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Fornecedores Paulistas Organizam-se Para Negociar Com Varejo
Representantes dos setores de agricultura, comércio e indústria preparam a
criação de uma associação de fornecedores no Estado de São Paulo. É o seminário
'Boas práticas comerciais', realizado em 8 de novembro de 2000 na Secretaria de
Agricultura e Abastecimento (SAA), que começa a gerar frutos.
A idéia básica é melhorar o relacionamento comercial entre fornecedores
(produtores, atacadistas, indústria, etc.) e o varejo, principalmente
supermercados. A maioria das câmaras setoriais vinha discutindo constantemente a
questão do comportamento do grande comércio varejista nos processos de
negociações frente à indústria e aos fornecedores de produtos in natura.
Organizado pela SAA, o evento contou com a participação de cerca de 180 pessoas,
entre dirigentes de associações de produtores, indústrias e supermercados, assim
como todos os membros das câmaras setoriais. Foram convidados também sindicatos
rurais, representantes das grandes redes de supermercados, sacolões e varejões,
além de técnicos da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) e da
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI).
Depois do seminário, cerca de 30 lideranças dos setores envolvidos fizeram a
primeira reunião na própria SAA. Desde então, já foram realizados vários outros
encontros, nos quais foi discutida, entre outros assuntos, uma proposta de
estatuto com vistas à formalização da associação paulista de fornecedores.
A SAA está acompanhando de perto esse processo. O objetivo é buscar subsídios
para tentar construir, no Estado de São Paulo, um código de boas práticas
comerciais. Não se tem ainda uma forma final. Talvez seja um instrumento de
auto-regulamentação entre os setores, ou ainda um projeto de lei, onde o governo
assumiria o papel de fiscalizador.
Experiências - O seminário trouxe alguns exemplos que deram certo nos
mercados nacional e internacional. Do Paraná, veio a idéia de se criar uma
associação que reúna fornecedores, produtores e indústria de embalagem. Naquele
Estado, houve uma grande concentração nas mãos de uma só rede de supermercado.
Essa rede começou a impor relações contratuais, descontos nas notas fiscais e o
índice de descontos pulou de 5%, 6% para 17%, 18%. Isso provocou uma mobilização
muito grande no setor agrícola paranaense. O movimento chegou até a Assembléia
Legislativa e conseguiu fazer com que a rede negociasse e abaixasse esse patamar
para 6%, 7% novamente.
No caso paulista, porém, devem ser consideradas as peculiaridades locais. O
Estado tem o maior mercado consumidor do País, grande diversidade de
fornecedores e cinco grandes redes de supermercados (Carrefour, Pão de Açúcar,
Sonae, Wal-Mart e Sé), o que torna as negociações mais complexas.
Outra experiência bastante interessante aconteceu na Argentina. As redes de
supermercados Carrefour e Promodes uniram-se e passaram a deter 35% do mercado
de alimentos no varejo argentino. Essa situação provocou a reação dos pequenos
comerciantes e fornecedores que se uniram para pressionar o governo a tomar
providências. O governo argentino criou um instrumento de auto-regulamentação e
um código de relacionamento entre os setores envolvidos. Os fornecedores e as
redes de supermercados firmaram esse compromisso. O acordo estabelece práticas
comerciais consideradas adequadas, critérios para a utilização dessas práticas e
também uma câmara arbitral, onde cada um dos setores envolvidos tem um
representante, sendo escolhido ainda um terceiro representante que julgará as
relações entre eles. Ao governo, cabe o papel de fiscalizador desse órgão.
Problemas com o varejo - Com o Plano Real, o processo de concentração no
comércio varejista foi acelerado, com os grandes supermercados ampliando o seu
poder de barganha junto aos fornecedores. Existe uma tendência muito grande, não
só no Brasil, mas em todo o mundo, de concentração de poder nas mãos de poucas
redes de supermercados. Eles têm imposto regras e novas formas de distribuição,
causando impacto direto sobre os fornecedores de produtos alimentícios,
industrializados e in natura.
De um lado, percebem-se grandes mudanças no setor do varejo, principalmente
supermercados (investimentos em centros de compra e de distribuição, automação
da carga e descarga, melhor gerenciamento de estoques, etc.), e de outro se vê a
dificuldade dos fornecedores em acompanhar esse processo, uma vez que são em
maior número, estão dispersos, desorganizados e segmentados por produto. A
mudança de comportamento dos negociadores pegou os fornecedores desprevenidos.
As operações de compra, entrega e pagamento, que antes eram tratadas pelo mesmo
funcionário do supermercado, tornaram-se independentes. O setor atacadista de
produtos hortícolas, por exemplo, que costumava ter o controle do processo de
comercialização, viu-se desbancado dessa posição. E como estava com uma
estrutura comercial obsoleta (processo manual de carga e descarga, pequena opção
de produtos, pouca organização sob o ponto de vista administrativo e
financeiro), está enfrentando dificuldades para adequar o seu custo.
As tradicionais feiras livres, sacolões e varejões, embora tenham grande
representatividade junto aos consumidores, não conseguem fazer frente aos
supermercados. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, os
supermercados controlam 40% do abastecimento de hortícolas, segundo estimativa
com base em pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
Os supermercados ganharam eficiência. Eles organizaram o processo de compra e
conseguiram reduzir seus custos em 30%. Cada vez mais, cresce o número de
promoções por meio de sacolões e produtos de época. Nos últimos tempos, os
supermercados vêm tentando mudar o procedimento das pessoas em fazer compras
apenas uma vez por mês. Percebeu-se que o consumidor costuma comprar produtos
hortícolas em média cinco vezes ao mês e, para atraí-lo, os supermercados
resolveram investir mais nessa área. Há quatro anos, os produtos hortícolas
representavam cerca de 5% do faturamento dos supermercados. Hoje esse número
chega a 12%.
Diante dessa nova realidade, a proposta é a de organizar os fornecedores
(produtores, indústrias, atacadistas etc.). O que se pretende é contrabalançar
as forças, evitando a concentração de poder econômico e promovendo as boas
práticas comerciais.
Data de Publicação: 20/03/2001
Autor(es):
Rubens Antonio Mandetta de Souza Consulte outros textos deste autor
José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor
Tatiana de Almeida Prado Consulte outros textos deste autor