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Hesitante FUNRURAL
Estabelecido por Lei Complementar n. 11, publicada
em 26 de maio de 19711, instituiu-se o Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural (FUNRURAL), destinado a subvencio- a) pessoa
física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração
de qualquer espécie; b) o
produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural,
individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho
do membro da família indispensável à própria subsistência e exercício em
condições de mútua dependência e colaboração. Embora a alíquota de contribuição
consista em obrigação tributária incidente sobre o produtor rural, seu
recolhimento, conforme art. 15o da mesma Lei, é sub-rogado
para o adquirente, consignatário ou cooperativa e pelo produtor, quando ele
próprio industrializar seus produtos, vendê-los ao consumidor, no varejo ou
adquirente domiciliado no exterior. Ao início dos anos 1990 (art. 25 da Lei n. 8.212/1991)2
instituiu-se “novo” FUNRURAL (2,1% acrescido de 0,2% destinado ao Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR), incidindo a alíquota do tributo sobre
o resultado bruto da comercialização dos produtos rurais em substituição à ocorrência
sobre a despesa com a folha de pagamentos. Em ação movida pelo Frigorífico Mataboi
(Recurso
Extraordinário - 363.852/MG)3, obteve-se junto ao
Supremo Tribunal Federal (STF), em 03/02/2010, decisão desobrigando-o, enquanto
agroindústria adquirente, a reter alíquota do FUNRURAL por sub-rogação sobre a
receita bruta proveniente da comercialização da produção rural de fornecedores
de bovinos para abate, declarando, os juízes, a inconstitucionalidade da
modificação da incidência do tributo para a receita bruta (penalizado pela
indefinição de alíquota gravame) em substituição da anteriormente praticada
sobre a folha mensal de pagamentos salariais. Os juízes, consensualmente,
entenderam que: a) não se pode criar fonte de custeio para a Previdência sem Lei
Complementar que ampare tal modificação e b) a cobrança sobre a receita bruta
implicava bitributação, pois sobre esse faturamento já incidia PIS/COFINS. A partir dessa decisão criou-se jurisprudência
(repercussão geral). Assim, diversas entidades de classe (sindicatos,
associações, conselhos, federações - excetuando-se as cooperativas de produção)
e empresas privadas de perfil limitado ou sociedade anônima, vinculadas à
atividade agropecuária, obtiveram liminares contemplando aquele julgado, ou
seja, concedendo amparo legal de não recolhimento do FUNRURAL de 2,3% do
empregador rural pessoa física no processo de comercialização de seus produtos
ofertados ao mercado. O julgado, entretanto, padeceu de
interpretações jurídicas divergentes, trazendo insegurança tributária à
temática, pois se aguardava, por parte do Poder Legislativo, definição de novo
normativo para o assunto, uma vez que o tributo não foi extinto, mas tão
somente adiada sua cobrança enquanto não se estabelecia regra precisa para sua
operacionalização. Desse modo, as liminares obtidas para não incidência de
FUNRURAL sobre a receita bruta dos produtos comercializados por agricultores
pessoa física, não os eximia do recolhimento sobre a folha salarial.
Entretanto, tal diretriz não foi adotada por parcela das agroindústrias e
exportadores, criando-se passivo tributário, particularmente, nas cadeias
produtivas da carne bovina e do café, segmentos em que o emprego das liminares
foi bastante disseminado4. Em 30 de março de 2017, posicionamento
do STF, concluindo julgamento de Recurso Extraordinário n. 718.874/RS5
(base das demais liminares obtidas para não recolhimento do FUNRURAL de
produtor rural pessoa física) julgou constitucional formal e
materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física,
instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a
comercialização de sua produção. Tal posicionamento produziu,
tempestivamente, largo passivo tributário6 associado à generalizada
insegurança entre os adquirentes de matérias-primas agrícolas (excetuando-se as
cooperativas de produção). Ao menos quatro situações relativas ao
recolhimento do FUNRURAL coexistiram7, 8: a) produtores
rurais sem liminares devem exigir dos respectivos compradores documentos
comprobatórios do recolhimento do tributo; b) produtores com liminares mas que
efetuaram o provisionamento contábil do tributo até decisão final – manter o
procedimento; A racionalidade econômica das empresas
e dos produtores rurais portadores de liminares pressupõe o protelamento do
recolhimento, pois mesmo sob o cenário de cassação desse diploma, a quitação do
passivo poderá ser postergada, parcelada, com eventual redução/perdão das
multas e possibilidade de financiamento público por meio de REFIS. Numa espécie
de gestão tributária às avessas, empresas portadoras de liminar obtêm vantagem
competitiva espúria sobre a concorrência. Entretanto, essa racionalidade
confronta-se tanto com as leis que estabeleceram o teto para o gasto público
como da de responsabilidade fiscal (que impede a concessão de vantagens
tributárias sem que se ofereça correspondente ingresso ao Tesouro). Portanto,
muito dificilmente a Fazenda/Receita concederão qualquer tipo de rebatimento na
retroatividade da pendência tributária, excetuando-se concessão de eventual
parcelamento (que pode se alongar por duas décadas). Ademais, favorecer o
devedor seria profundamente injusto com aqueles que se mantiveram quites com
suas obrigações tributárias. Periódicos informam que intensa
mobilização da bancada ruralista (composta por 220 deputados federais),
pressiona o Executivo no sentido de editar medida provisória que viabilize o
refinanciamento do passivo e possível perdão do 0,2% relativo ao SENAR9.
Ecos desse pleito reverberam no Executivo à medida que tal estoque de votos
seja imprescindível para a continuidade das reformas. Sem margem fiscal para
conceder benefícios e acuado pelos deputados, o governo encontra-se diante de
desgastante dilema. O pleito, porém, sugere a remissão e o cancelamento de todo
o passivo, tramitando nesse momento projeto de lei com esse escopo no Senado
Federal no aguardo de emendas por parte da Comissão de Assuntos Econômicos10. Na forma em que foi julgado no STF, o
FUNRURAL de 2,3% sobre a receita bruta reduz a receita dos produtores rurais,
especialmente, dos de perfil familiar. O impacto dessa tributação deve
transitar entre 15% e 20% da receita líquida dos estabelecimentos rurais, ou
seja, percentual suficientemente elevado para provocar prejuízo econômico ao
fim do ciclo de produção. Portanto, a problemática do FUNRURAL
possui duas dimensões. A primeira que diz respeito ao ajuste do passivo
existente (dentro daquelas quatro possibilidades) e uma segunda que se desdobra
sobre a rentabilidade dos empreendimentos rurais. Estando a previdência
acumulando deficits (segundo relata a
autoridade fazendária) e situando-se no segmento rural um dos pilares desse deficit, dificilmente a sociedade vai
aceitar medidas que o beneficiem demasiadamente. A pauta FUNRURAL, dentro do governo
federal, deverá exigir um grande esforço para encontrar posição de equilíbrio
sem que prevaleçam posturas coercitivas, no limite, chantagistas. ___________________________________________________ 1BRASIL.
Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971. Institui o programa de
assistência ao trabalhador rural, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
26 de maio de 1971. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp11.htm>. Acesso em:
maio 2017. 2______.
Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991.
Dispõe sobre a organização da seguridade social, institui plano de custeio, e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de julho de
1991. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212cons.htm>. Acesso em:
maio 2017. 3Íntegra
da decisão pode ser visualizada em: Brasil. Supremo Tribunal
Federal. Coordenadoria de Análise de Jurisprudência. Tribunal Pleno. Recurso
Extraordinário, n. 363.852 Minas Gerais, de 3 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610212>. Acesso em:
maio: 2017. 4Informação
obtida em encontro de dirigentes de entidades representativas do agronegócio
brasileiro ocorrida no Conselho dos Exportadores de Café (CECAFE) em
14/04/2017. 5BRASIL.
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 718.874 Rio Grande Do Sul. Supremo Tribunal Federal. Brasília, de
19 de agosto de 2013. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4498715>.
Acesso em: maio 2017. 6AOUN,
L. A. Senador Caiado propõe cancelamento da dívida dos produtores com
Funrural e ganha aplausos. Brasil: Rede Social do Café. Disponível em: <http://www.redepeabirus.com.br/redes/form/post?topico_id=67600>. Acesso em: maio 2017. 7CONSELHO
jurídico do Instituto Pensar da Agropecuária. Funrural: Orientação do conselho jurídico do IPA. São Paulo: SRB.
Disponível em: <http://www.srb.org.br/publicacoes/funrural-orientacao-do-conselho-juridico-do-ipa/>. Acesso em: maio 2017. 8VIDOR, D. B. Ainda
sobre Funrural: incertezas após julgamento pelo STF. Brasil: Agrolink,
2014. Disponível em:
<https://www.agrolink.com.br/georreferenciamento/coluna/ainda-sobre-funrural--incertezas-apos-julgamento-pelo-stf_387617.html>. Acesso
em: maio 2017. 9ZAIA,
C. Ruralistas se reúnem na semana que vem com a Fazenda para tratar do
Funrural. Valor Econômico, Brasília, 5 maio 2017. Disponível: <http://www.valor.com.br/agro/4958162/ruralistas-se-reunem-na-semana 10BRASIL.
Projeto de lei do senado n. 132, de 2017. Senado Federal. Ementa: Concede
remissão e anistia totais para os produtores rurais pessoas físicas em relação
às contribuições sobre a comercialização da produção rural, inclusive juros de
mora, multas de mora e de ofício. Disponível em: <http://www25.senado.leg. Palavras-chave: previdência rural, FUNRURAL, política tributária.
nar os benefícios previdenciários: aposentadoria por velhice e invalidez;
pagamento de pensão; auxílio funeral; serviço social e de saúde. No art. 3o
da referida lei, o parágrafo primeiro considera trabalhador rural:
c) produtores com liminares porém sem provisionamento – iniciar depósito
judicial da alíquota incidente sobre o faturamento bruto e d) agricultores sem
ações ajuizadas manter o recolhimento.
-que-vem-com-fazenda-para-tratar-do-funrural>. Acesso em: maio 2017.
br/web/atividade/materias/-/materia/129064>.
Data de Publicação: 11/05/2017
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor