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Anomalia Climática e seus Impactos Econômicos nas Lavouras do Estado de São Paulo, Brasil
1 – ANTECEDENTES O risco e a incerteza
incidente nos negócios agropecuários estão intrinsecamente vinculados a variável
clima. No chamado Centro-Sul do Brasil, o último
trimestre de 2023 dá início
à temporada de plantio
da safra de verão e, concomitantemente, são retomadas as atividades de manejo
agronômico das culturas perenes (café,
laranja, cana-de-açúcar, pastagens). Estudos recentes
reposicionam a importância da oscilação da temperatura média do oceano Atlântico Sul na explicação dos ciclos de
precipitações no Centro-Sul e/ou seca no Nordeste. Assim, além do já conhecido efeito “El Niño”,
ligado às temperaturas do oceano Pacífico, de incremento das chuvas no Sul, neutralidade/bloqueio de
precipitações no Sudeste e eventual estiagem no Norte e Nordeste, são algumas das consequências dessa
interação entre oscilação do Pacífico e Atlântico. A elevação da
temperatura média já é uma realidade para todo o território paulista. Dados sistematizados por Brunini et al (2023)
confirmam essa hipótese. Esse aumento trouxe repercussões sobre o
melhor período para início
do plantio, incrementando o
risco envolvido na atividade. A ocorrência de anomalia climática
no último trimestre
de 2023 (particularmente, altas temperaturas, escassez de precipitações) ocasionou atrasos no plantio das lavouras anuais (com eventuais replantios decorrente de veranicos)
e na
condução das perenes. Adentrando-se no
primeiro trimestre do corrente ano, as lavouras já em desenvolvimento e/ou frutificação (anuais e perenes)
foram ainda mais impactadas pelo fortalecimento da anomalia climática iniciada no trimestre anterior,
mantendo-se o regime de precipitações mal distribuídas, a média de temperaturas elevadas (dia e noite) e a
alta radiação solar (intensificada pela prevalência de dias sem nuvens). Em seu conjunto, esses fatores
climáticos trouxeram importantes perdas econômicas para os cultivos
em plena fase de desenvolvimento
e/ou frutificação. Precipitações
irregulares associadas a elevadas temperaturas médias promovem o estresse fisiológico das plantas (evapotranspiração incapaz de promover
sua regulação térmica), retardando seu desenvolvimento e, consequentemente, a
produtividade média esperada para o cultivo. Importantes cinturões agropecuários paulistas
foram relativamente impactados por essa condição
climática, notadamente, os cultivos anuais de
verão, em especial, soja,
milho e amendoim (Pereira, 2024). Observando-se o
mapeamento do Estado produzido por Brunini (2024), pode-se confirmar o agravamento
em intensidade da estiagem, com progressivo avanço dos municípios classificados
como moderadamente seco, para severamente e extremamente seco. Em dezembro do
ano anterior, já havia sinalização de agravamento da estiagem em território
paulista. Após uma recuperação hídrica em janeiro e fevereiro, a situação volta
a piorar, com apenas uma estreita faixa do Vale do Paraíba em junho de 2024 exibindo
situação próximo à normalidade hídrica (Figura 1). O Índice Padronizado de
Precipitação-Evapotranspiração (SPEI) é um método de base probabilística, recomendado
pela Organização Mundial de Meteorologia (OMM), que consegue quantificar o
efeito da temperatura atmosférica na intensidade de um evento de seca, sendo
calculado baseado em um banco histórico de dados de chuva (30 anos no mínimo). A
adversidade de seca ocorre quando as condições climáticas vigentes em determinada
região e período se encontram significativamente abaixo do que seria, em termos
climatológicos, esperado para aquela região e período. No caso das culturas
perenes, os danos causados pela atual anomalia climática tornam-se bastante evidentes.
Antecipação da colheita da cana-de-açúcar, quebra de safra no café (diminuição no
tamanho dos grãos) e significativa perda de produção na citricultura são alguns
dos registros contabilizados por levantamentos subjetivos do Instituto de Economia
Agrícola (IEA) e da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), da
Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA/SP). Ratificando-se a
severidade da atual estiagem, levantamento do INPE mostra que o número de focos
de queimadas no estado de São Paulo tem se situado acima da média calculada
para os últimos 27 anos de monitoramento contínuo (Tabela 1). Pelas informações
coletadas, o número de focos de queimadas registradas no primeiro semestre de
2024 foi maior que a média do primeiro trimestre e menor em maio, retomando
patamares elevados em junho e julho. Segundo dados do
Monitor de Secas da Agência Nacional de Águas (ANA), a seca moderada e fraca já
atua em âmbito paulista, corroborando com os dados anuais de SPEI apresentados,
destacando- se as regiões do Oeste e Norte paulista (Figura 2), que, levando-se
em consideração o acumulado anual demonstrado pelo índice SPEI, já apontam para
a intensificação da seca nessas regiões. O Valor da Produção
Agropecuária (VPA) do estado de São Paulo, em 2023, foi estimado pelo IEA em
R$157,84 bilhões2, representando queda no valor de 5,30%, em termos
reais, frente ao resultado obtido em 2022, quando deflacionado pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Efetivamente, a redução de R$8,89 bilhões foi
fortemente ocasiona-da pelo comprometimento das lavouras devido às altas
temperaturas observadas no quarto trimestre de 2023, e irregularidade das
precipitações. Em 2022, o maior VPA
regional paulista foi contabilizado pela CATI Regional de Itapeva, onde se
concentra o maior polo produtor de grãos do estado (soja, milho e feijão).
Todavia, em 2023, o VPA dessa mesma regional declinou 14,8%, ranqueando no
quinto maior VPA paulista3. Essa mesma tendência foi seguida pelas
CATI Regionais de Itapetininga e Ourinhos, com declínio de 6,1% e 8,3%,
respectivamente (igualmente importantes nas lavouras de grãos). Na CATI
Regional de Barretos, em que se concentram os pomares de laranja no estado,
houve queda de 6,3%, apesar dos bons preços recebidos pelos frutos. Na CATI
Regional de Marília, onde se concentra a produção de amendoim do Estado,
registrou-se queda no VPA de 11,5%. Enfim, cinturões agropecuários paulistas
estão sob o impacto das anomalias climáticas, não se vislumbrando recuperação significativa
no corrente ano, devido è intensificação da anomalia que já se registrava no
final do ano anterior. 3
- PRINCIPAIS LAVOURAS SOB ESTRESSE HÍDRICO O impacto das anomalias
climáticas varia segundo o tipo de lavoura analisada. Lavouras anuais (grãos,
algodão) concentram o plantio no período chuvoso (primavera/verão), quando as
condições climáticas são mais favoráveis. Por sua vez, as lavouras permanentes
(café, cítrus, cana-de-açúcar, seringueira), a depender da intensidade da
anomalia e o momento de seu ciclo vegetativo/reprodutivo, podem exibir impactos
produtivos menos pronunciados. Os principais cultivos
de grãos em São Paulo exibiram redução em área, produção e produtividade no
comparativo entre a previsão final (novembro de 2023) com a segunda estiva da
safra 2023/24 conduzida pela CATI/IEA (Tabela 2). A lavoura de soja, mais
importante no cenário de grãos do estado, foi bastante prejudicada pela
anomalia climática, pois nem mesmo a expansão da área cultivada (2,4%) foi
suficiente para deter a queda da produção (-20,7%) e da produtividade O
amendoim, preferencialmente cultivado no oeste paulista, mostra quedas de área,
produção e produtividade. O feijão das águas, apesar da queda de área (4,1%),
obteve boa produção devido ao aumento da produtividade. O trigo, apesar de
forte incremento da área, exibe queda de produção (15,8%) e ligeiro aumento na
produtividade. Entre as culturas
perenes, excetuando-se a mandioca para indústria, todas as demais tiveram queda
de produção e de produtividade e, nesse caso, excetuando-se o café, em razão da
corrente safra ser ciclo de alta, compensando a importante queda na área
cultivada (Tabela 3). A deterioração dos
preços recebidos pelos heveicultores é responsável pela significativa queda
tanto da produção como da produtividade. Nesse caso houve, apenas efeitos da
anomalia climática como, ainda, rebaixamento da tecnologia empregada nos
seringais. 4
- CONSIDERAÇÕES FINAIS As informações apresentadas
caracterizam o contexto de severidade para estiagem, assegurando o acerto da
autoridade pública em delinear ações visando mitigar os efeitos socioeconômicos
e ambientais dessa anomalia climática. O momento atual está
sendo caracterizado pela transição de “El Niño” para “La Niña”, ou seja, haverá
um período de normalidade e progressivo ganho de intensidade da “La Niña”. O estado
de São Paulo e o Sudeste como um todo se situam dentro de uma zona de
transição, que tanto pode receber mais chuvas, como permanecer sob influência
da estiagem. Antecipar as medidas de apoio financeiro à agropecuária e aos
municípios afetados pela anomalia será crucial para uma retomada das atividades
produtivas em contexto de rápido crescimento. 1Os autores
agradecem o apoio recebido de Vagner Azarias Matins pesquisador científico do
IEA. 2Disponível em:
MONTEIRO, A. V. V. M. et al. Valor da
Produção Agropecuária Paulista - resultado final 2023. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 6, p.
1-9, jun. 2024. Disponível em:
http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=16214. Acesso
em: 29 jul. 2024. 3Disponível em: VEGRO, C. L. R. et al. Valor
da Produção Agropecuária Paulista em 2023: resultado por região da CATI. Análises
e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 6, jun. 2024, p. 1-10.
Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=16217.
Acesso em: 29
jul. 2024. Palavras-chave:
anomalia climática, estiagem, seca, clima e agricultura. COMO
CITAR ESTE ARTIGO VEGRO, C. L. R. et al. Anomalia
Climática e seus Impactos Econômicos nas Lavouras do Estado de São Paulo,
Brasil. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 8, ago.
2024, p. 1-8. Disponível em: colocar o link do artigo.
Acesso em: dd mmm. aaaa.2 - REGIÕES MAIS AFETADAS
(-22,5%). O milho, segunda mais importante lavoura de grãos, evidencia queda de
área, tanto na safra, como na segunda safra (-20,5% e -9,0%, respectivamente),
de produção (-29,5% e 2,1%) e na produtividade para o milho safra de 11,3%.
Data de Publicação: 21/08/2024
Autor(es):
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Antoniane Arantes de Oliveira Roque (antoniane@cati.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Orivaldo Brunini (brunini@iac.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Felipe Pires de Camargo (fpcamargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor