Entre os Municípios Paulistas,os Grandes Produtores de Cana são os Maiores na Geração de Renda Agrícola?

 

            A estrutura produtiva e socioeconômica da agricultura de alguns Estados brasileiros tem sido alterada, sobremaneira, com o avanço da cultura da cana-de-açúcar. Costuma-se afirmar que o Estado de São Paulo, em particular, está se transformando em um 'mar de cana', em alusão à contínua e forte expansão dessa cultura no Estado ao longo dos últimos anos.
 

            De fato, entre os dez principais municípios produtores de cana do Brasil, o Estado de São Paulo não somente abriga o maior produtor (município de Morro Agudo), como também inclui outros seis municípios (Tabela 1).
 
 

Tabela 1 - Área de Cana-de-açúcar dos Dez Principais Municípios Produtores de Cana-de-açúcar do Estado de São Paulo e no Brasil, 20091

São Paulo (em ha)

Brasil (em ha)

Morro Agudo 

114.000

Morro Agudo (SP)

114.000

Barretos 

60.900

Campos dos Goytacazes (RJ)

73.030

Piracicaba 

60.000

Rio Brilhante (MS)

66.434

Paraguaçu Paulista 

58.600

Barretos (SP)

60.900

Guaíra 

57.000

Piracicaba (SP)

60.000

Ituverava 

56.500

Paraguaçu Paulista (SP)

58.600

Araraquara 

49.000

Guaíra (SP)

57.000

Guararapes 

47.651

Ituverava (SP)

56.500

Pederneiras 

47.160

Coruripe (AL)

52.238

Jaú 

46.000

Araraquara (SP)

49.000

Área dos dez principais

596.811

Área dos dez principais

647.702

Área com cana no Estado

4.914.670

Área com cana no país

8.756.576

Percentual dos 10 maiores

12,14

Percentual dos 10 maiores

7,40

¹Dos dados do IBGE utilizados, foram excluídos o valor produzido pela pecuária e áreas de pastagem.

Fonte: Elaborada a partir de dados do IBGE.


            A hipótese a ser testada é se, de fato, a cana-de-açúcar se expandiu de tal modo no Estado a ponto de ocupar posição privilegiada na formação da renda agrícola municipal, tornando os municípios canavieiros também líderes nesse quesito.
 

            Ao proceder a hierarquização da variável renda agrícola, no entanto, observa-
-se que municípios com outras aptidões agrícolas (é verdade que com a presença, em maior ou menor grau, da cana-de-açúcar) surgem entre os principais, ficando os municípios canavieiros em posição secundária, inclusive o maior produtor de cana-de-açúcar do Estado e do país, Morro Agudo, que aparece apenas na terceira posição no ranking da renda agrícola estimada pelo valor bruto da produção (Tabela 2).
 

            Mesmo com a acelerada expansão da cana-de-açúcar, a evolução dos municípios de maior renda agrícola do Estado mostra peculiaridades interessantes, uma vez que o município que despontou em geração de renda agrícola no ano de 2009 (Itapeva) desbancou Morro Agudo, o primeiro da lista dos dez principais no ano de 2000 (Tabela 2).
 

Tabela 2 - Evolução do Ranking dos Dez Principais Municípios com maior Valor Bruto da Produção Agrícola no Estado de São Paulo, 2000 e 2009


2000 (em R$1.000,00)

2009 (em R$1.000,00)

Morro Agudo 

117.292

Itapeva 

543.397

Guaíra 

92.003

Casa Branca 

407.264

Casa Branca 

91.343

Morro Agudo 

348.793

Itapeva

82.613

Itaberá 

286.742

Jaboticabal 

69.458

Itapetininga 

256.362

Itápolis 

65.118

Mogi Guaçu 

248.226

Barretos 

62.795

Leme 

244.136

Itapetininga 

60.803

Capão Bonito 

222.769

Miguelópolis 

59.701

Itápolis 

215.094

Capão Bonito 

58.106

Miguelópolis 

208.133

Percentual dos dez maiores

10,06

Percentual dos dez maiores

12,88

Fonte: Elaborada a partir de dados do IBGE.



            É certo que, nos municípios onde a cana-de-açúcar se expandiu de forma acelerada, substituindo outras atividades agropecuárias, as organizações de produtores e cooperativas locais pré-existentes defrontaram-se, muitas vezes, com os efeitos do vigor da indústria sucroalcooleira, perdendo importância como instâncias de representação da sociedade local. Também o poder público local teve reduzida capacidade de interferência frente à cadeia produtiva sucroalcooleira e, de outro, viu ampliaram-se as demandas por serviços públicos. A migração sazonal de grandes contingentes de trabalhadores de outras regiões do país para esses municípios trouxe sérios problemas para os administradores municipais em assuntos relacionados à oferta de serviços públicos em saúde, educação, segurança e habitação, fato que, em alguns deles, implicou sérios distúrbios da ordem pública e da paz social, principalmente nos anos de crise econômica mais acentuada (décadas de 1980 e 1990)1, 2.
 

            Todos esses dramas vividos nos municípios canavieiros não refletem, entretanto, o real dinamismo da agricultura paulista, a qual, longe de estar se tornando um 'mar de cana', abriga regiões capazes de gerar elevada renda agrícola (sudoeste, principalmente), também com a contribuição da cana, porém mais em decorrência da contribuição de outras atividades agrícolas de elevado valor por unidade de área (citricultura, grãos, produtos florestais, hortaliças, dentre outros).
 

            Além da análise dos municípios paulistas sob a ótica do valor bruto da produção (Tabela 2), é interessante trabalhar com a ótica da densidade-valor, que vem a ser o quociente entre o valor bruto da produção municipal e a área agrícola do município. Quando esta variável é analisada, a classificação dos municípios altera-se ainda mais, e todos os dez primeiros municípios do ranking são produtores de hortigranjeiros e frutas, atividades que geram elevado valor por hectare plantado (Tabela 3).
 

Tabela 3 - Hierarquização dos Dez Principais Municípios com maior Densidade-Valor no Estado de São Paulo, 2000 e 2009

2000 (em R$/ha)

2009 (em R$/ha)

Campo Limpo Paulista 

20.263,16

Valinhos 

45.706,24

Valinhos 

17.492,90

Vinhedo 

40.968,04

Apiaí 

17.352,92

Louveira 

29.351,71

Paraibuna 

14.927,63

Arujá 

28.785,71

Bom Jesus dos Perdões 

13.675,32

Nova Campina 

28.061,20

Louveira 

13.275,26

Mogi das Cruzes 

23.558,29

Jundiaí

13.045,60

Biritiba-Mirim 

17.263,29

Jacareí 

11.344,83

Guapiara 

16.212,26

Atibaia 

11.220,49

Jundiaí 

14.392,13

Vinhedo 

9.400,76

Cajati 

13.432,60

Estado

1.314,50

Estado

3.035,49

Fonte: Elaborada a partir de dados do IBGE.



            Confrontados os dados dos municípios com alta densidade-valor da tabela 3 com os da tabela 4, referentes aos municípios especializados na produção de cana-de-açúcar, nota-se que, nestes últimos, o valor bruto da produção por hectare de área plantada com culturas é significativamente menor.
 
 


Tabela 4 - Hierarquização dos Dez Principais Municípios Canavieiros com maior Densidade-Valor no Estado de São Paulo, 2000 e 2009

2000 (em R$1.000,00/ha)

2009 (em R$1.000,00/ha)

Guararapes

1.923,89

Guararapes

2.945,21

Pederneiras

1.403,09

Pederneiras

2.831,69

Jaú

1.335,83

Morro Agudo

2.698,78

Piracicaba

1.302,92

Piracicaba

2.607,00

Araraquara

1.169,38

Paraguaçu Paulista

2.513,50

Morro Agudo

1.125,64

Ituverava

2.482,70

Paraguaçu Paulista

1.064,20

Barretos

2.223,20

Barretos

891,24

Araraquara

1.705,35

Guaíra

719,67

Jaú

1.493,04

Ituverava

655,56

Guaíra

1.271,28

Estado

1.314,50

Estado

3.035,49

Fonte: Elaborada a partir de dados do IBGE.



            Portanto, as hipóteses desenvolvidas em relação à especialização da agricultura paulista em cana-de-açúcar e seus efeitos sobre a oferta de outros produtos agrícolas, se confirmam quando se analisam apenas os dados estaduais. Porém, ao focar as regiões/
municípios, observa-se uma capacidade do setor agrícola em se reorganizar espacialmente de modo a continuar produzindo em bases diversificadas e rentáveis. Ou seja, a atividade canavieira não desloca atividades de alta rentabilidade e densidade econômica, que via de regra são desenvolvidas em pequenas áreas de utilização intensiva.

___________________________________________________________________________________________

¹D’INCAO, M. C.; BOTELHO, M. Movimento social e movimento sindical entre os assalariados temporários da agroindústria canavieira no Estado de São Paulo. In: SADER, E. (Org.). Movimentos sociais na transição democrática. São Paulo: Cortez, 1987.
 

²FERRANTE, V. L. S. B. A chama verde dos canaviais: uma história das lutas dos trabalhadores rurais do estado de São Paulo. Tese (Livre-Docência) – UNESP, Araraquara, 1992.

 

Palavras-chave: cana-de-açúcar, renda agrícola, densidade-valor municipal.

 

Data de Publicação: 12/09/2011

Autor(es): Abel Ciro Minniti Igreja (abelciro@iz.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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