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Covid-19: impactos na cadeia produtiva da carne bovina
1 – INTRODUÇÃO A chegada da covid-19 trouxe ao mundo uma situação inédita com a necessidade de manter a população de inúmeros países em quarentena para a doença não se disseminar. A pandemia alterou a rotina das pessoas e trouxe preocupações para a população em garantir o abastecimento de suas casas, levando-as, num primeiro momento, a estocarem alimentos com aumento das vendas no mercado varejista e posterior normalização das vendas1. O efeito da pandemia na cadeia produtiva da carne bovina foi mais ameno, com diferentes intensidades para os diversos segmentos (elos) e subsegmentos da cadeia, pelo menos nos primeiros momentos. 2 - CONSUMO O consumo total de carne produzida no país é de 79,6% para o mercado interno e 20,4% para o externo2. Considerando-se as perspectivas de grave redução nos postos de trabalho e consequente redução dos meios de pagamento no mercado interno por conta da covid-19, espera-se redução no consumo de proteínas mais caras e substituição pelas mais baratas. A pandemia trouxe mudança no padrão de consumo da carne bovina em função da decretação de medidas preventivas, principalmente a quarentena. As vendas para food services caíram em até 65%, mas no pequeno, médio e grande varejo, o efeito foi contrário. Passou-se a comprar mais nos supermercados e mercados locais, pois o consumo fora do domicílio caiu e isso impacta as vendas no varejo que vêm subindo cerca de 40% a 45%3. Além disso, muitos restaurantes passaram a vender por delivery, modalidade que teve aumento de vendas4. Tal comportamento levou a maior retração na aquisição de cortes nobres (com valores mais altos) e menor nos demais cortes (com preços menores). Restaurantes e chur- rascarias, grandes consumidores de cortes de maior valor agregado, fecharam e deixaram de comprar. Parte da queda do consumo de carne bovina migrou para proteínas animais mais acessíveis. Diante deste cenário, houve retração nos preços dos cortes do traseiro (na média caíram 0,39%) e elevação nos do dianteiro (na média subiram 1,70%) em abril no varejo paulistano5. 3 - PROCESSAMENTO E DISTRIBUIÇÃO 3.1 - Frigorífico O frigorífico (processamento) tem desempenho conforme os mercados que atende. Os exportadores não estão enfrentando maiores problemas, sofrendo um pouco mais no caso do consumo interno, mas compensados pelas exportações em função do aumento dos volumes, sobretudo no último mês, e pela desvalorização do real. Os que atuam apenas no mercado interno têm tido maiores dificuldades. Entretanto, este cenário varia muito de acordo com o estabelecimento, da localização, volume, fluxo de trabalho, sistema e canais de venda. A maioria realiza alterações no seu planejamento, nas escalas de abates e nos canais de venda, adequando-se à nova realidade, a fim de não terem excesso nem escassez de produto. Empresas que abatem e distribuem apenas para o mercado interno tiveram a reorganização dos percentuais de destino de sua produção alteradas imediatamente, logo no início da quarentena. Com a supressão da frequência das refeições fora de casa e de churrascos no fim de semana, o grande destino da produção, pelo menos para empresas com foco no mercado interno, será o consumo domiciliar e parte do delivery de refeições e alimentos que cresceu6. Aquelas que, além do mercado interno, destinam sua produção para o externo, em geral frigoríficos de grande porte com um portfólio de inúmeros produtos, vão enfrentar uma recessão mundial e o comércio interno igualmente afetado. Por deter grande parte do processamento, o esforço maior será equilibrar a necessidade de manter mercados e a tentativa de aumentar o volume de venda de sua produção que não for absorvida no consumo interno. A importância das empresas é inegável e, assim, a busca de soluções deve passar por ampla discussão entre os diversos elos que compõem a cadeia, além de investimento em pesquisa e ações do governo. 3.2 - Exportações Mesmo com a pandemia e o impacto econômico mundial que ela causou em todo mercado mundial, o Brasil não teve choque negativo nas suas exportações. A China retomou e ampliou suas compras após o controle da pandemia, apontando melhora no ritmo de negócios entre ela e Brasil. Os embarques e volumes para o Oriente Médio cresceram, e alguns países têm majorado estoques para garantir segurança alimentar. Para a Rússia, os embarques continuam acontecendo normalmente. Assim, o setor viu a possibilidade de elevar o volume de suas vendas. Mas é cedo para afirmar que houve ampliação desse mercado, mesmo sabendo que a China teve crescimento da demanda por proteína animal, inclusive a bovina, por conta da gripe suína africana que dizimou seu rebanho. A expectativa é que as vendas do Brasil subam como já ocorreu em abril8. 4 - PRODUTOR RURAL Do lado dos pecuaristas, a preocupação com o mercado de carne bovina é grande. O ano de 2019 não foi positivo até o outubro, e apenas nos últimos dois meses os preços se recuperaram. Pecuaristas com animais acabados, superiores e com menos de 30 meses, destinados à exportação, não estão encontrando maiores dificuldades de venda com bons valores. Aqueles com animais fora destas características têm tido um pouco mais de dificuldade na negociação, tendo que aceitar valores menores ou manter os animais no pasto. Os que fazem cria e recria, apesar das boas cotações para os animais de reposição, estão tendo problemas para comercializá-los, e os negócios estão acontecendo em ritmo mais lento. Os produtores estão cheios de incertezas e, portanto, em compasso de espera, em especial em relação aos animais de reposição, e a maioria deles está repensando seu planejamento futuro. Destaca-se que há muitos boatos no meio pecuário, e as informações falsas (verdade apenas para uma região ou situação) se alastram rápido por todo país, deixando produtores ainda mais inseguros. O produtor que, neste momento de incertezas, não se sente estimulado a vender seus bois, terá que optar entre continuar sua escala de envio ao abate ou retê-los e correr o risco de logo após ter que vender seus animais na entressafra. O período sazonal tende a ser mais dificultoso devido ao aumento dos preços e às consequências da desaceleração da economia nacional e mundial, além de maiores gastos com a alimentação do gado, que encontrar-se-á em alta, por um período maior. 5 - IMPACTOS DA COVID-19 NA REGIÃO DE PRESIDENTE PRUDENTE Para mostrar como estão ocorrendo as mudanças no Estado de São Paulo, foi escolhida a região de Presidente Prudente, por ser uma tradicional e importante produtora de carne bovina, sendo a maior região produtora do estado, com 21,2% do volume produzido em 20199. Na região, os efeitos da covid-19 estão sendo menos sentidos em função da boa tecnificação dos produtores, além da existência de vários frigoríficos, tanto os exportadores quanto os que comercializam só no mercado doméstico. A maioria dos frigoríficos da região é habilitada para exportar, logo sem dificuldade para escoar sua produção, o que permite pagar valores melhores na compra de animais para o abate, já que os bois têm de ser de qualidade superior. Já os frigoríficos que vendem apenas para o mercado interno têm boa logística e estão relativamente próximos (comparado com os situados no Mato Grosso ou Rondônia) do grande mercado consumidor (região metropolitana de São Paulo); eles estão adequando suas escalas de abates conforme a necessidade de produção e têm trabalhado com o sistema em que vendem primeiro para o varejo e depois compram os bois, os abatem e processam, o que viabiliza o planejamento mais preciso, evitando grandes estoques e surpresas. Os pecuaristas tecnificados da região e com melhor planejamento estão em ritmo normal, não tendo maiores dificuldades para vender seus animais e conseguindo bons preços, já que estes vão para a exportação. Mesmo assim, o planejamento vem sendo repensado com compra de poucos animais de reposição e segurando investimentos que seriam feitos. Para o pequeno produtor, a situação não é tão confortável, pois sua margem de manobra é menor e ele não consegue produzir animais em quantidade e qualidade para serem abatidos e destinados à exportação. Assim, estão paralisados em suas ações e decisões. Igualmente como as demais regiões do estado e do país, os pecuaristas desta região, sejam de cria, recria ou engorda, estão com muitas incertezas, não no curto, mas sim no médio e longo prazo, já que a atividade é de ciclo longo, o que tem suas vantagens, como segurar o gado no pasto aguardando melhores condições. Por outro lado, porém, estes pecuaristas necessitam de planejamento muito bem feito e ajustado. No momento há muita incerteza em relação ao futuro, o que faz com que produtores aguardem para tomar decisões, aguardando um cenário mais claro. O ajuste do mercado se dará entre o que os consumidores aceitarem pagar pelo quilograma da carne e o quanto os produtores e os frigoríficos anuirão em receber pelo mesmo peso. Neste meio, todas outras variantes (insumos, tributação, transporte, sanidade e rentabilidade, renda do consumidor) atuarão nesse “cabo de força” que, em última análise, pode ou não resultar na viabilidade da compra pelo consumidor, na produção pelo pecuarista, no abate e na comercialização da carne bovina e seus derivados pelos frigoríficos. O ajustamento dessa conta deverá passar pela prática de margens mais flexíveis para todos os elos em toda a cadeia deste produto. Outro ponto nevrálgico para o enfrentamento do elo produtivo é a distribuição, sob a configuração da normalidade, que os canais e formas de comercializar proteínas animais terão de passar, se reinventando e, como apontado por Malafaia10, se sairá melhor a cadeia que apresentar soluções mais ágeis e de menor custo. Deve-se ter em conta que o produtor com pouco ou muito gado têm um único objetivo: vendê-los pelo melhor preço. Contudo, o poder de negociação entre eles é diferente, assim como os custos operacionais e a resiliência em reagir positivamente aos desafios que os períodos de crise exigem de cada um. Para atenuar efeitos negativos vividos hoje individualmente por cada elo da cadeia e que pode ser uma possibilidade de encontro de soluções, o ideal seria a integração entre produtores, abatedores e varejo em que a distribuição das necessidades dos diversos elos pudesse atender às diferentes especificidades de cada um, minimizando efeitos negativos de queda na demanda, preços baixos e queda de braço entre seus agentes. Destaca-se que o ajuste para superar os entraves decorrentes dos efeitos econômicos que a pandemia deverá impor à cadeia da pecuária de corte deve ser o estabelecimento de atenção diferenciada entre os diversos tamanhos em que cada segmento se enquadra, pois a necessidade de cada unidade produtiva, de processamento e distribuição é distinta e requer soluções adequadas para ajudar o setor a superar o momento com medidas assertivas. No caso dos frigoríficos, há alto grau de concentração e a diferenciação se estabelece basicamente entre os que operam apenas no mercado interno e os que operam também no mercado externo, sendo muitos deles grandes multinacionais com filiais em outros países, como nos Estados Unidos. Os recursos de que dispõem são muito diferentes e a necessidade de intercorrência do poder público, por meio de conversas com os elos da cadeia, pode ser a forma de conciliar interesses para que todos possam ser beneficiados. Por fim, a distribuição pode representar uma das possibilidades de maior eficácia no aspecto de garantir pelo menos a manutenção dos canais que a demanda utiliza para comunicar aos outros elos da cadeia suas necessidades e exigências. 1CORREIO BRAZILIENSE. Supermercados mais cheios: crise do Covid-19 impulsiona compras domésticas 07/04/2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/04/07/internas_economia,842826/supermercados-mais-cheios-crise-do-covid-19-impulsiona-compras-domest.shtml. Acesso em: 28 maio 2020. 2ABIEC. 2018. Perfil da pecuária brasileira. Disponível em: http://abiec.com.br/publicacoes/beef-report-2019 Acesso em: 12 maio 2020. 3FRIGORÍFICO MINERVA FOODS. Efeitos do corona vírus: como ficam os frigoríficos. 2020, Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GqvqHinuwYo&t=968s Acesso em: 13 maio 2020. 4LARGHI, N. Com quarentena, apps de entregas são oportunidade para trabalhadores e comércios. Valor Investe. 02/04/2020. Disponível em: https://valorinveste.globo.com/objetivo/empreenda-se/noticia/2020/04/02/com-quarentena-apps-de-entregas-sao-oportunidade-para-trabalhadores-e-comercios.ghtml. Acesso em: 23 abr. 2020 5INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Banco de dados: Preços médios mensais no varejo. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=4. Acesso em: 12 maio 2020. 6Op. cit. nota 3. 7FIGUEIREDO, N. China retoma compras de carne bovina do Brasil a nível elevado e já impulsiona arroba. Reuters Brasil, 27 Mar 2020. Disponível em: https://br.reuters.com/article/idBRKBN21E3E2-OBRBS Acesso em 7 abr. 2020. 8MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Sec. de Com. Ext., Sistema ComexStat. SECEX, 2020. Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br. Acessso em: 07 naio 2020. 9INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA. Banco de dados: Valor da Produção Agropecuária 2019. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/bancodedados/valorproducao. Acesso em: 28 abr. 2020. 10MALAFAIA G.C.; BISCOLA P.H.N.; DIAS F.R.T. Os impactos da COVID-19 para a cadeia produtiva da carne bovina brasileira, Comunicado Técnico 154, EMBRAPA, 2020. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1121736. Acesso em: 22 abr. 2020. Palavras-chave: carne bovina, covid-19, consumo, processamento, produção.
Data de Publicação: 05/06/2020
Autor(es):
Eder Pinatti (pinatti@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Carlos Roberto Ferreira Bueno Consulte outros textos deste autor
Fernando Bergantini Miguel (fbmiguel@aptaregional.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor