Artigos
O Potencial dos Organismos Não Geneticamente Modificados
Não geneticamente modificados (não GM) são produtos desenvolvidos sem
intervenção de transgenia, ou seja, são naturais ou convencionais na sua
concepção. Por dedução, o termo transgênico significa, portanto, organismo que
teve genes adicionados (transgênico por adição), modificados (knockin) ou
retirados (knockout)1. A transgenia pode ocorrer
entre indivíduos da mesma espécie, de espécies diferentes ou mesmo de reinos
diferentes.
A biotecnologia permite avanços via melhoramento genético para aumento da
produtividade ou resistência a fatores deletérios, como incidência de doenças ou
de pragas, resistência à seca, etc. Um bom exemplo é o milho híbrido que há
muito tempo tem sido utilizado para superar fatores adversos e obter produtos em
maior quantidade e de melhor qualidade. Hoje com a genômica, a partir da qual
são 'montados' os transgênicos, as inovações em escala nano são as grandes
inovações biotecnológicas.
Na área animal, são múltiplas as aplicações da transgenia que estão em
diferentes etapas de desenvolvimento, algumas com problemas técnicos a serem
resolvidos e outras que já geraram produtos que podem entrar no mercado ou que
já estão sendo comercializados2. Salmão, bovinos, ovinos, aves e
suínos são exemplos das espécies já modificadas para fins comerciais, muitas das
quais já aprovadas.
Também existem inovações na medicina para obtenção de remédios, vacinas e
hormônios, e ainda a agregação de valor em bens industriais com finalidades
diversas.
Quanto aos vegetais, foco da presente análise, em termos de eventos
transgênicos, os grãos são os itens mais representativos, com destaque para o
milho e a soja. Outras culturas que utilizam essa tecnologia em quase 20 países
são: algodão, canola, beterraba, alfafa, mamão papaia, abóbora, pimenta doce,
batata e álamo (madeira). São inúmeros os eventos já liberados e muitos estão em
fase de aprovação.
O crescimento da área cultivada no mundo com grãos geneticamente modificados tem
sido expressivo e o Brasil já ocupa o segundo lugar com 25,4 milhões de
hectares, atrás apenas dos Estados Unidos, que têm 66,8 milhões de
hectares3. As lavouras transgênicas representam praticamente a metade
da área total brasileira de grãos, hoje por volta de 50,0 milhões de
hectares.
É interessante observar que, em contraposição ao aumento da oferta de produtos
transgênicos, países desenvolvidos (e outros nem tanto) vêm impondo barreiras à
utilização de bens modificados geneticamente e dão certa preferência aos não GM
com o lançamento de marcas com produtos que utilizam matérias-primas obtidas sob
rigoroso controle via rastreamento e certificação.
Do lado do consumo, estima-se que no mercado europeu represente cerca de 15% do
total; embora possa ser considerado pequeno, é seletivo e deve crescer entre os
países de maior renda per capita. Isso abre um espaço com grande
potencial para o Brasil, que ainda tem expressiva produção convencional de soja,
milho e algodão, inclusive nos Estados mais representativos da agricultura de
grãos – Mato Grosso e Paraná.
Na realidade, trata-se de um nicho disposto a pagar ágios pelos atributos de um
produto com valor agregado por não conter inovações tecnológicas (transgenia),
ainda muito contestadas por consumidores e mesmo cientistas de varias regiões do
mundo. O mercado pet food deverá em parte acompanhar esta tendência, ao
lado de produtos orgânicos por exigência dos donos dos animais.
A agregação de valor é o grande trunfo atual, pois metade dos embarques
brasileiros de farelo de soja é convencional, enquanto os de lecitina chegam a
95% do total, com destinações respectivas para a fabricação de ração e obtenção
de proteína animal e alimentação humana.
Foi realizado recentemente em São Paulo o 1º Encontro de Produtos e Sementes Não
Transgênicos – SEMEAR, reunindo produtores, importadores, certificadores e
pesquisadores. No evento, foram apresentadas várias palestras com ênfase na
existência de um mercado receptivo a esses produtos em virtude das exigências de
consumidores de várias partes do mundo.
A tônica das discussões foi a de alertar para a existência de uma janela de
oportunidades em decorrência da procura por bens diferenciados, sem entrar no
mérito da polêmica quanto às vantagens/desvantagens apresentadas pelos
organismos geneticamente modificados.
Tendo em vista que o Brasil tem a liderança mundial de produção e exportação de
grãos não GM, esse potencial mercado levou à criação da Associação Brasileira de
Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (ABRANGE), com o objetivo de
organizar a cadeia de produção e conseguir agregar valor por conta da
autenticidade dos bens a serem transacionados.
Outra iniciativa adicional a esse esforço é o Programa Soja Livre, que reúne
empresas e entidades dos vários segmentos da cadeia no desenvolvimento de
sementes de variedades convencionais de elevada produtividade. Atualmente, conta
com a adesão de 14 organizações.
O Brasil deve contemplar as explorações convencionais e inovadoras de modo a
atender todo o mundo e para conseguir um plus nos produtos diferenciados,
pois conforme previsto em 2003, a soja transgênica, na época um produto
diferenciado, tornou-se uma commodity em razão da sua
adoção4.
Um fato a relatar é que, com o crescimento da produção de mercadorias
diferenciadas, como é o caso dos não transgênicos e orgânicos, a necessidade de
separação por células específicas para a armazenagem torna-se um entrave
adicional para a já comprometida logística de movimentação e escoamento da
produção brasileira de grãos.
A ABRANGE, com base nas estatísticas de área cultivada levantadas pela CONAB em
abril de 2011, estimou que a produção de soja não GM representou 32,7% do total
na safra 2010/11 e prevê que atinja 25,7% em 2011/12. Quanto ao milho, para a
primeira safra (verão), tendo como referência os dados de janeiro de 2011, as
cifras são de 64,0% e 43,0% para os períodos correspondentes. Já para a segunda
safra (inverno), os valores são de 35,0% e 30%,
respectivamente5.
O cenário que se apresenta é de diminuição do plantio de culturas convencionais,
mas podendo proporcionar maiores ganhos a quem se dispuser a permanecer neste
mercado especial. Ainda há pequena margem de acréscimo nos produtos naturais,
mas na visão de especialistas presentes no Encontro, a tendência é de melhora
dos preços.
A soja poderá se sobressair quanto à destinação de áreas para cultivares não GM,
já que no caso do milho, que é uma cultura de polinização cruzada, torna-se mais
difícil manter as lavouras isentas de traços transgênicos. A necessidade de
faixas de contenção tem sido muito discutida, mais ainda está indefinida em
termos da extensão.
GM ou não GM? Este é o atual dilema!
Ao que tudo indica, essa polêmica vai continuar por um bom tempo ou ad
infinitum, segundo alguns. Cabe ao produtor, portanto, decidir qual semente
plantar ou qual animal criar, e ao consumidor escolher o que adquirir, segundo a
conveniência de cada um. ______________________________________________________
2AZEVEDO, V. Aplicações da
biotecnologia na área animal. São Paulo: CIB, 2011. Disponível em:
<ttp://cib.org.br/apresentacao/aplic_biotecnologia_area_animal.pdf>.
Acesso em: 13 maio 2011.
3CLIVE, J. Situação global da
comercialização das lavouras GM: 2010: breve sumário executivo. ISAAA 42-2010.
Ithaca: ISAAA, Disponível em:
<http://www.isaaa.org/resources/publications/briefs/42/default.asp>.
Acesso em: 16 maio 2011.
4NOGUEIRA JUNIOR, S. A
agricultura brasileira precisa de transgênicos? São Paulo: IEA, 2003.
Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=861>.
Acesso em: 16 maio 2011.
5ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
PRODUTORES DE GRÃOS NÃO GENETICAMENTE MODIFICADOS - ABRANGE. Informativo de
mercado. Disponível em:
<http://www.abrange.org/informa/informa_br_nota.asp?cod=115>. Acesso em:
18 maio 2011. Palavras-chave: agricultura convencional,
transgenia, grãos.
1PESQUERO, J. B. et al. Animais
transgênicos. Biotecnologia, Ciência & Desenvolvimento, Brasília, ano
5, n. 27, p. 52-56, jul/ago 2002. Disponível em:
<http://www.biotecnologia.com.br?revista/bio27/animais.pdf>. Acesso em 13
maio 2011.
Data de Publicação: 31/05/2011
Autor(es): Sebastião Nogueira Junior (senior@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor