaixo de 5 insetos/metro em mais de 90% da área nas últimas cinco safras, com uma única aplicação na maior parte da área. A economia gerada com a substituição de defensivo químico por biológico em 25.642 hectares de aplicação na safra 2004/05 foi da ordem de R$ 7,077 milhões para as 13 usinas que aderiram ao programa de controle biológico do CTC8.
            Interessante ainda observar que desde 2000, quando as infestações da cigarrinha se intensificaram, até 2006, os níveis de dano econômico e de controle tenderam a baixar, tanto para o manejo químico quanto para o biológico. No caso do químico, deve-se ao fato de que a relação benefício/custo aumenta com a diminuição do preço do defensivo químico. Já no caso do controle biológico, porém, há maior importância da curva de aprendizagem, que permitiu maior relação benefício/custo com aplicações dirigidas.
            Em ambos os casos, a boa remuneração do açúcar e do álcool, bem como os menores custos de pulverização, tanto melhora a relação benefício/custo quanto diminui os incentivos para maior atenção às margens de contribuição. No entanto, o acúmulo de aprendizagem no uso de alternativas de cenário favorável no longo prazo gera maior sustentabilidade econômica e ambiental e, principalmente, torna o canavial imune às oscilações nos custos dos fatores e à ressurgência de pragas. É bom lembrar que a cana responde por grande parte do custo do açúcar e álcool.
            Dessa forma, a administração de canaviais deve estar atenta à forma de obter os insumos estratégicos de alta especificidade inerentes às práticas de manejo sustentado, como é o caso do controle biológico de pragas. A coordenação da produção de agentes biológicos é um novo desafio com que o setor passa a se defrontar; ou seja, quando deve decidir entre produzir uma miríade de produtos biológicos de alta especificidade e comprá-la no mercado.
            Reafirma-se que o apoio institucional por meio das análises laboratoriais passa a ser cada vez mais relevante na coordenação dos agronegócios, quando este busca alternativas tecnológicas complexas para adicionar valor via gestão de externalidades ambientais e de margens de contribuição dos fatores.9

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1 Para esse efeito dá-se o nome de externalidades.
2 Dinardo-Miranda, Leila Luci. Cigarrinha-das-raízes em cana-de-açúcar. Campinas: Instituto Agronômico, 2003. 72p.
3 O workshop sobre cigarrinha-da-raiz da cana, ocorrido em Piracicaba em março de 2006, reuniu o que existe de melhor em termos de resultados de pesquisa e desenvolvimento no controle da praga. Instituições de pesquisa como o Centro Apta Cana e o Instituto Biológico (IB/APTA), ambos da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), e o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), além de usinas e fornecedores de defensivos que patrocinavam o evento, estiveram apresentando resultados e recomendações. Dentre os principais assuntos abordados no workshop, a importância de se criar competência no manejo de pragas é essencial para se obter a melhor relação benefício/custo (Workshop sobre cigarrinha. Piracicaba : STAB, março de 2006).
4 Consideraram-se duas aplicações de 4kg/ha para o controle biológico e uma aplicação de 1kg/ha de defensivo para o controle químico.
5 GONÇALVES, José Sidnei. Qualidade certificada e rastreada como determinante da competitividade da agricultura: análise laboratorial como insumo do processo produtivo. Informações Econômicas, SP, v.35, n.10, out. 2005. Disponível em: /ftpiea/publicacoes/seto1-1005.pdf
6 CEC-IB/APTA: http://www.ib.sp.gov.br
7 Almeida, Luiz Carlos de. Controle biológico da cigarrinha das raízes da cana-de-açúcar, Mahanarva fimbriolata. Workshop sobre cigarrinha. Piracicaba : STAB, março de 2006.
8 CTC: http://www.ctc.com.br
9 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-76/2006.

Data de Publicação: 04/09/2006

Autor(es): Thomaz Fronzaglia (thomazfronzaglia@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor