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Exportação dos agronegócios: superando as falsas dicotomias
A
discussão sobre o papel das exportações na dinâmica econômica brasileira sofreu
radical mudança nos últimos dez anos, como resultado das transformações
estruturais do capitalismo tardio nacional. O simples contato com os principais
textos teóricos mostra a profundidade da mudança conceitual com que são
encaradas as exportações e toda a política de comércio exterior desenvolvida
pela nação brasileira, se adotarmos como parâmetros as discussões realizadas no
contexto dos grandes embates da crise agrária nacional, fixando-se nos anos 60,
na virada dos anos 80 e na realidade atual. Pilares fundamentais O
sucesso das exportações dos agronegócios brasileiros, com significativo aumento
na geração de divisas no período 1997-2004, decorre de medidas estratégicas
tomadas na segunda metade dos anos 90. As decisões do Governo brasileiro que
tiveram impacto decisivo nesse processo estão assentadas em três pilares
fundamentais:
Entretanto, há de se institucionalizar de forma definitiva algumas questões. Uma
delas é que a Lei Kandir está sendo bancada pelos estados exportadores sem
ressarcimento federal, o que implica em menor capacidade dessas unidades da
federação de executar políticas estaduais consistentes. No médio prazo, isto
pode significar menor competitividade, em especial pela redução dos
investimentos em inovações, na melhoria da logística e, no caso dos
agronegócios, em defesa agropecuária. ________________________ 2MAPA: www.agricultura.gov.br
3 Artigo registrado no CCTC-IEA sob n. HP-375/2004
O dualismo entre produtos exportáveis e produtos domésticos, derivado dos
distintos processos de formação de preços, representa uma dicotomia fundamental
das análises de economia aplicada à agricultura que simplesmente saiu de cena,
embora tenha ocupado posição central do debate nos anos 70 e 80. Esse paradigma
na verdade já estava presente nas análises da crise agrária brasileira,
realizadas na efervescência dos anos 60, mas foi alçado à condição de destaque
no plano teórico nos anos 70, persistiu nos 80 e absolutamente desapareceu das
argumentações nos anos 90 em diante.
Os produtos exportáveis seriam aqueles cujos preços se formam no mercado
internacional e, em função disso, apresentariam dinamismo tanto pelo incremento
de área e produção quanto pela inovação tecnológica que determina elevado ritmo
de progresso técnico. Os produtos domésticos seriam aqueles cujos preços se
formam no mercado interno, apresentando baixo incremento de área, produção e
tecnologias, o que conduz a oferta reduzida desses produtos, gerando escassez e
elevação dos preços ao consumidor.
Ainda que a formação de preços em ambos os tipos de produtos continue a se dar
com base nos mesmos pressupostos, as transformações produtivas tornaram
impróprias muitas das conclusões quando explicadas com base nesse dualismo. Isto
confirma a concepção de que a produção da agricultura responde a preços, sendo
inconsistentes as teses defensoras da inelasticidade da oferta, para todo o
conjunto de produtos ou para grupos deles em particular.
Na quadra atual, muito longe das concepções anteriormente associadas à dicotomia entre exportáveis e domésticos1, verifica-se uma
eliminação dessa argumentação dualista, com a construção de uma universalidade
conceitual de defesa da inserção competitiva dos agronegócios no mercado
internacional, numa lógica em que exportar é o que importa. A questão do acesso
de camadas da população aos alimentos, ainda presente em importantes faixas de
renda, está associada à insuficiência de renda dos que ganham pouco ou não
ganham nada face o desemprego.
Exatamente o emprego passou a justificar as estratégias exportadoras, agora
validadas pelo interesse nacional, em especial das camadas sociais sem acesso
aos benefícios do desenvolvimento. A exportação passou a ser defendida como
instrumento de geração de riqueza e de empregos, logo uma prioridade nacional,
uma vez superada a visão dualista, dada a universalidade pró-exportadora das
análises da economia brasileira, que trazem inclusive para o primeiro plano um
posicionamento mais duro e consistente do Estado Nacional na luta contra os
mecanismos protecionistas das agriculturas dos países capitalistas
desenvolvidos. Em função disso, desde a metade dos anos 90, período em que foram
criados os alicerces do sucesso exportador atual, ficou nítida a estratégia
governamental de criação de mercados para produtos brasileiros, de cuja demanda
crescente, em escala global, resultariam empregos e renda.
O detalhamento do perfil do comércio exterior dos agronegócios, entretanto,
mostra, da ótica da agregação de valor, uma maior força dos produtos de menor
valor agregado, como os básicos, que ainda preponderam nas exportações, enquanto
nas importações setoriais prevalecem os manufaturados. Nesse sentido,
verifica-se ainda a prevalência do quantitativo sobre o qualitativo no avanço
das transações externas dos agronegócios.
Pode-se notar um avanço das vendas e queda nas compras de manufaturados, mas em
níveis que ainda não alteraram o perfil do comércio externo dos agronegócios
nacionais, em que quase a metade do que se vende consiste de produtos básicos e
mais da metade do que se compra são manufaturados. Por certo há uma lógica no
mercado internacional para que assim ocorra, mas, de qualquer maneira, a luta
para alterar esse perfil, de forma a gerar mais emprego e agregar mais renda
interna, representa elemento que deve estar sempre presente na formulação e
execução de políticas comerciais e nas negociações internacionais.
O Brasil fechou o ano de 2004 com exportações recordes de US$ 96,50 bilhões e importações de US$ 62,80 bilhões. O superávit da balança comercial foi, assim, de US$ 33,72 bilhões, 36% superior ao de igual período do ano anterior. Isso decorre do incremento nas exportações (+32%) em proporção maior do que o as importações (+30,0%). Num recorte setorial, as exportações dos agronegócios cresceram 29,8% em relação a 2003, atingindo US$ 39,01 bilhões (40% do total). Já as importações do setor subiram 21,5%, também em comparação com 2003, somando US$ 4,88 bilhões (8% do total), segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)2. O superávit dos
agronegócios atingiu US$ 34,13 bilhões, 36% superior ao de igual período do ano
passado e, mais uma vez cobre o déficit das contas externas dos demais setores
da economia cuja balança comercial se mostrou negativa.
Importante ressaltar a redução proporcional das compras setoriais dos
agronegócios no exterior, cujos incrementos foram menores que os das importações
totais. Esses indicadores mostram a magnitude da competitividade dos
agronegócios brasileiros, que consolidou o sucesso da estratégia exportadora
cujas bases estruturais foram lançadas na virada do século, permitindo
crescimentos substantivos que forjaram o desempenho atual.
De qualquer forma, não mais se ouvem questionamentos ao papel das exportações
para o desenvolvimento nacional, mesmo porque fica nítido que a demanda interna
se revela uma questão de renda e não de oferta, Noutras palavras, não se
questiona nem a inelasticidade da oferta da agricultura que responde a preços
nem a concorrência entre atividades de exportação e de consumo interno por
fatores, mas sim a necessidade de gerar renda e emprego para melhorar o tamanho
e o perfil da demanda do mercado interno.
A discussão no Congresso Nacional do Orçamento Federal para 2005 mostra a
não-implementação do fundo de compensação com recursos federais. Ainda que não
contemplada a proposta dos governadores de repartir esse ônus de queda de
receita, meio a meio, entre os estados e a União, o que implicaria em repasses
de recursos federais da ordem de R$ 9,0 bilhões em 2005, foram fixados recursos
da ordem de R$ 5,2 bilhões.
Outra questão que permeou esse debate diz respeito ao critério de repartição
entre os estados das compensações. Ao invés de usar como indicador o fato
gerador (exportações), fala-se em mesclar esse mecanismo com a participação dos
estados nos saldos da balança comercial.
Desde logo, é fundamental esclarecer que esse critério aventado, se adotado, se
configura em nítido casuísmo contra o Estado de São Paulo. Basta verificar a
pauta do comércio exterior paulista para se notar que as importações são mais
expressivas, de um lado pela importação de componentes da indústria aeronáutica
e automobilística e, de outro, pela importação de componentes das máquinas e
insumos dos agronegócios, que atendem à demanda de todas as unidades da
federação, em especial aquelas com elevados saldos comerciais nos agronegócios.
Mais ainda: na mesma discussão do Orçamento 2005, constava da pauta a necessidade de alocar recursos para intervenção na safra a ser colhida em fevereiro-abril de 2005, da ordem de R$ 2,0 bilhões, a fim de que o Governo Federal tenha instrumentos para evitar os efeitos deletérios da pressão sazonal das colheitas sobre os preços de commodities
relevantes como milho, soja, algodão e trigo. Pela relevância da presença
brasileira nas transações internacionais desses produtos, uma queda de preços
devido à manifestação de elevado desequilíbrio transacional entre oferta e
demanda no pico de safra, se concretizada, terá efeitos dramáticos na renda
agropecuária, funcionando como poderoso fator de desestímulo ao incremento da
capacidade produtiva, podendo mesmo redundar em retração da produção nacional.
No patamar das taxas de juros, atual e projetada, não há como carregar estoques
na órbita privada, exigindo o escoamento rápido da safra, o que leva à queda dos
preços agropecuários internos pela pressão de oferta. Mais grave que tudo isso é
que o ajuste futuro decorrente dessa queda sazonal de preços numa realidade de
custos crescentes da safra 2004-05 pode ser dramático pela renda corroída nesse
processo. Os diferenciais a menor dos preços serão apropriados pelos demais
agentes das cadeias de produção numa erosão de volta de riqueza, numa ópera que,
no próximo ato, demandará intervenção pública numa realidade de recursos fiscais
escassos.
O boom recente dos agronegócios fez a oferta de
grãos e fibras bater o patamar dos 120 milhões de toneladas na safra 2002/03 - a
safra 2003/04 já foi menor. Caso a comercialização da safra 2004/05 gere
desestímulos de preços, devido à apreciação do dólar (câmbio abaixo de R$
3,00/U$S) e à pressão para baixo na colheita, esse recorde da safra 2002/03,
curiosamente a última plantada pelo Governo anterior, pode permanecer por alguns
anos.
O desafio atual consiste em tomar medidas para ao menos manter esse recorde. Para isso, os tomadores de decisão precisam ter claro que o superávit da balança comercial é tão relevante do ponto de vista da política macroeconômica quanto o superávit primário das contas públicas. E que, no mundo real, ambos se condicionam mutuamente e, por seu turno, condicionam as dinâmicas das transações tanto no mercado interno quanto no mercado externo. Ou seja, que o Brasil não caia em mais uma armadilha de falsa dicotomia. 3
1 Mesmo que, como resultado
da ampla aceitação dessa falsa dicotomia, a participação brasileira no comércio
exterior reduziu-se de forma dramática, sendo, nos primeiros anos do século XXI,
menor do que a verificada nos anos 1970. Agora tem-se de correr atrás do
prejuízo.
Data de Publicação: 14/01/2005
Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor