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Impactos da Covid-19 na Comercialização de FLV, segundo a Percepção de Agricultores Paulistas
1 - INTRODUÇÃO Diversos setores
produtivos da agricultura têm se deparado com um novo cenário em razão da
pandemia da covid-19 e impactos significativos têm sido relatados por
produtores de hortaliças. O fechamento de restaurantes e lanchonetes conduziram
à redução de plantações e os produtores ainda têm enfrentando dificuldades com
o descarte da safra não vendida1. Diante das mudanças de rotinas,
muitos agricultores precisaram inovar a sua comercialização para continuarem no
mercado. Segundo Camargo Filho e Camargo², a produção de 53 espécies de hortaliças, no Estado de São Paulo em 2017, foi de 4,19 milhões de toneladas, cultivadas em 156,77 mil hectares e com produtividade de 26,73 t/ha. Dados do Ministério da Indústria e Comércio revelam que a olericultura é uma atividade com alta empregabilidade e com investimento inicial de capital baixo, pois a cada R$5 mil investidos na atividade pode-se gerar de um a dois empregos diretos³. Dessa forma, conhecer o
impacto da covid-19 sobre os sistemas agroalimentares globais é primordial para
a prospecção de políticas públicas visando à segurança alimentar e nutricional,
e ao desenvolvimento social e econômico do país. Portanto, o objetivo do artigo
é apresentar um breve diagnóstico sobre os impactos da pandemia da covid-19 nas
atividades agrícolas de frutas, verduras e legumes (FLV) em 16 municípios de
São Paulo. 2 - METODOLOGIA Foi realizado um breve
diagnóstico sobre os impactos da pandemia da covid-19 nas atividades agrícolas
de FLV, em especial, para a agricultura familiar e os microempresários rurais
do Estado de São Paulo. As entrevistas foram realizadas entre abril e maio de
2020 por pesquisadoras científicas e pessoas ligadas aos produtores rurais
(extensionistas e psicóloga). Os depoimentos dos produtores rurais foram
obtidos por meio de contato presencial, ligação telefônica ou aplicativo de
celular. Foram entrevistados 35
produtores rurais (2 cooperativas e 1 associação) e 1 representante de
assentamento rural, contemplando a Região Metropolitana (RM) de São Paulo e 5
Regiões Administrativas (RAs): Bauru, Campinas, Franca, São José dos Campos e
Sorocaba. Foram contemplados 16 municípios com, respectivamente, os seguintes
números de entrevistados: Arealva (3), Bauru (2), Borebi (1), Cordeirópolis
(1), Dois Córregos (1), Embu-Guaçu (1), Iacanga (3), Ibiúna (2), Juquitiba (2),
São Paulo (1), Piedade (1), Piracicaba (4), Restinga (1), Saltinho (1), Tietê
(1) e Ubatuba (11). As entrevistas
realizadas foram qualitativas, utilizando um questionário semiestruturado com
as perguntas que constam no quadro 1. Quadro 1 – Perguntas Norteadoras aos Agricultores 1) Quais mudanças que a covid-19 teve na sua atividade?
Quanto afetou a sua comercialização? 2) Qual
estratégia adotada para enfrentar o cenário da pandemia? 3) Qual
impacto futuro? Você continuará conseguindo produzir e comercializar nos
próximos meses (igual, mais ou menos)? 4) Quais
as demandas urgentes? Como o poder público estadual pode contribuir (ações
emergenciais e/ou políticas públicas)? Fonte: Elaborado pelas autoras. A metodologia
de análise dos dados coletados foi a SWOT (Strenghts, Weakness, Opportunities,
Threats) ou FOFA (Fortalezas, Oportunidade, Fraquezas, Ameaças). Segundo Helms
e Nixon4, a matriz FOFA é usada amplamente para o planejamento, de
modo a embasar as recomendações de ações estratégicas. A metodologia baseia-se
na construção de um quadro 2x2 que elenca as forças e as fraquezas como fatores
internos à organização (relacionadas ao momento presente), e as oportunidades e
as ameaças como os fatores externos à organização (relacionadas ao futuro). A
matriz FOFA, no presente trabalho, foi desenhada segundo a interpretação das
autoras com base nas respostas das entrevistas. 2 - RESULTADOS E
DISCUSSÃO O quadro 2 sintetiza os
resultados das entrevistas com os produtores rurais. Quadro
2 - FOFA de Produtores Rurais de Hortaliças
Paulistas, Estado de São Paulo, 2020 Fortalezas
(fatores internos) Oportunidades
(fatores externos) Variedades,
quantidade e qualidade de produtos Diversificação de canais de
comercialização Infraestrutura e logística Compras governamentais Elevado potencial de adaptação Aumento da demanda por FLV e novos hábitos de consumo Fidelização do cliente Melhor remuneração nas vendas
diretas Diversificação e intensificação de canais de comercialização Valorização das relações humanas Multifuncionalidade e
pluriatividade Redução de custos de logística Mão de obra familiar Pré-existência de organizações
sociais Geração de renda local em logística Redes de solidariedade Acesso às informações e às
políticas públicas Redes de solidariedade Certificação orgânica Planejamento comercialização Fraquezas (fatores internos) Ameaças (fatores externos) Insuficiência de recursos
financeiros Ausência de universalização das informações de mercado Ausência de diversificação da
produção e canais de comercialização Isolamento social: redução da
demanda (renda, fechamento de
estabelecimentos e escolas e tempo de preparo) Ausência de vínculos com o
consumidor Aumento dos preços e restrição da oferta de insumos Dificuldade na adaptação para
comercialização Aumento de risco e custos de
comercialização Fragilidade de gestão Dificuldade das instituições
financeiras em atender os produtores rurais Redução da
área plantada e volume de produção Falta de competitividade da
agricultura familiar Perdas de produção Restrições de logística Distância de centros de
consumidores Possibilidade
de retornar à produção
convencional Agricultores no grupo de risco Redução na demanda por folhosas Carência em infraestrutura Alta perecibilidade dos produtos Fonte: Elaborada pelas autoras. Diante de incertezas
geradas pela covid-19, as entrevistas indicam a potência da agricultura
familiar e da empresarial de pequena escala em gerar renda local e garantir a
produção agroalimentar no Estado de São Paulo. A sua força está em vantagens competitivas, como o emprego de mão
de obra familiar, bem como na grande diversidade de cultivos e na qualidade dos
FLV, principalmente, com a produção de alimentos orgânicos. O potencial da agricultura familiar e dos
microempresários rurais ao abastecimento alimentar e nutricional é ampliado
quando há organizações sociais que promovem redes de solidariedade, favorecendo
o conhecimento para o planejamento da produção e a logística de
comercialização. Os entrevistados que demonstraram maior adaptabilidade e
eficiência durante a pandemia foram aqueles inseridos, anteriormente, em
múltiplos canais de comercialização, com acesso às políticas públicas e que
possuíam a certificação da produção orgânica e a fidelização dos consumidores. Diversos fatores
intensificaram as fraquezas
dos agricultores entrevistados diante da pandemia. Primeiro pela insuficiência
de recursos financeiros para investimentos em infraestrutura e fragilidade na
gestão da propriedade em termos produtivos e comerciais. Depois pela
dificuldade de adaptação demonstrada pela ausência de diversificação da
produção, em razão de poucos canais de comercialização e ausência de vínculos
com o consumidor, gerando perdas na produção e dúvidas sobre a manutenção do
tamanho da área plantada. A distância dos centros consumidores também se mostrou
como limitante, pois inviabiliza o escoamento da produção devido à distância e
à falta de veículos próprios para entregas. A maior parte dos
agricultores que relataram não ter tido dificuldades com as mudanças impostas
pela pandemia foram aqueles que conseguiram ter acesso e se adaptar às oportunidades trazidas pela
crise. A pandemia aumentou a demanda por produtos mais saudáveis e frescos,
devido à associação destes com incrementos na imunidade, além da associação
entre a redução dos circuitos de comercialização e a redução da possibilidade
de contaminação. A determinação do fechamento de estabelecimentos e a redução
da circulação de consumidores, por sua vez, exigiram a adoção de estratégias
para o abastecimento de alimentos e impulsionaram, principalmente, as vendas
diretas ao consumidor. A pré-existência de
grupos organizados de produtores e redes de solidariedade facilitou a agregação
de novos integrantes, assim como inspirou a formação de novos grupos. Alguns
produtores se beneficiaram dos maiores ganhos obtidos na venda direta que, em
alguns casos, compensaram as perdas de escala. De maneira mais sutil e não
menos importante, as relações humanas e solidárias tiveram um papel importante
na consolidação desses mercados, como algumas iniciativas de valorização da
produção local e da agricultura familiar. As ameaças foram relacionadas a fatores como: carência de
informações sobre o mercado consumidor (preferências, canais de
comercialização, preço e incertezas), concorrência (ganhos de escala, custos de
produção e preço), interrupção de programa de aquisição de alimentos como o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e obtenção de recursos
financeiros (financiamento público). Esses quatro fatores listados acima são
inacessíveis a esses produtores rurais entrevistados e comprometem a
competitividade da sua atividade econômica. 3 - CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES Os produtores rurais
necessitam se manter na atividade mesmo nas adversidades, e continuam a
desenvolver uma agricultura de resiliência. Assim sendo, essa situação gerada
pela pandemia tem implicações para as pessoas do campo como, também, para a
sociedade, em razão de garantir a segurança alimentar e nutricional. O papel do
Estado é fundamental, principalmente em momentos de crise, por meio da execução
contínua de políticas públicas. As
políticas públicas possibilitam a competitividade e a viabilidade econômica dos
microempresários rurais e da agricultura familiar, por seu potencial na geração
de trabalho e renda local, e como produtora de alimentos diversificados e
saudáveis. Um exemplo positivo de políticas públicas são as compras
governamentais da agricultura familiar, com destaque para a organização desses
produtores em programas como o PNAE e, também, o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) e o Programa Paulista de Agricultura de Interesse Social
(PPAIS). O fortalecimento da agricultura familiar colabora para que,
atualmente, o país consiga maior êxito no enfrentamento da crise. Dessa forma, sugerimos
como diretrizes para políticas públicas: - Fortalecer os
circuitos curtos: produção e consumo local; - Facilitar a
aquisição de insumos para produção de orgânicos; - Incentivar a
transição agroecológica; - Ampliar a rede
permanente de técnicos extensionistas; - Criar e manter
uma plataforma gratuita de comercialização para a agricultura familiar e microempresários
rurais; - Ampliar e
garantir a continuidade dos programas de aquisição de alimentos: PNAE, PAA,
PPAIS e editais de cestas de alimentos para doação; - Promover a
educação alimentar e nutricional; - Ampliar os
canais de financiamentos: diversificação das instituições, crédito e
microcrédito; - Criar
infraestrutura de armazenamento e logística; - Criar sistema de
certificação pública e gratuita para a produção orgânica; - Fomentar a
agroindústria artesanal; - Incentivar a
criação e manutenção de Conselhos Municipais: desenvolvimento rural e de
segurança alimentar e nutricional; - Aproximar os
elos da cadeia produtiva (produtores e varejo) por meio de programas públicos
contínuos; - Garantir o apoio
técnico permanente ao associativismo e o cooperativismo; - Garantir a
inclusão produtiva das mulheres e dos jovens no campo, por meio de programas de
desenvolvimento local; e - Criar canais de
comunicação direta com agricultores para divulgação de informações sobre
políticas públicas e outras ações do governo estadual. No momento seguinte à
crise sanitária, a retomada de produção de alimentos será essencial para a adaptação
às mudanças que a pandemia trouxe para a sociedade. Nesse sentido, torna-se
muito importante a orientação e a implementação de boas práticas, adequadas
para reduzir a possibilidade de contaminação em todas as etapas do processo
produtivo, fase de cultivo (produção), manuseio, comercialização e processamento
até o consumidor final. Desse modo, parte do mercado poderá ser mantida por
meio de segurança dos produtos ao consumidor. 1HORTALIÇAS
sofrem com impacto do coronavírus em SP. Globo
Rural, São Paulo, 10 maio 2020, Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2020/05/10/hortalicas-sofrem-com-impacto-do-coronavirus-em-sp.ghtml.
Acesso em: 08 jun. 2020. 2CAMARGO
FILHO, W. P.; CAMARGO, F. P. PIB da produção de hortaliças no Estado de São
Paulo, 2017. Portal Attale Agronegócios,
São Paulo, 14 fev. 2019. Disponível em: https://attaleadigital.com.br/iea-instituto-de-economia-agricola-pib-da-producao-de-hortalicas-no-estado-de-sao-paulo-2017/.
Acesso em: 08 jun. 2020. 3COORDENADORIA
DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL – CDRS. Parcerias com órgãos estaduais – cadeias produtivas, olericultura.
Campinas: CDRS, 2020. Disponível em: http://www.cdrs.sp.gov.br/portal/projetos-e-programas/cadeias-produtivas.
Acesso em: jun. 2020. 4HELMS, M. M.; NIXON, J. Exploring SWOT analysis – where are we now? A
review of academic research from the last decade. Journal of
Strategy and Management, Bingley, Vol. 3,
Issue 3, pp. 215-251, 10 Aug. 2010.
Disponível em: https://doi.org/10.1108/17554251011064837. Acesso
em: 15
abr. 2020. Palavras-chave: agricultura
familiar, pandemia, políticas públicas. COMO
CITAR ESTE ARTIGO HENRIQUE, C. M. et
al. Impactos da Covid-19 na Comercialização
de FLV, segundo a Percepção de Agricultores Paulistas. Análises
e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 15, n.
8, ago. 2020. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
Data de Publicação: 10/08/2020
Autor(es):
Celina Maria Henrique Consulte outros textos deste autor
Isabel Fernandes Pinto Viegas (isabelviegas@aptaregional.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Raquel Nakazato Pinotti Consulte outros textos deste autor
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Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor