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Aspectos das Importações de Soro de Leite no Brasil
O soro de leite bovino é obtido, principalmente, a partir
da coagulação ácida e/ou enzimática da maior parte da proteína do leite
integral ou desnatado na fabricação de queijos. Ele contém aproximadamente 20% das proteínas solúveis do
leite, quase todo o açúcar do leite (lactose) e cerca de 50% de todos os
nutrientes presentes normalmente no leite1. É também subproduto da
produção industrial de caseína e manteiga2. É um líquido que
contém mistura de proteínas com diversas propriedades funcionais (como
emulsificação, aeração, formação de gel) e inúmeras utilizações, necessitando
de processamento para cada finalidade específica3, 4. Países com
indústria láctea desenvolvida agregam valor à linha de produção processando
este subproduto, já que o reconhecem como ingrediente funcional de alto valor
nutricional. Os dados
brasileiros sobre a disponibilidade do soro de leite são altamente imprecisos,
pois parcela significativa do queijo é produzida por pequenas empresas, que sem
estrutura para processar o soro, acabam destinando o subproduto para
alimentação animal e descartando o excedente nos rios. Este é um dos principais
problemas ambientais da cadeia de produtos lácteos. Há, contudo,
possibilidade de transformar este subproduto em uma oportunidade nacional, pois
indústrias do setor alimentício e de suplementos alimentares fazem ampla utilização do soro de leite e, para
isso, têm que recorrer a compras externas. O Brasil tem empresas que utilizam
diretamente o soro de leite fluido para concentração e secagem na produção de
soro de leite em pó, ou o empregam na forma fluida em bebidas lácteas diversas.
Segundo Zacarchenco et al. (2012)5, têm surgido nos últimos anos unidades
de processamento de soro de leite fluido que aplicam a tecnologia de membranas
(ultrafiltração) para produção do chamado concentrado proteico de soro, produto
com valor agregado maior que o soro de leite em pó, com grande aplicação no
mercado. Na pauta de importações brasileiras de lácteos, o soro de
leite tem grande peso, sendo que o principal país exportador desse produto para
o Brasil é a Argentina. Tal fato sempre foi motivo de preocupação para o setor
leiteiro, já que causa impacto negativo na balança comercial de lácteos. Essa
importação ocorre pela falta do produto no mercado interno, que tem um processamento
em quantidades insuficientes para atender a demanda nacional. O uso do soro como
leite UHT foi causa de grande discussão pelo setor. Em São Paulo, a Câmara
Setorial de Leite e Derivados debateu amplamente o tema em 2003, mostrando
preocupação com o fato de algumas bebidas lácteas estarem sendo
comercializadas como leite, o que levava o consumidor a comprar um produto
pensando ser outro (leite) e por isso se beneficiando com o pagamento do ICMS
de 7% ao invés de 18%. Além disso, abriu-se uma discussão sobre as necessidades
de regulamentação do uso de soro no leite e a necessidade de mudança da
rotulagem do produto para que o consumidor pudesse ser informado sobre qual
produto estaria comprando6. Em 2005, foi normatizado o uso do soro de leite em
bebidas lácteas por meio da Instrução Normativa MAPA n. 167 a qual determinou,
no item de rotulagem, a exigência de que fosse declarado nos rótulos das
embalagens de bebida láctea de cor branca que há soro de leite, qual sua
porcentagem e que bebida láctea não é leite. Os dizeres obrigatórios são
“CONTÉM ...% DE SORO DE LEITE” e “BEBIDA LÁCTEA NÃO É LEITE” ou “ESTE PRODUTO
NÃO É LEITE”. Também para bebida láctea com adição (colorida) há a exigência de
que se declare nos rótulos das embalagens que “CONTÉM SORO DE LEITE” e que
“BEBIDA LÁCTEA NÃO É IOGURTE” ou “ESTE PRODUTO NÃO É IOGURTE.” No período entre os anos de 2004 e 2008, em que o Brasil
passou a ter uma balança comercial favorável com as exportações de produtos
lácteos, o soro manteve sua participação nas importações. Essas exportações
ocorreram em função, basicamente, do aumento da produção interna, que não foi
absorvida pelo mercado nacional nessa época, ou seja, o crescimento da produção
leiteira, nesse período, foi maior que o consumo interno e, então, a opção foi
exportar o excedente. Esse processo de aumento das exportações terminou em
2008. Já em 2009, com a melhora de renda, principalmente das classes D e E, e
consequente aumento do consumo, essa produção passou a ser absorvida pelo
mercado interno, tendo como resultado a diminuição das exportações brasileiras. A tabela 1 mostra que, no período que houve um aumento
das exportações brasileiras de lácteos, o reflexo foi a diminuição das
importações totais desses produtos, pois o mercado interno passou a supri-las.
Porém, as de soro do leite apresentaram-se relativamente estáveis até 2008,
embora em patamar inferior ao do início do período. No entanto, em 2009, com a
queda das exportações brasileiras e crescimento das importações de lácteos, as
compras externas de soro passam a decrescer nos anos sequentes, apresentando
pequeno crescimento em 2010, mas até 2012 não voltaram ao nível de 20088. Entre 2003 e 2008 houve um significativo crescimento do
peso das importações de soro, em termos de volume, na balança comercial de
lácteos, passando de 15,40% em 2002 para 30,06% em 2003 alcançando 46,69% em
2008 (Tabela 2). No entanto, a variação nominal deste período não foi tão
expressiva. Mesmo com o aumento da produção interna de leite, parcela
significativa do soro de leite continua sendo importada, pois não há
processamento no país que atenda as necessidades das indústrias consumidoras do
produto. A partir de 2009, as vendas externas voltam a recuar e,
por conseguinte, o peso do soro nas importações totais de lácteos também
decresce (Figura 1), pois o Brasil aumenta novamente suas compras externas de
leite e derivados5. A variação na quantidade de soro de leite no período não
foi tão expressiva, pois o volume variou de 22.812.575, em 2004 (menor volume
dos anos 2000), até 36.179.250, em 2008, a maior quantidade alcançada nesse
período. Considerando os volumes e valores da pauta de importações de
lácteos, as variações são mais expressivas (Figura 2)6. Ressalte-se que, no período de 2000 a 2010, a
participação percentual do soro frente aos demais produtos da pauta de lácteos
importados, em volume, sempre foi mais expressiva. A partir de 2009, no
entanto, há uma diminuição da participação percentual, enquanto se percebe um avanço
crescente nas compras externas de queijo que passam de 5,90% para 12,15%. Em
2011, o queijo supera o soro alcançando 23,45%, e o leite em pó também tem
crescimento ficando, juntamente com o soro, em torno dos 13%. Em 2012, os três
produtos praticamente têm o mesmo peso percentual nos volumes importados de
lácteos (Tabelas 2 e 3)7. O comportamento das importações de lácteos
aponta a dependência que o Brasil tem do soro produzido no exterior. A ligeira
queda da importância do soro na pauta das importações brasileiras não quer
dizer que o volume do produto tenha caído significativamente na importação,
pois a variação do volume comprado do exterior, apesar de sofrer variações ano
a ano, não é expressiva. A importação teve seu pico de compra em volume em
2008, quando alcançou o volume de 36,2 mil toneladas.
O que se pode notar na figura 2 é que, no
final do período estudado, ocorre um aumento do valor importado do soro de
leite, que não é acompanhado pela variação do volume o que representa que se
está gastando mais para importar soro afetando negativamente a balança
comercial. Essa queda das importações do produto pode ter ocorrido devido a um
provável aumento do volume de soro processado no Brasil. Observando os demais setores lácteos da pauta
de importação, é preocupante a ampliação das compras externas de queijos e
leite em pó. Pode-se entender que o maior volume de importação de queijo foi
devido ao aumento do poder de compra dos brasileiros, aumentando a demanda por
queijos nobres, produzidos em países reconhecidos pela sua tradição na
fabricação (França, Suíça, entre outros), além do câmbio favorável que tornou
os produtos mais acessíveis. Entretanto, o
leite em pó está entrando em substituição ao produto interno, mostrando
que, apesar de toda a importância da pecuária leiteira nacional, ainda não há
uma política voltada para o setor que promova a autossuficiência na produção de
leite e viabilize investimentos no processamento de soro no Brasil, que teria
impacto direto na balança comercial de lácteos. ____________________________________________ 1JELEN, P. Industrial whey processing technology: an
overview. Journal of agriculture and Food,
Chemistry, Vol. 27, Issue 4, pp. 658-661, jun. 1979. 2WALSTRA, P.; WOUTERS, J. T. M.; GEURTS, T. J. Dairy science and technology. 2. ed.
United States: CRC/LLC, 2006. 782 p. (Taylor & Francis Group). 3KINSELLA, J. E. Milk proteins: physicochemical and
functional properties. CRC critical reviews in food science and nutrition,
Vol. 21, Issue 3, pp. 197-262, 1984. 4Chandan, R. C.; Kilara, A. Dairy ingredients for food
processing. United
States: Wiley, 2010, 568 p. 5ZACARCHENCO, P. B. et al. Permeado de
soro: aplicações que agregam valor aos co-produtos do leite. Leite e Derivados, ano 21, n.
131, p. 48-55. jan./fev. 2012. 6COORDENADORIA DE DESENVOLVIMENTO DOS
AGRONEGÓCIOS - CODEAGRO. Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Ata da Câmara Setorial de Leite e
Derivados. São Paulo: CODEAGRO, ago. 2003. Disponível em:
<http://www.codeagro.sp.gov.br/camaras/as_camaras/leite_e_derivados/atas/leite_ata39.htm>.
Acesso em: 12 jun. 2013. 7MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E
ABASTECIMENTO - MAPA. Secretaria de Defesa Agropecuária. Instrução normativa
nº 16, de 23 de agosto de 2005.
Regulamento Técnico de identidade e qualidade de bebidas lácteas. Brasília, DF,
ago 2005. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br>. Acesso em: 29
maio 2013. 8MINISTÉRIO
DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Seretaria de Comércio
Exterior - MDIC/SECEX. Sistema de
análises das informações de comércio exterior (ALICE). Disponível em:
<http://www.aliceweb.desenvolvimento. gov.br>. Acesso em: 08 maio 2013. 9Op. cit. nota 8. 10Op. cit. nota 8. 11Op. cit. nota 8. Palavras-chave: leite, soro de leite,
importações.
Data de Publicação: 26/07/2013
Autor(es):
Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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Ana Maria Pereira Amaral (apmaral@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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