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A Automação Dos Supermercados E A Classificação De Produtos Hortifrutícolas
A necessidade de baixar custo para ser competitivo está levando os supermercados à maior concentração (fusões e aquisições), à redução no número de lojas, à crescente automação e redução do número de funcionários.
Um dos exemplos concretos é a retirada da balança escrava do setor de frutas, legumes e verduras (FLV) e a sua colocação na caixa registradora (check-out). A caixa passou a ser responsável pela identificação do produto a granel, pesagem e precificação. Esse sistema criou uma situação inesperada : a automação tornou-se um instrumento de exclusão do serviço braçal, assim como de restrição à diversidade de escolha no setor de FLV, para possibilitar que um número imenso de informações e itens seja trabalhado, a fim de aumentar a diversidade de opções para o consumidor e garantir o gerenciamento e a rastreabilidade do produto, A dificuldade de reconhecimento do produto, já sentida na balança escrava do setor, tornou-se trágica com a balança no check-out.
O supermercado passou a restringir a diversidade de seus produtos : só trabalha, por exemplo, com mangas de uma única variedade, mesmo tamanho e mesma qualidade; com tomate da variedade Carmen, colorido, único tamanho e a mesma qualidade. Essa situação criou um dilema no gerenciamento do setor pelo supermercado e um grave problema de venda para o produtor.
É consenso no segmento supermercadista a importância do setor de FLV na escolha da loja por parte do consumidor, na compra por impulso e como provedor da diversidade de opções aos compradores. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos pelo jornal The Packer identificam hoje um número médio de 507 itens no setor de FLV e fazem uma previsão de aumento para 598 itens em 2002. As mesmas pesquisas realizadas em São Paulo apontam em torno de 180 itens nos melhores supermercados. Um item é um produto, uma variedade, um tamanho, uma cor, uma qualidade, um preço. Só para se imaginar o potencial de diversidade, pesquisa realizada na CEAGESP apurou mais de 200 itens, considerando apenas frutas e suas variedades. Só o tomate pode gerar 4.050 opções de escolha ao consumidor, se se multiplicar suas 54 variedades, cinco classificações por tamanho, cinco por cor e três por categorias. Um supermercado de bom nível poderia oferecer ao seu consumidor pelo menos três variedades de tomate, com duas ou três colorações, dois tamanhos e duas categorias. Isso daria 36 opções de escolha ao consumidor: escolha do melhor produto para a melhor utilização, com diferentes características e preços.
Como conciliar automação e diversidade? Como caracterizar o produto para possibilitar o seu gerenciamento informatizado?
Linguagem de qualidade
Cerca de 90% do volume total de produtos hortifrutícolas comercializados no Estado de São Paulo já foram beneficiados com as normas de classificação, instituídas pelas Câmaras Setoriais de Frutas e Hortaliças da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. As normas definem características de identidade, qualidade, acondicionamento, embalagem, rotulagem e apresentação do produto. Os produtos classificados passam a fazer parte do Programa Paulista para a Melhoria dos Padrões Comerciais e Embalagens de Hortigranjeiros.
Nove produtos já tiveram as normas de classificação aprovadas pelas Câmaras Setoriais, inclusive com material de divulgação impresso. São eles: alface, banana,batata, berinjela, caqui, goiaba, nectarina/pêssego, pimentão e tomate. Resultados concretos já foram obtidos pelos associados da Cooperativa Agroindustrial Holambra (de Paranapanema, SP), que melhoraram a lucratividade (21% já no primeiro ano) ao adotar, por duas safras consecutivas, os padrões de qualidade para pêssego e nectarina. Também em 1999, foi realizada a primeira campanha do caqui de qualidade, que demonstrou a eficiência desse instrumento tanto no aumento do consumo, por meio da orientação ao consumidor e da degustação (num dos supermercados houve aumento de 150% no consumo), como na adoção da norma de classificação pelo produtor e pelo atacado ( entrada no mercado de produto classificado, adequadamente rotulado, paletizado, com boa aceitação).
As normas de qualidade de abacaxi, cenoura, uva fina e niagara foram aprovadas recentemente e os folders estão em fase de elaboração. As de laranja de mesa estão em fase de finalização e as de rosa dependem de aprovação da Câmara de Flores e Plantas Ornamentais. Em fase adiantada de levantamento de informações encontram-se mandioquinha salsa, mandioca, maracujá azedo , morango e tangerina.
A proposta das normas de classificação é criar um instrumento de comunicação na comercialização. O trabalho de construção das normas é árduo. É feito com mensurações do produto e articulação com todos os elos da cadeia de produção. Afinal, é a construção da linguagem de qualidade do produto. Em primeiro lugar, verificam-se as características mensuráveis que uniformizam o produto. O produto deve ter o aspecto igualado. Cada produto tem a sua especificidade. Para tomate, caqui e goiaba, calibre e coloração; para banana, calibre, espessura e coloração; para alface e abacaxi, peso. Em seguida, verifica-se a amplitude de variação que pode ser aceita. Para tomate, uma variação de 10 milímetros proporciona aspecto visual uniforme. Em segundo lugar, é necessário caracterizar a qualidade de maneira mensurável. Determinam-se as características que desvalorizam o produto: defeitos graves, leves e variáveis. Qualidade é a ausência de defeitos. O defeito grave é aquele que inviabiliza o consumo ou prejudica os outros produtos na mesma embalagem. O defeito leve diminui o valor comercial, o tempo de prateleira. O defeito variável é o defeito que pode ser leve ou grave dependendo da sua extensão no produto. Em seguida, trabalha-se a definição dos limites de tolerância para cada defeito.
Uma boa norma de classificação deve caracterizar tão completamente o produto que torne possível a identificação sem a sua presença. Também deve garantir a uniformidade do produto; possibilitar a utilização de características mensuráveis tanto na homogeinização quanto na definição de qualidade; englobar todo o lote de produção; traduzir as exigências do mercado e ser de aplicação viável.
A classificação e o PLU
O ritmo de implantação das normas de classificação 'foi atropelado' pelo Product Look-Up (PLU). O PLU é um sistema de codificação numérica (de quatro ou cinco dígitos) muito em uso nos Estados Unidos e na Europa, que facilita a operação de venda, pois possibilita a precificação do produto a granel. São selos adesivos com um código numérico colocados produto por produto na venda a granel. Esse código é digitado no check-out, identificando e dando preço ao produto. O PLU foi a solução encontrada pelos norte-americanos para resolver a identificação do produto na venda a granel. Essa solução foi adotada com algumas modificações por outros países como o Canadá e o Chile. Não é uma solução mágica e passa no mundo todo por um processo de avaliação. Não consegue garantir a identificação de toda a diversidade de tamanhos e categorias e a rastreabilidade do produto (segurança alimentar).
A dificuldade de identificação do produto a granel levou cada uma das grandes redes do varejo no Brasil a buscar uma solução copiada do PLU internacional. A perspectiva é a criação de uma Torre de Babel Eletrônica . Cada grande supermercado define o seu código a ser afixado produto por produto, numa tentativa de garantir a diversidade ao seu cliente e o melhor gerenciamento do seu setor de FLV.
Ao mesmo tempo que o grande varejo luta para identificar o produto a granel, por meio da criação de um PLU próprio, os seus fornecedores, que investiram na mecanização do processo de classificação, só conseguem escoar uma parte da produção : uma variedade, uma cor e uma qualidade de cada produto.
As Câmaras Setoriais de Frutas e de Hortaliças, Cebola e Alho criaram o Grupo de Automação e Rastreabilidade, com o objetivo de elaborar um código nacional de PLU. O processo de discussão do PLU exige a organização do conhecimento sobre o produto. Nos produtos com normas de classificação, esse processo de organização já fora feito durante a construção da norma. Como já foi discutido, o PLU, em virtude do seu número restrito por código, tem limitações importantes. As mais importantes são a restrição à diversidade (quando se considera a diversidade proporcionada pela norma de classificação) e a falta de rastreabilidade do Produto.
Nos Estados Unidos e em outros países, a adoção do PLU foi bem posterior à adoção da norma de classificação como instrumento de comunicação na comercialização. No Brasil, o grande varejo estava disposto a adotar o PLU mas não se propunha a adotar a norma de classificação. Nunca as reuniões da Câmara Setorial tiveram tanta participação do varejo. Era urgente resolver a identificação do produto no check-out. Produtores e varejistas do Brasil todo acorreram para discutir o assunto. Será que se tinham conseguido uma fórmula mágica de modernização do setor? Ou estava-se caminhando para o simplismo, substituindo a classificação pelo PLU?
Solução passa por negociações
O sucesso do agronegócio de frutas, verduras e legumes in natura passa por parceria e transparência na comercialização. Começa pela adoção das normas de classificação e pelo entendimento por parte do varejo de que a diversidade, característica do produto, é uma grande arma de venda e de concorrência.
O PLU é transitório. Deverá ser substituído por um código de barra mais compacto, tecnologia ainda não totalmente desenvolvida, que permita a completa caracterização e rastreabilidade do produto.
Esse processo de discussão do PLU teve o mérito de possibilitar ao varejo o entendimento da norma de classificação e do potencial de sua utilização no gerenciamento e informatização do setor. Da mesma forma, possibilitou ao atacado e ao produtor o entendimento do perigo da adoção do PLU sem a classificação. Surgiu uma nova postura de trabalho.
A definição dos códigos do PLU pelas Câmaras Setoriais ocorrerá após a adoção da norma de classficação pelo varejo. Foram criados grupos de fechamento das normas em discussão, como a da laranja de mesa, e grupos de implantação das normas já aprovadas. O processo é complexo, uma vez que exige demanda do varejo e oferta do produto classificado por parte do atacadista e do produtor. Os resultados estão surgindo. Um grande grupo do varejo já prepara a compra da safra de uva niagara classificada, assim como está reunindo os seus fornecedores para adotar a norma de classificação para o tomate. Aleluia. O Programa Paulista de Melhoria de Padrões Comerciais e de Embalagens de Hortigranjeiros está passando do papel e do discurso à prática.
Data de Publicação: 07/12/1999
Autor(es):
Anita de Souza Dias Gutierrez Consulte outros textos deste autor
José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor