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Análise E Previsão Da Balança Comercial Brasileira Em 2002
Desde a implementação do Plano Real, em julho de 1994, podem ser identificados
dois períodos distintos em relação ao comportamento da balança comercial
brasileira. Estes dois períodos se relacionam ao tipo de regime cambial vigente.
Sazonalidade da balança comercial e modelo de previsão
A
partir da obtenção dos índices sazonais médios mensais pelo método X-12,
observa-se que o valor das exportações se concentra no período de abril até
setembro, refletindo, principalmente, a evolução das exportações de produtos
agrícolas. Nesse período, concentram-se a colheita e a comercialização da safra
agrícola, enquanto os valores relativos às importações apresentam maiores
índices sazonais médios mensais no período de outubro a dezembro, captando
principalmente a internalização de insumos e produtos para as festas de final de
ano. Gráfico 1 - Evolução dos Valores Observados, Previstos,
Limite Superior e Inferior do Saldo da Balança Comercial, Brasil, 2002.
O primeiro período, compreendido entre julho de 1994 e dezembro de 1998, foi
marcado pela utilização de um regime cambial muito próximo ao de taxa de câmbio
fixa, no qual o Banco Central administrava a flutuação dentro do limite definido
por uma banda cambial relativamente estreita. A manutenção deste regime esteve
associada ao controle da inflação.
O regime de câmbio fixo teve como efeito a deterioração do saldo em Transações Correntes. Isso ocorreu por dois motivos. Em primeiro lugar, houve valorização da taxa de câmbio, produzindo persistentes déficits
tanto na balança comercial quanto na balança de serviços. Em segundo lugar, o
regime de câmbio fixo foi sustentado por uma estratégia de acumulação de
reservas internacionais, que correspondem a passivos externos. O aumento desses
passivos cria novas despesas com serviços de fatores, em especial nas contas de
juros, lucros e dividendos remetidos ao exterior. Portanto, o câmbio fixo gera
uma acumulação de passivo externo que torna o país muito vulnerável a choques
externos.
No período em que o real esteve sobrevalorizado em relação ao dólar (1995-98), as exportações cresceram 3,92% ao ano. Porém, as importações evoluíram de forma mais expressiva, com uma taxa de crescimento de 6,02% ao ano. A partir desses dados, pode inferir-se que, apesar do fato de o real estar valorizado frente ao dólar, ainda assim, as exportações evoluíram positivamente; porém, as importações apresentaram um crescimento ainda mais acentuado, tendo como resultado sistemáticos déficits na Balança Comercial.
No início de 1999, o governo abandonou a política de sustentação das bandas
cambiais, dando início à segunda fase do Plano Real, que se caracteriza pelo
regime de taxa de câmbio flutuante. Neste regime, não há mais o comprometimento
do BACEN em intervir no mercado para manter a taxa de câmbio num determinado
patamar. Entretanto, dificilmente um regime cambial flutuante pode ser
considerado puro. Em alguns momentos, o BACEN realizou intervenções pontuais no
mercado de câmbio com o objetivo de suavizar a volatilidade do regime.
Um importante fato estilizado da balança comercial brasileira ocorreu com a
mudança do regime cambial em 1999. Nos dois primeiros meses daquele ano, a moeda
nacional foi desvalorizada em quase 60% frente ao dólar norte-americano. A
expectativa era de que a desvalorização induzisse a um incremento sensível no
saldo comercial, em decorrência de aumento das exportações e redução das
importações.
Num primeiro momento, observou-se uma contração significativa das importações,
sem que as exportações crescessem conforme o esperado. Um aspecto que deve ser
realçado é que a desvalorização cambial não implica diretamente aumento das
exportações no curto prazo. O resultado dessa desvalorização sobre a balança
comercial de um país vai depender das suas respectivas elasticidades de
importações e exportações.
A reação inicial das exportações à flutuação de 1999 pode estar relacionada ao
fenômeno da chamada Curva-J: no curto prazo, uma depreciação cambial pode causar
uma deterioração do saldo comercial em vez de uma melhora. Isso se deve à demora
no ajustamento do setor real à mudança das variáveis financeiras e aos
rearranjos iniciais causados pela desvalorização. A literatura aponta que o
ajustamento pode levar alguns anos, especialmente sob condições adversas de
demanda internacional como as que caracterizaram aquele período.
Decorridos quase três anos e meio após a mudança cambial, os efeitos da
desvalorização estão surtindo efeito sobre o saldo da balança comercial. No
período pós-desvalorização, a taxa média de crescimento das exportações passou a
10,12%, contra 3,92% ao ano no período de câmbio administrado. O ritmo de
crescimento das importações aumentou menos que o das importações, a uma taxa de
6,27% ao ano contra 6,02% no período anterior.
A retomada em curso parece corroborar a hipótese de que o comércio exterior
brasileiro experimentou uma Curva-J nos últimos anos. No entanto, a conclusão
não pode ser tomada como definitiva. É necessário realçar que esse saldo está
condicionado, principalmente, a uma forte contenção da atividade econômica e a
uma desvalorização quase contínua da taxa de câmbio durante o período de câmbio
flutuante.
Na elaboração do modelo de previsão para o saldo total da balança comercial para 2002 foram aplicadas duas variáveis de intervenção, associadas a outliers (também denominados valores discrepantes ou aberrantes), que poderiam prejudicar as previsões. As variáveis foram identificadas pelo próprio software utilizado - o
Statistical Analysis Software (SAS) versão 8.2 - e foram aplicadas nas
observações correspondentes a janeiro de 1997 e setembro de 2002.
Após a aplicação das variáveis de intervenção, o modelo econométrico gerou
previsões de saldos comerciais para os meses de outubro a novembro,
respectivamente, de US$ 1,95 bilhão, US$ 1,89 bilhão e US$1,69 bilhão. Dado que,
até setembro de 2002, o saldo acumulado da balança comercial foi de US$7,86
bilhões, o saldo deste ano seria de US$ 13,38 bilhões.
Utilizando-se os limites inferior e superior das previsões, o intervalo de
previsão do saldo anual de 2002 ficaria entre US$ 10,59 bilhões e US$ 16,18
bilhões. Estes resultados são sumariados no gráfico 1.
Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos da CONJUNTURA ECONÔMICA (2002).
Data de Publicação: 13/12/2002
Autor(es):
Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Frederico Araújo Turolla (fredturolla@gvmail.br) Consulte outros textos deste autor