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Os Desafios Da Comunicação No Serviço Público
Valores como responsabilidade, transparência, credibilidade, ética e
profissionalismo foram a tônica do I Congresso Brasileiro de Comunicação no
Setor Público, ocorrido na capital paulista nos dias 7 e 8 de agosto último. O
evento, promovido pela Mega Brasil Comunicação, destacou-se não apenas pelo
pioneirismo como também pelo mérito de valorizar a comunicação social numa época
em que o marketing é apresentado como a solução mágica para tudo. O Congresso
discutiu temas que servirão de subsídios tanto para as estruturas de comunicação
das administrações diretas (secretarias, ministérios, etc.) e indiretas
(fundações, autarquias, etc.) quanto para as áreas de transferência de
conhecimento e tecnologias de universidades e instituições de pesquisa públicas.
Transparência, credibilidade, responsabilidade...
A transparência é uma característica desta nova fase em que o setor público é mais vigiado e controlado pelo cidadão, o verdadeiro patrão do servidor público, observou a professora Margarida Kunsch, da ECA-USP. Assim, uma nova cultura na área de comunicação deve considerar a cidadania, no sentido de se buscar novas formas de organização do trabalho num Estado democrático, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais (o Estado para todos os cidadãos); a responsabilidade, no sentido de incorporar a noção do interesse público com vistas ao bem comum (vai além da qualidade total); e a responsabilização, no sentido de incorporar a noção de accountability (obrigatoriedade de prestação de contas ao cidadão), o que pressupõe o maior envolvimento
dos funcionários na busca da maior eficácia do Estado. O envolvimento do funcionário A
comunicação interna no setor público ajuda a fazer a interação entre serviço
público e sociedade, na visão da professora Margarida Kunsch (ECA-USP). Em
outras palavras, não se pode trabalhar a comunicação interna desvinculada da
realidade, nem muito menos reduzi-la a mídias e fluxos. Considerando que a
comunicação é meio de mediação, os comunicadores do setor público devem ser
estrategistas, ter visão de mundo. Revolução tecnológica
A Internet mudou radicalmente as relações do governo com a sociedade, segundo
Ney Gilberto Leão, funcionário do Ministério do Planejamento e Gestão e
responsável pelo Governo Eletrônico. Tornou possível o fornecimento de
informação pública abundante e acessível, da mesma forma que permitiu ao governo
oferecer, em tempo real, a todo o território nacional os mais diversos tipos de
serviços, tais como o saldo do FGTS, a declaração do Imposto de Renda e a Rede
Nacional de Saúde. Além disso, merece destaque o sistema de compras
governamentais pela Internet. Da difusão científica à ação comunicativa
Um projeto de comunicação social está em fase de implantação na Universidade de
São Paulo desde março de 2000. Segundo a professora Cremilda Medina (ECA-USP), a
proposta é uma ultrapassagem da visão difusionista tradicional para a esfera de
comunicação social, vista como estratégia central (e não de simples apoio).
Trata-se de um projeto que poderia ser adotado por qualquer instituição pública
de pesquisa ou de geração de tecnologia. Condição para o desenvolvimento econômico e social
Também o Banco Mundial (Bird) introduziu, em 1994, uma nova política de
informações, por meio da qual não apenas torna público grande parte de seus
documentos sobre políticas e projetos como também promove ampla divulgação de
suas ações. Segundo o especialista em sociedade civil do Bird, John W. Garrison
II, este é um exemplo da crença de que a informação é essencial para promover a
transparência e o controle social como parte de qualquer estratégia de
desenvolvimento econômico e social. Uma mensagem final Como
se vê, não existe um único modelo de comunicação para o serviço público. Existem
experiências, idéias, planos e intenções. Mas qualquer proposta de comunicação
para o serviço público deve considerar algumas condições apresentadas no final
do evento pelo antropólogo e professor da Universidade de Indiana (EUA), Roberto
Da Matta. Diz ele que é preciso revisar a idéia ingênua de que se pode mudar a
sociedade inteira mudando apenas o Estado; não se deve olhar o Estado somente
como uma fábrica de leis, mas como um operador concreto de valores sociais que
são vivos; e o Estado não deve ser visto como mantenedor de diferenças ou de
igualdades. Assim, é preciso transformar tanto o Estado quanto a sociedade.
Um grande desafio na época presente é conciliar a utilização das novas
tecnologias na comunicação com a ética, lembrou o presidente da Radiobrás,
Carlos Zarur. A tecnologia deve andar de mãos dadas com a credibilidade, como
condição para assegurar a transparência. E credibilidade pressupõe ética na
comunicação, ou seja, a preocupação permanente em fornecer a informação correta
- a mais completa possível - que atenda aos interesses da maioria da população.
Uma mudança fundamental no campo do jornalismo econômico - apontada no evento -
é a de que os grandes grupos econômicos, especialmente da área financeira,
passaram a preponderar como proprietários da informação, em detrimento das
fontes tradicionais. Segundo Beth Costa, presidente da Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj), o desafio está em conciliar a utilização das novas
tecnologias, como ferramentas para facilitar a difusão de conteúdo, com a
circulação de informações que atendam às aspirações da sociedade no seu todo.
Costa destaca o papel da comunicação do setor público na democratização das
informações e, em particular, cobra do jornalista que atua nessa área a
consciência de sua missão de facilitador do acesso a essas informações. O
profissional do setor público deve, por exemplo, lutar contra quaisquer
tentativas de cercear a divulgação de informações. No Brasil, a sociedade
praticamente não dispõe de instrumentos legais para exigir do Estado a livre
circulação de informações de interesse geral, observou Beth Costa. O antídoto
para isso seria não apenas praticar conceitos como transparência e democracia
como também adotar políticas públicas que prevejam o tráfego de informações em
mão dupla, ou seja, dos órgãos públicos para a sociedade e vice-versa.
Nesse contexto, vale o alerta do veterano jornalista José Hamilton Ribeiro,
repórter da Rede Globo de Televisão, de que não há espaço para conciliar
militância política com jornalismo nem na grande imprensa nem no serviço
público. Caso contrário, o jornalista estará sendo desleal com o seu patrão,
seja o dono da empresa seja o povo (no caso do setor público). 'O que não pode é
haver jornalista simulante, que finge e apregoa uma isenção que na verdade não
tem.'
Já os pecados dos assessores de imprensa, inclusive do setor público, foram citados pelo diretor de redação do jornal Correio Brasiliense, Ricardo Noblat. A lista é longa: mentir, enviar releases,
anunciar tarde o que poderia ter sido anunciado cedo, telefonar na hora do
fechamento da edição, não dar informações por telefone, sonegar informações que
poderão ser descobertas, desviar uma apuração que está no rumo certo, só vender
notícia cor-de-rosa, aplicar a matéria 171 ('estelionato'), desmentir bobagens,
passar por cima do repórter, passar por cima do editor, passar por cima do
diretor de redação e não admitir que errou (burrice).
Entre os conselhos capitais para o bom relacionamento com a imprensa, Noblat
apresenta lista igualmente longa: o cidadão é o senhor absoluto; fatores
estratégicos de sucesso são qualidade do conteúdo, credibilidade, organização e
rapidez; foco no cliente, ou no foco do cliente (informação customizada, ou
seja, oferecer o que cada um precisa); assessoria multimídia; tratar o repórter
como amigo (fazer acordos); e dar a cada um o que ele precisa.
Por isso, a comunicação interna deve começar por promover a interação entre os
próprios funcionários do órgão público, no sentido de estimular o convívio nas
relações de trabalho, mais do que simplesmente treinar as pessoas para atender
bem o cliente. A comunicação deve agregar valor para ajudar a instituição a
cumprir a sua missão. Aqui, Kunsch destaca a importância de a comunicação
interna fazer parte da comunicação integrada, cuja filosofia deve ser a
orientação para a maior harmonia (falar a mesma linguagem), a valorização da
profissionalização e o desenvolvimento do trabalho conjunto com a área de
recursos humanos, entre outros pontos.
Assim, entre os objetivos da comunicação interna, destacam-se os de promover a
melhoria das relações de trabalho e buscar o equilíbrio entre fluxos
descendentes e ascendentes (valorizar comunicação circular) e a integração com a
comunicação externa. Para isso, é preciso priorizar caminhos tais como o
rompimento de barreiras culturais (estereótipo do servidor público, culto à
burocracia, ingerência política, imediatismo e improvisação, falta de recursos,
não profissionalização, corporativismo, etc.), a avaliação e a revisão de
paradigmas, a busca da qualidade e da eficácia e a adoção do planejamento
estratégico, entre outros.
É preciso considerar que o cidadão tem o duplo papel de patrão do servidor
público e de cliente do serviço público. Assim, o governo precisa buscar vender
bem os serviços prestados, na visão do superintendente de comunicação e
marketing da Sabesp, Luiz Carlos Neto Aversa. Dessa maneira, todo funcionário
deve ser porta-voz da empresa ou da instituição. Quer dizer, a instituição passa
a se comunicar no seu todo e não mais exclusivamente através do seu dirigente.
O exemplo da Sabesp mostra que a utilização da intranet como instrumento de
gerenciamento e a aculturação da instituição (treinamento intensivo do público
interno, sensibilização/conscientização, revisão dos princípios e valores da
comunicação da empresa, etc.) devem fazer parte da estratégia para se ter uma
política de comunicação, assentada na transparência, na verdade e na
responsabilidade, e assim atingir os resultados desejados. Para a Sabesp, por
exemplo, o alvo da comunicação são os políticos, o setor financeiro, a população
e a imprensa.
De acordo com Ney Leão, a Rede Governo ( www.redegoverno.gov.br) – um catálogo
de endereços das páginas do Governo Federal na Internet - oferece 1.400
serviços, com 16 mil informações, e já conta com cerca de 20 milhões de acessos
por mês. Porém, 22% dos serviços do governo não estão na Internet e 53% dos
serviços oferecidos são apenas informativos. Apenas 11% dos serviços possuem
alguma interatividade (como é o caso da Previdência Social) e 14% são de
relações transacionais (como o G2B ou transações entre governo e fornecedores).
Assim, o governo federal tem vários desafios pela frente, como os de vencer a
'exclusão digital' de grande parte dos brasileiros e promover a maior interação
com o cidadão. Além disso, precisa disponibilizar todos os serviços públicos na
Internet, desde a simples informação até as possibilidades transacionais. Outro
desafio é fazer com que o serviço disponibilizado na Internet seja inteligível
(por exemplo, utilizar a palavra 'aposentadoria' em lugar de 'benefício'). A
idéia é promover a democratização do acesso à informação e a universalização na
prestação dos serviços públicos, via redes públicas de comunicação.
Entre os planos do governo, Ney Leão aponta a oferta de todos os serviços
públicos pela Internet e a convergência e a integração das redes e sistemas,
assim como a ampliação das compras do setor público via rede mundial e a
integração do Governo Eletrônico com os portais estaduais. Contudo, garante que
a intenção é 'organizar a desorganização' e não acabar com os sites das
instituições públicas, até porque a Rede Governo é fruto de uma visão de Estado,
e não de governo. O foco são os serviços que o Estado pode oferecer nos seus
diferentes níveis, numa perspectiva de longo prazo. Porém, um dos problemas a
ser enfrentado para acelerar esse processo é vencer o desnível entre os próprios
órgãos de governo quanto aos conhecimentos de informática e à implantação das
soluções de integração via rede.
O governo também pretende criar a Central de Atendimento (telefone, e-mail,
cartas, etc.) para dar resposta efetiva à solicitação, por parte do cidadão, de
qualquer informação ou serviço. A idéia da Central é fornecer o serviço ao
cidadão na mídia em que ele escolher, sem que tenha necessariamente de acessar
os sites dos órgãos de governo, esclarece Leão. Não se trata de uma central
única, mas sim de um mesmo padrão de atendimento nos diversos níveis e áreas de
governo. Outra novidade será a implantação do Ponto Eletrônico de Presença
(PEP), cujo objetivo é colocar em vários cantos do País quiosques de acesso à
Internet (locais onde redes inteiras ou máquinas individuais conectam-se a uma
rede maior). Para 2002, a meta é instalar 6.000 desses pontos em todo o
território nacional, oferecendo serviços nas várias áreas.
Para Medina, o grande desafio é reverter a visão clássica da difusão do conhecimento especializado para uma ação comunicativa de dupla mão – o signo da relação -, ou seja, da ciência para a
sociedade e da sociedade para os cientistas. Trata-se de substituir a divulgação
científica clássica por práticas comunicativas, quer dizer, passar do signo da
difusão para o signo da comunicação ou substituir difusores/assessores por
comunicadores.
A inovação fica por conta do surgimento da Coordenadoria de Comunicação Social –
da qual Cremilda Medina é a chefe - calcada no projeto histórico de pesquisa da
USP na área de comunicação, que reúne várias mídias como Centro de Visitantes
(entrada da USP), Agência USP de notícias ( www.usp.br/agenciausp), Banco de
Dados, USP Online, Rádio USP, TV USP, Jornal da USP e Revista USP. Recentemente,
foram incorporadas as áreas de marketing, relações públicas e publicidade com o
objetivo de estimular a busca parcerias e recursos fora da Universidade.
Segundo Medina, a idéia de transformar a divulgação científica em comunicação
social pressupõe o surgimento de 'um mediador-autor, que cria e desenvolve as
pautas tanto geradas pelos cientistas como pela demanda social. No lugar da
fonte acadêmica que libera informação, o pesquisador que responde também às
necessidades pragmáticas, coletadas pelo comunicador na sociedade'.
Mas isto pressupõe vencer desafios, que signifiquem ruptura e alteração radical,
alerta Medina. Está em jogo a democratização plena das informações (entre elas,
o saber científico); a integração e complementaridade das mídias ('relação' como
prática permanente); a comunicação sociedade-ciência/reversão do fluxo
difusionista (daí a importância da reportagem, do papel do comunicador que leva
ao cientista as demandas da sociedade); e novas linguagens: busca da grande
narrativa periódica inspirada na arte (comunicador como agente cultural ou
artista).
Medina, contudo, admite as dificuldades em implantar o projeto. Até hoje, por exemplo, a USP não conseguiu ter uma política geral de comunicação que envolva a questão das assessorias de imprensa das unidades e dos campi. A integração dos assessores à Coordenadoria de
Comunicação Social tem sido gradual, uma vez que a integração exige incansável
'trabalho homeopático'.
Para Garrison II, agências de cooperação internacional e governos adotam cada
vez mais políticas pró-ativas e integradas de comunicação social, que vão além
do marketing. No caso do Bird, a nova política busca acabar com a 'cultura do
sigilo' e integrar a mensagem a uma visão mais ampla de missão institucional com
vistas a atingir o público alvo.
No Brasil, o Bird está instalando na capital federal um Centro de Informação ao
Público e um site na Internet, além de enviar regularmente documentos a
interlocutores-chaves do banco em agências governamentais, universidades e
sociedade civil. A própria Estratégia de Assistência ao País (CAS), do Bird,
deixou de ser sigilosa. Segundo Garrison II, um dos objetivos do banco é ampliar
as interlocuções por meio de consultas, como forma de envolver toda a sociedade.
O Bird também está em processo de se transformar em 'instituição de conhecimento' (knowledge institution), onde a informação e o conhecimento passam a ser tão importantes quanto o financiamento. Entre as iniciativas do banco nesse sentido, destacam-se o treinamento do pessoal da própria instituição e, no nível externo, a criação de redes de treinamento a distância, parcerias para o conhecimento global (com cerca de 40 organizações), empréstimos a governos para a modernização das políticas e da infra-estrutura de telecomunicações e o lançamento do portal na Internet Development Gateway (www.developmentgateway.org), voltado para o desenvolvimento sustentável.
O portal é especializado em informações, dados e links destinados ao combate à
pobreza e à promoção do desenvolvimento sustentável. Além disso, o portal é
interativo, o que encoraja a troca de informações e discussões eletrônicas entre
atores de distintos setores como governo, setor privado, sociedade civil e
agências de cooperação. Contém 20 páginas temáticas sobre questões como AIDS,
educação, segurança alimentar e governo eletrônico. Também oferece serviços como
banco de dados de 300 mil projetos financiados no mundo, livraria eletrônica,
estatísticas e serviço de licitações eletrônicas. E mantém portais de países
onde as organizações locais podem construir plataformas virtuais para agregar
conteúdo e promover comunidades de usuários.
Garrison II vê a comunicação social como essencial para ajudar a melhorar o desempenha da instituição, por meio do reforço do conceito de cidadania, transparência e accountability. Entre os desafios,
ele aponta a dificuldade de acabar com a 'cultura do sigilo' (resistência em
tornar público os documentos), de mudar paradigma, de se contrapor à
contra-informação (o Bird é visto, por exemplo, como irmão gêmeo do FMI) e de se
ter uma comunicação pró-ativa (não colocar simplesmente as informações na
Internet).
Data de Publicação: 08/10/2001
Autor(es): José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor