Covid-19 e seus Impactos para os Fornecedores Paulistas de Cana-de-açúcar

 

1 - INTRODUÇÃO

A safra brasileira de cana-de-açúcar, em 2019/20, foi de 642 milhões de toneladas, gerando 29 milhões de toneladas de açúcar e 35 bilhões de litros de etanol, sendo o maior volume de etanol da história do setor sucroenergético. No mesmo período, o Estado de São Paulo foi responsável por 53% da produção nacional de cana-de-açúcar, com 18,5 milhões de toneladas de açúcar e 16,5 bilhões de litros de etanol, sendo 5,7 bilhões de etanol anidro e 23,31 bilhões de litros de etanol hidratado2. Segundo a UNICA3, a quantidade de matéria-prima destinada ao processamento de açúcar foi a menor nos últimos 22 anos.

Em 2019, o consumo de etanol também alcançou recorde de valor, 32,8 bilhões de litros, sendo 22,5 bilhões de litros etanol hidratado e 10,3 bilhões de litros de etanol anidro4. Dessa forma, havia grandes expectativas para a safra 2020/21, pois além do aumento do consumo de etanol, projetava-se um cenário de leve recuperação para o mercado de açúcar e o início do Renovabio. Porém, as incertezas provocadas por fatores exógenos ao setor, como a queda no preço do barril do petróleo e a pandemia mundial da covid-19, que retraiu o consumo de combustível em função do isolamento social5, fez com que as expectativas para o setor mudassem completamente, inclusive direcionando as apostas para o açúcar, com destaque para a exportação.

No início da pandemia, as especulações eram que as usinas iriam postergar o início do processamento da safra, com redução de empregos, o preço pago da cana ao produtor sofreria uma significativa queda, possibilidade de manutenção da matéria-prima no campo, bem como o Renovabio poderia não acontecer. As distribuidoras de combustíveis chegaram a cancelar contratos de compra das usinas6.

No Estado de São Paulo, o fornecedor de cana-de-açúcar é elo essencial da cadeia produtiva canavieira. Na safra 2018/19, a produção do fornecedor associado à Organização dos Produtores de Cana-de-Açúcar do Brasil (ORPLANA) representou 18% do total do estado7. Essa categoria, devido à pandemia da covid-19, poderia ser impactada, principalmente, no seu fluxo de caixa por atraso da colheita e/ou atraso no pagamento da cana pelas unidades industriais, menor remuneração da tonelada de cana, além da possibilidade de revisão dos contratos.

Portanto, o objetivo deste trabalho foi identificar impactos em razão da covid-19 para os fornecedores de cana-de-açúcar do Estado de São Paulo.

 

2 - METODOLOGIA

Levando em consideração que os fornecedores de cana-de-açúcar paulistas estão organizados por meio de associações, e que a ORPLANA divide o Estado de São Paulo em 5 macrorregiões (Nordeste, Noroeste, Norte, Sudeste e Sudoeste), foi adotado o método de estudo de caso, que representa as experiências do próprio autor que fornece parâmetros para se coletar, apresentar e analisar os dados corretamente8. Dessa forma, foram feitas entrevistas com representantes de oito associações de fornecedores de cana-de-    -açúcar, das quais sete associadas e uma não associada à ORPLANA, para obtenção de informações qualitativas e quantitativas desse setor produtivo diante da crise da covid-19. Elas foram realizadas por meio de ligação telefônica e de e-mail, no período de 8 de junho a 3 de setembro de 2020, sendo preenchido um questionário semiestruturado.

As entrevistas foram realizadas em associações que abrangem quatro macrorregiões: Sudeste, Sudoeste, Nordeste e Noroeste. Na macrorregião Norte não foram feitas entrevistas, pois não foi possível o contato com os responsáveis da associação, ou a sede da entidade não se localiza no Estado de São Paulo.

 

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados coletados das entrevistas realizadas foram agregados na tabela 1 e no quadro 1. Na tabela 1, está apresentada a caracterização quantitativa das associações como localização, quantidade de associados, volume de produção e o número de unidades produtivas que recebem a matéria-prima dos fornecedores. Os destaques em quantidade de associados são as associações A e G, que possuem mais de 2 mil produtores associados e, consequentemente, os maiores volumes de produção. Em contrapartida, as associações C e F são as que possuem menor quantidade de produtores. Entretanto, a associação C possui volume de produção próximo ou maior que outras associações com maior número de fornecedores porque possui propriedades com áreas maiores de produção.

 

No quadro 1, estão organizados os resultados qualitativos das entrevistas em relação aos principais tipos de contratos identificados entre as associações e unidades produtoras de açúcar e/ou etanol, bem como qual a situação desses contratos devido à crise gerada pela covid-19.

Os fornecedores se utilizam atualmente de diversos modelos de contratos de compra e venda de cana-de-açúcar com as unidades processadoras:

1) Sistema Consecana clássico, no qual a remuneração da tonelada da cana é feita pela qualidade da matéria-prima entregue pelo produtor;

2) Sistema Consecana com bonificação - há uma bonificação em percentual em cima do preço do Sistema Consecana clássico;

3) ATR fixo - produtor fixa a qualidade da matéria-prima;

4) Arrendamento; e

5) Mercado SPOT.

Observa-se pelo quadro 1 que, apesar das associações paulistas serem heterogêneas em termos de quantidade de associados, produção, produtividade, formas de contratos e usinas processadoras, o único ponto de convergência entre as entidades entrevistadas foi a ausência de quebra de contratos. Segundo os entrevistados, a quebra de contrato não ocorreu em função da demanda pela matéria-prima, principalmente para a produção de açúcar. Em algumas associações, a oferta da cana-de-açúcar na safra já estava abaixo da capacidade de moagem das unidades produtoras da região e, portanto, havia capacidade ociosa para ser aproveitada. Os contratos também já estavam fixados antes da pandemia e são reformulados geralmente a cada cinco anos ou cinco cortes.

Outro ponto levantado pelos entrevistados foi que, no início da pandemia da
covid-19 e com a baixa do preço do petróleo, esperava-se uma queda no valor do quilograma do açúcar total recuperável (ATR) usado para remunerar a tonelada de cana-de-   -açúcar. Entretanto, os preços recebidos pelo produtor pela tonelada de cana-de-açúcar em 2020 estão superiores aos recebidos em 2019 (Figura 1). Dados levantados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) apontam que, no mês de abril de 2019, o fornecedor recebeu R$66,30/t de cana, enquanto no mesmo período de 2020 recebeu R$69,21/t. Em agosto de 2020, houve uma redução no preço que se recuperou em setembro de 2020, atingindo R$75,69/t de cana9. Portanto, a expectativa inicial do valor do ATR ser menor na safra acabou não se consolidando até o momento, e isso fez com que o impacto fosse menor para o fornecedor de cana-de-açúcar.

 

 

 

Foi relatado também que houve um aumento considerável nos custos de produção em decorrência da desvalorização da taxa de câmbio em 2020, pois os insumos de produção possuem o seu preço atrelado à moeda americana, além da preocupação constante com o preço do barril de petróleo e o volume de produção de outros países produtores de cana-de-açúcar. Ainda em relação ao futuro do setor, há receio quanto à capacidade ociosa das usinas que conduziu a problemas financeiros, elevação dos custos de produção ou mesmo a falta de insumos para o manejo agrícola, concentração de áreas produtivas e a queda na quantidade de fornecedores de cana independentes.

 

4 - CONCLUSÕES

Passados alguns meses das primeiras notícias da crise sanitária mundial e as possíveis implicações para o futuro do setor, observa-se que a hipótese fomentada anteriormente de que haveria impacto severo para o setor não se concretizou totalmente, o que não está totalmente descartado, pois ainda há possibilidade do aumento de casos, em razão de uma segunda onda da pandemia. As expectativas negativas do início da pandemia (março de 2020) foram gradativamente sendo alteradas a partir das informações e conhecimento da crise sanitária e se inverteram para tendência positiva, devido ao descolamento positivo da demanda interna por etanol e para o açúcar no mercado externo, ajustando as expectativas dos agentes.

Os produtores rurais ao longo do tempo buscaram maior competitividade e sofreram mudanças consideráveis na sua forma de produzir, visando à maior eficiência da atividade, por meio da redução de custos e aumento da produtividade. Outro fator importante ocorreu na gestão dos contratos e/ou comercialização da produção com as usinas de açúcar e/ou etanol na última década. Os ciclos endógenos de crise no setor são quase um fator inerente ao negócio cana e, via de regra, os fornecedores são coparticipantes e dividem os riscos vinculados, pelas flutuações nos preços e/ou em perdas de produtividade agrícola.

De fato, os resultados preliminares das entrevistas realizadas mostraram que, para o segmento dos fornecedores de cana do Estado de São Paulo, as expectativas de que haveria atraso da colheita e/ou atraso no pagamento da cana pelas unidades industriais, menor remuneração da tonelada de cana e possibilidade de revisão dos contratos não aconteceram até o momento, conforme apresentado anteriormente.

Vale ressaltar que o setor, devido aos avanços tecnológicos, de pesquisa agrícola, entre outros, possui um estoque de capital humano, tecnológico e de conhecimento capaz de encontrar alternativas para mitigar efeitos da crise. A curva de aprendizagem sobre a pandemia e a capacidade de adaptação, como também das alocações de recursos (humanos e tecnológicos) no setor serão partes importantes no pós-pandemia. Portanto, as mudanças no setor precisam ser adequadamente tratadas em futuros trabalhos relativos ao tema, melhorando a frágil base de dados e atualizando-se sobre a estrutura desta categoria de produtores.

  

1Os autores agradecem à Orplana e aos técnicos das associações pelas informações fornecidas.

 

2COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Acompanhamento da Safra Brasileira. Brasília: CONAB, 20 ago. 2020. Disponível em: https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/serie-historica-das-sa-fras. Acesso em: 30 set. 2020.

 

3FIM de safra no centro-sul registra produção recorde de etanol. União da Indústria de Cana-de-açúcar – UNICA, São Paulo, 14 abr. 2020. Disponível em:  https://unica.com.br/noticias/fim-de-safra-no-centro-sul-registra-producao-recorde-de-etanol/. Acesso em: 24 set. 2020.


4ETANOL registra recorde histórico de consumo no Brasil. UNIÃO NACIONAL DA BIOENERGIA – UDOP, Araçatuba, 4 fev. 2020. Disponível em: https://www.udop.com.br/noticia/2020/02/04/etanol-registra-recorde-historico-de-consumo-no-brasil.html. Acesso em 24 set. 2020.

5TORQUATO, S. A.; SACHS, R. C. C.; NACHILUK, K. Impactos da Pandemia e Oscilações da Cotação do Barril de Petróleo na Cadeia Produtiva da Cana-de-açúcar no Brasil. Análises e Indicadores do Agronegócio. v. 15, n. 6, junho 2020. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-47-2020.pdf. Acesso em: 30 set. 2020.

 

6NOTA: Rompimento de contratos por distribuidoras vai causar desemprego e recessão. União da Indústria de Cana-de-açúcar – UNICA, São Paulo, 1 abr. 2020. Disponível em:  https://unica.com.br/noticias/fim-de-safra-no-centro-sul-registra-producao-recorde-de-etanol/. Acesso em: 24 set. 2020.

 

7Percentual estimado de acordo com os dados de produção da safra 2018/19 de: ORGANIZAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES DE PRODUTORES DE CANA DO BRASIL. Programa Muda Cana. Ribeirão Preto: ORPLANA, 2019. Disponível em: http://www.orplana.com.br/prog-mudacana. Acesso em: 5 out. 2020; COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Acompanhamento da Safra Brasileira. Brasília: CONAB, 20 ago. 2020. Disponível em: https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/serie-historica-das-sa-fras. Acesso em: 5 out. 2020.

 

8YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 248 p.

 

9INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Preço mensais recebidos pelo produtor. São Paulo: IEA, 2020. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=2. Acesso em 6 out. 2020. 

 

 

 

Palavras-chave: cana-de-açúcar, fornecedores de cana, Estado de São Paulo, covid-19.


COMO CITAR

SACHS, R. C. C. et al. Covid-19 e seus impactos para os fornecedores de cana-de-açúcar paulistas. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 15, n. 11, nov. 2020. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd.mmm.aaaa.





Data de Publicação: 04/11/2020

Autor(es): Raquel Castelluci Caruso Sachs (raquelsachs@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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Katia Nachiluk (katia.nachiluk@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor