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Ativos Ambientais
Transformar ônus num bônus. Foi assim que o governo
de São Paulo, a Bolsa de Valores, bancos e empresas sustentáveis lançaram as
bases de um novo mercado de títulos ambientais, que foi discutido em um
seminário ocorrido na BM&F-Bovespa. Utilizando dados da ESALQ e de
consultores independentes, chegou-se à conclusão que São Paulo poderá compensar
suas reservas legais por meio de Cota de Reserva Ambiental (CRA),
títulos nominativos previstos na atual legislação florestal (Lei n.
12.651/2012, art. 44)1 e que representariam área de vegetação nativa
existente ou em recuperação. Discutiram-se as funções
socioambientais das florestas e de como haveria mercado para esses papéis, sem se
descuidar dos aspectos legais. Para a emissão da CRA, é condicionante registro prévio no Cadastro Ambiental Rural
(CAR). Depois de emitida, a CRA deverá ser obrigatoriamente registrada em
bolsas de mercadorias ou em sistemas de registro e de liquidação financeira de
ativos. A área a ser compensada no Estado de São Paulo é
menor do que a estimada, porque a lei anistiou aqueles que têm propriedades
abaixo de 4 módulos fiscais (75% delas em São Paulo). Dessa forma, a superfície
excedente (propriedades que têm mais do que a lei exige) é quase igual à
demandada (propriedades que precisam ter o que a lei exige), desde que as falhas
de mercado sejam corrigidas. Assim, São Paulo ficaria de acordo com a lei, com
a oferta cobrindo a demanda; porém, restringiria a política pública, pois não
se ganharia um hectare a mais para as funções ambientais. Estudos levados a efeito pelo Instituto de Economia
Agrícola (IEA) mostraram que o volume total a ser compensado no estado é da
ordem de 960 mil hectares)2. O excedente de áreas com florestas
nativas em São Paulo é suficiente para cobrir o deficit. Resta ainda uma superfície de cerca de 630 mil hectares
não sujeita à obrigação de recuperação porque estão em propriedades abaixo de 4
módulos fiscais. Essas propriedades também têm um percentual menor de faixas de
proteção de cursos d’água. Aparentemente, a lei ambiental quis proteger o
social em detrimento do bem natural. Áreas recuperadas têm um custo muito alto e a
remuneração precisa ser condizente para que a política avance. Assim, a renda
por hectare/ano deve refletir não apenas o custo da terra, mas o do
investimento de longo prazo que se fará sobre ela. Rendimentos atuais de
R$150,00/hectare/ano (pecuária leiteira no Vale do Paraíba) são compatíveis com
uma terra que vale de R$5 mil a R$7 mil o hectare. Para que essa terra remunere
os investimentos em recuperação florestal, atualmente em cerca de R$10 mil por hectare,
seria necessário que a renda anual fosse, no mínimo, R$350,00/ha/ano. A dificuldade em desenvolver novos mercados reside
no fato de que a mesma unidade produtiva física e jurídica produz dois tipos de
bens e serviços muito distintos: de mercado (alimento, energia, fibras,
estocagem de carbono, laser) e públicos (água, biodiversidade, polinização,
intemperização de rochas, equilíbrio climático). Para estes últimos, a
participação do Estado como indutor dos mercados é fundamental e imprescindível.
Além do mais, a insegurança jurídica persiste no tocante à compensação das
reservas em outros estados, além de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs)
que pendem de julgamento nos tribunais superiores e regulamentações federais a
respeito das CRAs que aguardam serem decretadas. É pouco esclarecedora a questão dos serviços
ecossistêmicos, sua qualificação e valoração. Em São Paulo, a proteção de
aquíferos e bacias críticas, e conservação de biodiversidade parecem ser os
produtos mais atraentes. Agregar estocagem de carbono e produção de madeira
nobre não parece despropositado. Cabe ao Estado fazer o mapeamento dos locais
onde isso deve prioritariamente ser executado, aproveitando inclusive estudos
como o Projeto Biota e os zoneamentos agroambientais. É indispensável que existam mercados futuros como
instrumentos de financiamento em longo prazo dessas atividades, conferindo
liquidez ao sistema. São Paulo possui mais de 1 milhão de hectares em suas
Unidades de Conservação, dos quais pelo menos metade padece de regularização
fundiária e pode ser objeto de compensação via doação. É preciso que esses
recursos sejam utilizados, por exemplo, para pagar as desapropriações e
regularizar essas unidades. Para melhor compreensão de como se daria a
estipulação desses ativos ambientais, faz-se necessário esclarecer o que são
serviços ecossistêmicos. A lista do quadro 1 é uma adaptação de trabalho
clássico coordenado por Costanza (1997)3, no qual foi feita uma
relação exaustiva de quais eram os serviços que os ecossistemas prestavam e
tentou-se valorá-los para 16 grandes biomas mundiais, tendo se chegado a uma
cifra de US$33 trilhões por ano, ou seja, na época, quase 3 vezes o PIB
mundial. Um dos modos de cálculo seria o do valor econômico,
composto de um valor de uso, que por sua vez é dividido em valores de uso
direto e indireto. Exemplificando, um valor de uso direto é o consumo da
semente produzida em um determinado ecossistema, ou uma visitação que se faz a
um parque ou a uma reserva particular. Indireto tem a ver com o uso que se faz
do solo, da influência que existe no clima, ou na manutenção da qualidade da
água, por exemplo (Figura 1). A segunda avaliação consiste no valor de opção, como
os especialistas o denominam, que se trata do valor que é dado para usar ou não
um bem, hoje ou no futuro. Se esse bem for guardado para o futuro, quanto
valeria? Normalmente, está relacionado com os recursos genéticos para os quais
se teria um uso futuro. Existe, ainda, um terceiro tipo de valor: da
existência, ou o valor do não uso, no qual entram considerações de ordem
cultural, estética, histórica e ideológica entre outras. É, analogamente, o valor atribuído a uma obra
artística. Ou seja, ele é dado por um sentimento de uma parcela da sociedade
que entende que aquilo tem um determinado valor, e lhe imputa esse valor,
estando disposta a pagar por ele (Figura 2). Os bens e serviços da figura 2 são uma simplificação
da tabela de Costanza (1997)4 e pode ser fornecido tanto por
ecossistemas mais complexos como por ecossistemas mais simplificados. No
Brasil, entre os mais complexos, existem a Floresta Amazônica e a Mata
Atlântica intacta, que são sistemas que fornecem praticamente todos aqueles
produtos listados. Mas existem também os ecossistemas simplificados, como os
agroecossistemas, as florestas plantadas, ou mesmo as áreas recuperadas, onde
também existem condições de geração de bens ecossistêmicos. Atualmente, estão se solidificando alguns mercados
ambientais, como, por exemplo, mudança climática e o mercado do CO2.
Outro mercado que também se estrutura é o da água, que não é propriamente de
produção, mas de manutenção da qualidade do fluxo. O exemplo mais marcante é o
da cidade de Nova York, assim como a questão da manutenção das espécies hoje é
muito forte na Europa, parte dos Estados Unidos, Canadá. No tocante à biodiversidade, prevalece que não se
trata apenas de um reservatório para uso futuro, pois vislumbra-se uma série de
funções dela extraídas. Exemplo atual é a questão dos fármacos (vide a nova Lei
da Biodiversidade – n. 13.123, de 20 de maio de 2015)5. O pagamento pela biodiversidade teria que ser
trabalhado de uma maneira distinta, pois não se pode tratar a questão de um
modo igual para todo o Brasil. De outra monta, mercados ligados às mudanças
climáticas estariam associados às áreas de expansão da fronteira, ou seja, à
manutenção da Floresta Amazônica e do Cerrado. Essa dependência pode ser
ilustrada pela influência que poderia ter uma seca na Amazônia no clima de São
Paulo. Nas áreas da fronteira agrícola consolidada, entende-se que os grandes
mercados ambientais são o da água e o do não uso da biodiversidade, até pelo
grau de consciência maior que as populações desses locais estão tendo (Figura
3). Analisando com mais detalhes essa área de fronteira
agrícola consolidada, observa- -se que no Estado de São Paulo houve um
esgotamento físico da fronteira depois de meados da década de 1960 e 1970.
Convivem florestas, agricultura e pecuária com a infraestrutura socioeconômica.
Isso é representado no mosaico no Estado como um todo, onde o espaço geográfico
está totalmente apropriado, pública ou privadamente. Pela terminologia usada
nos estudos de economia agrícola, existem as unidades de produção agrícola que
são os proprietários privados; o Estado, representado basicamente pelas
Unidades de Conservação e estações experimentais, e ainda a infraestrutura
urbana, de transporte, de geração de energia elétrica, etc. No espaço estadual,
há uma vegetação remanescente, que é de 4,4 milhões de hectares muito mal
distribuídos, e um grande comprometimento dos mananciais em algumas bacias
hidrográficas. Como se vislumbraria transformar a fragilidade dos
mercados de serviços derivados da biodiversidade em uma política pública? O processo se inicia com a produção rural. O
produtor possui um agroecossistema, porém, sem características de
multifuncionalidade - nomenclatura francesa criada para justificar a questão
dos subsídios agrícolas6. O que o agricultor produz? Ele produz
alimentos, fibras, matérias-primas energéticas, etc. para determinados
mercados, ou seja, existe uma sanção social para parte da produção dos
agroecossistemas que são transacionadas no mercado de produtos. Ainda existe
outra parte da sua produção, dos serviços ecossistêmicos, cujos benefícios vão
para sociedade sob diversas formas, e que acabam não sendo pagos, mas que
percorrem exatamente o mesmo circuito (Figura 4). Outro aspecto é que, para que estes serviços
ecossistêmicos aumentem, é necessário que se migre desses agroecossistemas
muito simplificados para outros mais complexos, contribuindo para o aumento da
sua sustentabilidade. É evidente que esse processo vai ter custo, o qual vai
acabar pesando na decisão do produtor enveredar por esse caminho ou não.
Aparentemente, hoje em dia o benefício ecossistêmico dificilmente é sentido ou
mensurado pela sociedade, que é a sua verdadeira beneficiária. E, quando
mensurado, gera redução de renda para o produtor porque se espera que ele o
forneça gratuitamente. Está aí talvez a maior dificuldade de que seja aceito
pelo produtor rural o percurso de ir do mais simples para o mais complexo. Como é que seria injetado recurso para que essa
mudança de fato acontecesse e se rumasse no sentido de uma reversão dos
ecossistemas simples? Seria por meio de um pagamento social por esse uso,
complementado pelos recursos de uma demanda global, difusa, embutida nas
certificações, na solidariedade interespecífica, intergeracional. Quer dizer,
haveria duas fontes básicas de recursos para que isso acontecesse. Com o intuito de gerar eventuais debates, foi feita
uma tentativa de listar os serviços ecossistêmicos que seriam fornecidos por
aquelas áreas com fronteira agrícola consolidada. Quando se mencionam as questões da biodiversidade,
mata ciliar ou mesmo da água, também não se prevê claramente pagamento legal
para isso. O mesmo ocorre com projetos particulares, nos quais pagamentos estão
sendo feitos pela criação de fundos privados, quando o benefício é muito maior
do que isso. Aumentar a fiscalização para coagir as pessoas a cumprir um
dispositivo claramente antieconômico não parece ser a solução mais eficaz. A renda média bruta da agricultura de São Paulo está
por volta de R$3 mil por hectare por ano. Estimando em aproximadamente 20% a
rentabilidade privada esperada (a receita líquida que o agricultor
conseguiria), representaria em torno de R$500 a R$600 por hectare/ano, o que
não estaria muito longe de avaliações feitas em outros trabalhos. Continuando: se entender que 30% da área do Estado
de São Paulo precisaria estar com algum tipo de cobertura florestal e com
ecossistemas mais complexos, e excluindo desse montante a área que já é do Estado
(1 milhão de hectares), isso significaria aproximadamente 6 milhões de hectares
florestados. Seis milhões de hectares a R$500,00 representam R$3
bilhões por ano. A agricultura, apenas em sua fase agrossilvopastoril, arrecada
de ICMS mais de R$7 bilhões anualmente, ou seja, o que ela arrecada de tributo
seria mais que suficiente para pagar os serviços ambientais. Estaria bem pago?
Não se sabe. Provavelmente, estaria muito subestimado, mas isso seria uma
radical transformação daquele mosaico que se verifica no Estado de São Paulo, e
a um custo relativamente baixo. ___________________________________________ 1BRASIL. Lei n.
12.651, de 25 de maio de 2012. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a
proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva
Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o
controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos
incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o
alcance de seus objetivos. Diário
Oficial da União, 28 maio 2012. 2CASTANHO FILHO,
E. P. et al. A evolução da agropecuária paulista e a implantação da legislação
ambiental: impactos socioeconômicos e ambientais. Informações Econômicas, São Paulo, v. 43, n. 4, jul./ago. 2013.
Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=12719>.
Acesso em: ago. 2015. 3COSTANZA, R. et al. The value of the world’s ecosystem
services and natural capital. Nature, Vol. 387, May
1997. Disponível em:
<http://www.esd.ornl.gov/benefits_conference/nature_paper.pdf>. Acesso
em: ago. 2015. 4Op. cit. nota 3. 5BRASIL. Lei n.
13.123, de 20 de maio de 2015. Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético,
sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a
repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade;
revoga a Medida Provisória no 2.186-16.
Diário Oficial da União, 14
maio 2015. 6Pagamento por
outros serviços visto que a unidade de produção agrícola não produz apenas
alimento, fibra ou energia. Palavras-chave: bolsa de
valores, Cota de Reserva Ambiental (CRA).
Data de Publicação: 01/09/2015
Autor(es):
Eduardo Pires Castanho Filho (castanho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Adriana Damiani Correia Campos (adccampos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor