Protocolo de Kyoto: a corrida questionável

            A Rússia iniciou o processo de adesão ao Protocolo de Kyoto, com a aprovação, no dia 22 de outubro de 2004, da sua ratificação por parte da Câmara Baixa do Parlamento. Em seguida, o projeto será votado pela Câmara Alta e, após a aprovação, segue para a sanção do presidente Vladimir Putin. A decisão russa é importante principalmente porque, no mês passado, os Estados Unidos reiteraram a intenção de não ratificar o Protocolo.
            Desde a década de 90, a Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou medidas que visam 'alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça a interferência antrópica perigosa ao sistema do clima', objetivo da Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima.
            Os 136 países que compõem a Convenção definiram suas posições em relação às mudanças climáticas, a partir de 1998, através do Protocolo de Kyoto. Este inovou a Convenção na criação de mecanismos para o combate à emissão de gases de efeito estufa ('mercado de carbono', implementação conjunta e o mecanismo de desenvolvimento limpo), bem como estipulou, como taxa geral, que os países industrializados reduzissem (entre 2008 e 2012) em 5,2% as emissões desses gases com base no volume emitido em 1990.
            Não tem sido tarefa fácil ou de comum acordo implantar o Protocolo de Kyoto, uma vez que alguns dos 32 países que compõem o grupo dos países industrializados (ANEXO 1) discordam tanto das taxas estabelecidas para eles quanto da isenção de taxas de redução para os países não-industrializados (ANEXO 2, 190 países).
            Este é um dos motivos pelos quais os Estados Unidos se retiraram do Protocolo em 2001, alegando que isto provocaria estagnação em sua economia. Atentam que a China e outros países que estão isentos de taxa têm se desenvolvido em ritmo acelerado e consequentemente estão aumentando a emissão de gases de efeito estufa. Assim, no longo prazo, tais países suplantarão as emissões estadunidenses.
            Uma condição para que o Protocolo entre em vigor é que 55 países da Convenção (ANEXO 1 e ANEXO 2) o ratifiquem.
            Entre 1998 e 2000, iniciou-se uma corrida de países do ANEXO 2 (figura 1) que passaram a aderir ao Protocolo: 31 emitiram suas assinaturas, dos quais 19 o ratificaram. Isto é explicado pelo interesse destes países em utilizar os mecanismos de desenvolvimento limpo, sobretudo o mercado de carbono, um recurso de mais de 500 milhões de dólares que os ajudarão a se adaptarem às mudanças de suas matrizes energéticas e no uso do solo. Associada a isso, a ausência de obrigatoriedade de redução de gases de efeito estufa cria uma oportunidade para que suas economias se fortaleçam.
            Somente em 2001 verifica-se a primeira manifestação do ANEXO 1 com a entrada da Romênia. Em 2002, mais 21 países ratificaram o Protocolo, engrossando a lista com a forte presença de membros da União Européia que poderá ser líder em questões ambientais.

Figura 1 – Número de países que ratificaram o Protocolo de Kyoto

Fonte: Dados elaborados pelos autores de acordo com a Convenção Quadro Sobre Mudanças de Clima

            Portanto, se o Protocolo dependesse apenas da primeira condição, já estaria em vigor desde 2002 quando 58 países o ratificaram. Mas isso não é suficiente. O Protocolo requer uma segunda condição: os países do ANEXO 1 que ratificam o protocolo devem atingir 55% do total das emissões de 1990.
            Não houve grandes mudanças em relação à segunda condição, desde 2002, quando a lista de adesão ao Protocolo totalizava 29 países1, mas alcançava apenas 40,70% das emissões de dióxido de carbono (tabela 1). Esta condição apontou uma fragilidade do Protocolo: apesar de o ANEXO1 já ter a adesão quase total, ainda não é suficiente para que o Protocolo entre em vigor, dada a baixa representatividade dos países ratificados nas emissões dos gases.
            Nestes dois últimos anos, os países que aderiram ao Protocolo representam um acréscimo de 4,9% das emissões, o que elevou o 'termômetro' para 45,6%. Mesmo que todos os países do ANEXO 1, exceto EUA e Rússia, o ratifiquem, não se chegará aos 55% pretendidos para que o Protocolo entre em vigor, uma vez que Rússia e EUA são os grandes responsáveis pelas emissões de dióxido de carbono no planeta. Este impasse retarda a efetividade do Protocolo de Kyoto e deixa de lado a importância dos países do ANEXO 2, uma vez que depende única e exclusivamente dos países industrializados.

Tabela 1 - Status das emissões de dióxido de carbono do Anexo 1

Anos % das emissões % Acumulado
2001 3,28 3,28
2002 37,42 40,70
2003 0,5 41,20
2004 4,4 45,60
Total 45,6 45,60
Fonte: Dados elaborados pelos autores através da Agência Internacional de Energia

            Dentre os países que já ratificaram o Protocolo e integram o ANEXO 1, encabeçam o ranking das emissões a Alemanha (6,96%), o Japão (6,91%) e a Ucrânia (4,40%) (tabela 2). Apesar de serem os três primeiros colocados, juntos emitem apenas 16% de dióxido de carbono, nível inferior, portanto, à participação da Rússia (17,50%) e dos EUA (35,04%) no mesmo ranking.
            Somente a emissão da Rússia equivale a 25 países do grupo ratificado, enquanto os EUA representam 29 países, incluindo um dos líderes do ranking, a Ucrânia. Juntos, EUA e Rússia equivalem a 52,54% das emissões do ANEXO1 para o ano de 1990, o que caracteriza a baixa participação dos demais integrantes nas emissões de gases de efeito estufa.
            É de se notar casos como os de Liechtenstein e do Mônaco que ainda não ratificaram o Protocolo, mas suas decisões em nada afetarão o ranking ou a efetividade do documento já que suas contribuições não alcançam 0,01%.

Tabela 2 - Emissões dos países do ANEXO 1, 1990

Ano/Status
Países
Emissões de CO2
(milhões de toneladas métricas)
%
Não aderidos
. Estados Unidos
1.365,73
35,04
. Rússia
681,90
17,50
.... Austrália
72,37
1,86
. Croácia
0,00
0,00
. Liechtenstein
---
0,00
. Mônaco
---
0,00
. Total (não aderidos)
2.120,00
54,39
Aderidos (AT=Aceitação, AP=Aprovação, AC=Ascensão, R=Ratificado)
2002/R Alemanha
271,36
6,96
2002/AT Japão
269,14
6,91
2004/R Ucrânia
171,65
4,40
2002/R Reino Unido
163,66
4,20
2002/R Canadá
130,03
3,34
2002/R Itália
113,24
2,91
2002/AP França
102,00
2,62
2002/R Polônia
89,27
2,29
2001/AP República Tcheca
80,20
2,06
2002/R Espanha
61,80
1,59
2002/AC Holanda
57,64
1,48
2001/R Romênia
47,69
1,22
2002/R Bélgica
33,89
0,87
2002/R Bulgária
23,05
0,59
2002/R Grécia
22,24
0,57
2002/AC Hungria
18,41
0,47
2002/R Dinamarca
15,29
0,39
2002/R Áustria
15,20
0,39
2002/R Suécia
14,87
0,38
2002/R Finlândia
14,59
0,37
2003/R Suíça
12,12
0,31
2002/AP Portugal
12,10
0,31
2002/R Noruega
9,33
0,24
2002/R Nova Zelândia
7,85
0,20
2003/R Lituânia
7,55
0,19
2002/R Irlanda
7,06
0,18
2002/R Luxemburgo
2,93
0,08
2002/R Estônia
2,83
0,07
2002/AC Islândia
0,64
0,02
2002/R Latvia
0,00
0,00
2002/R Slováquia
0,00
0,00
2002/R Slovênia
0,00
0,00
. Total (aderidos)
1.777,63
45,61
. TOTAL
3.897,63
100,00
Fonte: Dados elaborados pelos autores através da Agência Internacional de Energia

            Entre questões políticas e econômicas, a preocupação ambiental e o bem estar das futuras gerações do planeta perdem a importância relativa. Assim, os efeitos esperados a partir de 2008 podem não ter o impacto desejado quanto ao decréscimo da emissão de gases de efeito estufa e suas implicações na elevação da temperatura terrestre, dado que:

a) os Estados Unidos, grande emissor, ficam fora do acordo;
b) os países em desenvolvimento não são obrigados a diminuir suas emissões;
c) já se decorreram 14 anos em relação ao ano-base do Protocolo (1990) nos quais se verificou o forte desenvolvimento dos países asiáticos; e
d) foi constatada grande redução das emissões dos gases de efeito estufa pela Rússia. Assim, esse país, que foi importante no ranking de emissões de gases de efeito estufa em 1990, apresenta, hoje, déficit na emissão de dióxido de carbono. Portanto, a Rússia hoje entra na posição contrária que entraria 14 anos atrás, ou seja, poderá beneficiar-se dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e assumir importante posição no Mercado de Carbono.

 

1 Considerando-se os status de Aceitação, Aprovação, Ascensão e Ratificação

Data de Publicação: 26/10/2004

Autor(es): Carlos Eduardo Fredo (cfredo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor