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Café: agregar valor é preciso, mas...cautela também!
Com
justa razão os cafeicultores se preocupam em capturar fatia maior do preço de
seu produto vendido no varejo. Afinal, sem o seu esforço em produzir, nem
existiria a cadeia do produto. Tabela 1 - Variação de preços de café em nível de produtor e
de varejista O
autor do artigo chama a atenção para dois pontos: primeiro, o erro que se comete
ao se trabalhar só com percentuais, sem atentar para os valores absolutos dos
números correspondentes. Isto porque grandes variações percentuais podem
corresponder a pequenas variações em termos absolutos; em contrapartida,
pequenas variações percentuais podem corresponder a grandes variações absolutas.
É o que acontece quando se compara preço de café verde com o preço do café no
varejo. De fato, os 73% correspondem a uma variação absoluta de apenas US$ 1,32
por libra peso (US$ 1,80 menos US$ 0,48). 1 Struning, W.C. Green Coffe Prices and the USA Consumer. F.O.International Coffee Report. London,
v.17,n.14, dez 2002.
Embora seja justa a pretensão, não se pode esperar que, do ponto de vista
teórico, a parcela recebida pelo produtor como proporção do preço final no
varejo seja sempre crescente. Para que isso possa acontecer, é preciso alterar
certas condições, sobretudo de natureza estrutural, dentro da cadeia. Por
exemplo, uma participação maior dos próprios produtores, através de associações
ou cooperativas, no processamento industrial e na distribuição do café.
Em geral, o que acontece é o contrário. Por que isso? Seria 'malandragem' da
parte dos demais elos da cadeia produtiva? Não, não é isso! Esse fato ocorre
simplesmente porque, com o processo de agregação de valor ao longo da cadeia, se
está aumentando o valor do denominador sem alterar o valor do numerador. O
resultado disso, logicamente, é a redução da proporcionalidade, ou seja, do
valor relativo do preço recebido pelo produtor.
Pode-se dizer com isso, então, que para o produtor seria indiferente agregar
valor a seu produto, já que não lhe acrescentaria qualquer vantagem? A resposta
também é negativa. Ele pode ser beneficiado de duas maneiras: primeiro, pela
ampliação do mercado do produto, o que lhe permitirá expandir os negócios; e,
segundo, pela transformação do produto em bens de consumo de maior elasticidade
renda, dependendo de tipo de contrato feito entre fornecedor e indústria.
Exemplo que se aproxima desse caso é o acordo entre citricultores e indústria de
suco de laranja.
Em qualquer dessas duas situações, fica ressaltada a importância do
funcionamento das câmaras setoriais, com os diversos elos da cadeia se
articulando de forma harmônica, pensando sempre no bom desempenho, não de um
setor em particular, mas no conjunto dos segmentos que compõem o negócio, que se
estendem da produção até o consumidor final.
Entre as preocupações dessas câmaras, a transparência (obviamente dentro de
certos limites) deveria ser a questão prioritária. Argumenta-se que isso seria
utopia, mas pensamos como aqueles que defendem a idéia de que a sociedade, em
todas as suas esferas, não pode evoluir se não se dispuser de um norte utópico
como referência. Isso entretanto é assunto complicado que passa inclusive pelo
campo da ética nos negócios, que, aliás, já está sendo considerada como
disciplina necessária na área de administração.
Essa reflexão me veio à mente, após a leitura de prestigiosa revista 1, argumentando o equívoco que se comete ao se
proceder à análise simplista de comparar evolução de preços ao nível do produtor
com evolução ao nível do varejo. Com base em dados da Organização Internacional
do Café (OIC)2, o analista mostra que, entre maio de 1997 e setembro de 2002, o
indicador de preço composto elaborado pela instituição, ao nível do produtor,
caiu de US$ 1,80 por libra peso (453g) para US$0,48, ou seja, uma redução de
73%. Por outro lado, segundo o U.S. Bureau of Labor Statistics, entre agosto de
97 e setembro de 2002, o preço no varejo americano teria caído de US$ 4,67 para
US$ 2,92 a libra peso, o que representa queda de 37% (tabela 1).
Fonte: F.O . International Coffee Report,v.17,n,14,19/12/02 Segmentos maio/97
(cents/lb)ago.97
(cents/lb)set.02
(cents/lb)Variação relativa
%Variação absoluta
(cents /lb) Produtor 1,80 - 0,48 -73 1,32 Varejista - 4,67 2,92 -37 1,75
Em contrapartida, os 37% de variação no preço de varejo correspondem a uma
variação absoluta de US$ 1,75 por libra peso (US$ 4,67 menos US$ 2,92). Na
realidade, conclui-se que o preço do café no varejo americano teve uma queda
real por libra peso de US$ 0,43 maior (US$1,75-US$ 1,32), quando comparada com a
variação de preço do café verde, ou seja, uma diferença de 32%.
Significaria isso que os varejistas americanos estariam, então, em condições
mais desfavoráveis em relação aos produtores? Não se pode concluir isso. Da
mesma forma que não se deve ser simplista trabalhando com números percentuais
elevados, representativos de valores baixos absolutos, precisamos também tomar
cuidado ao tirar conclusões quanto à rentabilidade de determinado setor, ao se
trabalhar com números percentuais baixos, representativos de valores elevados,
sem se levar em conta a escala de produção do segmento considerado. Ou seja,
embora tenha havido redução maior nos preços de varejo, isso pode ser compensado
com ganhos maiores decorrentes de grande escala de produção (de vendas, no caso,
além da maior estabilidade dos preços), como acontece no segmento dos grandes
varejistas, contrariamente ao que se verifica no setor da produção primária em
que a questão de escala, além de mais complicada, é cercada ainda de dúvidas
teóricas.
Mas a matéria chama particular atenção para um segundo ponto importante: o
equívoco comum de se querer aplicar no varejo o percentual de queda observado no
preço do café verde. No caso em análise, se aplicarmos o mesmo percentual de
queda de 73% do café verde ao preço de varejo, este cairia para US$ 1,25 a libra
peso, e não US$2,92 como de fato ocorreu. Ora, esse resultado seria
completamente irrealístico, segundo o autor, pois sequer cobriria os custos de
importação, processamento, marketing e outros custos que agregam valor.
O equívoco de se estabelecer relação direta entre preço de café verde e preço de
varejo pode ser demonstrado de outra forma, ou seja, levando-se em conta a
participação do preço da matéria-prima (café verde) no preço do produto final.
Embora estatisticamente seja constatado que mais de 70% da variação do preço no
varejo sejam influenciados pelo preço do café verde, esse último representaria
em média apenas 25% (variação de 20% a 27%, conforme a época) do preço final do
café moído.
Assim, basta uma operação aritmética para demonstrar que, por conta da queda do
café verde (73% no período), se poderia esperar uma redução da ordem de 19% no
preço de varejo. A análise, entretanto, fica ainda incompleta quando não se leva
em conta a variação ocorrida em outros insumos, que representariam 75% em média
do preço final. A resultante seria claramente inferior aos 19% encontrados,
baseados apenas numa análise parcial, pois certamente os demais fatores de
custos tiveram aumento no período.
Oportunamente, podemos voltar a esse assunto, respaldados em dados empíricos e
análise mais aprofundada. A finalidade desse comentário, porém, é de apenas
chamar a atenção para o fato de que precisamos, sim, tomar decisão visando
agregar valor à produção primária (ganhariam mais o produtor e o País). Mas a
questão tem que ser muito bem analisada antes de se realizar os investimentos,
dada a maior complexidade desse processo, quando comparado com a produção da
matéria-prima, no caso, o café verde.
Data de Publicação: 04/04/2003
Autor(es):
Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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