O Acordo De Bonn E As Novas Perspectivas Para O Mdl

            O tratado internacional para controle do aquecimento global (IPCC), mais conhecido como Protocolo de Kyoto, parece estar fadado à perpetuar-se na história como impulsionador do entendimento e da cooperação internacional. O último fato marcante deu-se na reunião de julho passado na Alemanha, presidida pelo holandês Jan Pronk, quando representantes de 178 países concluíram um acordo sobre as regras para a implementação do Protocolo de Kyoto.
            Este novo acordo objetiva contornar obstáculos surgidos na aceitação pelos países do grupo que passou a ser conhecido como 'Umbrella Group', tanto do percentual de redução nas emissões inicialmente proposto (5,2%) como das regras para a aplicação do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Por estes dois aspectos, em março deste ano, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), George W. Bush, posicionou-se contra o Protocolo de Kyoto e anunciou, formalmente, que seu país não iria ratificar o acordo, classificando-o como 'defeituoso'. Dirigentes do mundo inteiro, através da Organização das Nações Unidas (ONU), externaram o temor de que a posição norte-americana, que passou a ser apoiada por Japão, Canadá e Austrália, determinasse o sepultamento do Protocolo de Kyoto.
            Duas significativas concessões foram admitidas para permitir o alinhamento dos 178 países em torno do novo acordo: a) a queda da meta de redução de emissões de CO2 a ser atingida em 2012; e b) a permissão para os países do Anexo 1 (grupo de nações com metas de redução) fazerem uso das florestas em seus próprios territórios como 'sumidouros' de carbono, para contabilizar a redução de emissões. Ainda assim, os EUA, que foram signatários em 1997 em Kyoto, não assinaram o novo acordo, embora sua delegação houvesse participado das negociações desta reunião. Todavia, foi conseguida a adesão de outros países como Japão, Canadá e Austrália, outrora aliados dos EUA na resistência ao acordo sobre o clima. Estes países são responsáveis por 62,5% do total anual das emissões dos países do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto e por 42,8% do total anual das emissões mundiais de gases que causam o efeito estufa, segundo estimativas para o ano de 1990.
            A decisão de Bonn representa marcante derrota política para os EUA e, em particular, para o presidente George W. Bush, agora isolado na contestação ao Protocolo de Kyoto. Entretanto, há consenso entre as organizações e os ambientalistas que acompanharam a reunião, de que o acordo internacional foi obtido a um custo muito alto, resultante do enfraquecimento nos parâmetros de aplicação do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). O reflexo será uma redução das oportunidades de mercado para os países não listados no Anexo 1, potenciais candidatos a ofertarem os chamados créditos por 'sumidouros' de gás carbônico (principal gás-estufa).
            O esvaziamento das possibilidades de canalização de recursos financeiros através do MDL se dará de várias formas: a) pela possibilidade de contabilizar suas próprias florestas como 'sumidouros' nos países 'poluidores' relacionados no Anexo 1; b) pela nova meta de redução de emissões, que passou de 5,2% para 2%; c) por passar a não considerar as florestas ainda existentes (como as da Amazônia), como passíveis de crédito para o MDL; e d) pela reserva de parte dos recursos a serem gerados pela aplicação do MDL (US$530 milhões/ano), que deverá ser necessariamente utilizado no Fundo de Adaptação.
            Conforme o novo acordo para a aplicação do MDL, é provável que países como o Canadá (com capacidade de ampliação da massa florestal) possam equilibrar-se internamente na balança 'emissão-sequestro' de carbono. Por outro lado, o Japão, representante mais expressivo de países com significativa emissão de gases-estufa e menor área territorial disponível para o florestamento, certamente terá que recorrer ao mercado internacional de seqüestro de carbono, através do MDL.
            Neste contexto, apresenta-se a seguir uma estimativa das possibilidades de proprietários e/ou empresários rurais paulistas utilizarem-se do MDL como fonte de financiamento para a reposição de áreas florestais em suas propriedades, seja para recompor áreas de preservação permanente seja para formar áreas de reserva legal.
            Segundo pesquisadores do Instituto Florestal da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, ainda não há dados de pesquisas que forneçam parâmetros sobre o seqüestro de carbono em povoamentos de diferentes espécies florestais. Monfrinato trabalhou com uma estimativa de captura de 3 toneladas por hectare/ano para florestamentos com espécies nativas. E cita que alguns projetos já em andamento usaram o valor de 5t/ha/ano como referência, ambos para um horizonte de 25 anos, sendo também uma estimativa de captura média para um povoamento de eucalipto.
            Este último valor, sugerido por Timoni, é adotado a seguir como pressuposto em uma estimativa de receita com captura de carbono em um hectare de floresta, que, caso se considere um valor de referência de US$10,00 por tonelada capturada, geraria uma receita média anual de US$50,00 por hectare. Os valores de arrendamento, conforme a tabela 1, serão usados para exprimir os custos de oportunidade de áreas passíveis de serem aproveitadas para recomposição florestal, tanto para atender ao requisitado como reserva legal quanto para recompor áreas de preservação permanente. Acredita-se que sejam boas 'proxies' para os custos de oportunidade da terra para projetos de captura de carbono, pois indicam uma avaliação do empresário por uma opção de uso da terra, que, embora propicie menor renda, oferece menores riscos, e sem as tarefas decorrentes do gerenciamento de uma exploração agropecuária.
 Estimativa de Receita por Arrendamento e Captura de Carbono, por Hectare,
novembro de 2000, Estado de São Paulo
Atividade
Unidade
Valor 
em reais
Anual
em dolares
Captura de carbono
R$/ha/ano
127,50
50,00
Algodão
R$/ha/ano
154,46
60,57
Amendoim
R$/ha/ano
166,00
65,10
Arroz
R$/ha/ano
157,71
61,85
Cana-de-açúcar
R$/ha/ano
135,71
53,22
Milho
R$/ha/ano
136,67
53,60
Pasto
R$/cab./mês
272,02
106,67
Soja
R$/ha/ano
300,03
117,66
Tomate envarado
R$/ha/ano
144,63
56,72

Fonte: Instituto de Economia Agrícola.

            Dessa maneira, em uma abordagem inicial, é possível observar pelos valores estimados que, caso o mercado de captura de carbono sinalize para um preço ao redor de US$10,00 por tonelada capturada, o MDL poderá tornar-se um bom instrumento de fomento à recuperação das reservas florestais, tanto para o Estado de São Paulo como para as demais regiões do país com valores de terra semelhantes ou inferiores.
 
 

 

Data de Publicação: 14/09/2001

Autor(es): Paulo Edgard Nascimento De Toledo (ptoledo@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor